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Evolução: 1. Os chimpanzés da savana africana

by Lucas Gomes

Nas savanas do Senegal, chimpanzés caçam pequenos primatas com varetas
de ponta aguçada, uma tecnologia que dá indícios sobre nossa própria evolução.


Mãe de primeira viagem, Nickel reclina-se com sua recém-nascida,
Teva, o membro mais novo
do grupo Fongoli. Todos os chimpanzés queriam fazer festa com o bebê,
mas Nickel somente
permitiu a aproximação de Mike, um órfão. E manteve
longe os barulhentos machos adultos.

O alvorecer é repentino, como se alguém invisível estendesse
a mão e acionasse um interruptor elétrico. Despertados pela claridade,
34 chimpanzés iniciam novo dia. E permanecem nos ninhos que construíram
na noite anterior, em árvores situadas na borda de um platô descampado.
Não é costume dos chimpanzés selvagens acordarem assim
tranqüilamente. Pelo contrário. Já começam o dia aos
berros. Existem nomes técnicos específicos para cada uma de suas
várias vocalizações, mas, para um ouvido destreinado, trata-se
apenas de cacofonia alucinada. Não dá para ouvi-la sem abrir um
sorriso. Esses são os primatas das savanas e matas do oeste da África,
pertencentes à subespécie Pan troglodytes verus, e vivem
tanto no leste do Senegal como, além da fronteira, no oeste do Mali.
Ao contrário de seus parentes mais conhecidos, que habitam as matas tropicais,
os chimpanzés das savanas passam a maior parte do tempo no solo, pois
nessa região africana não há vegetação alta.
Só árvores baixas e esparsas. É um ambiente muito parecido
com os campos abertos e agrestes em que evoluíram os primeiros seres
humanos. Por esse motivo, comunidades de chimpanzé, como o grupo Fongoli,
são valiosas aos cientistas que estudam os primórdios de nossa
espécie.

Às 8 da manhã chega-se aos 32 graus centígrados. A vida
na savana – até mesmo na chamada savana em mosaico, recortada de
trechos mais viçosos de mata de galeria ao longo dos leitos fluviais
– é muito dura. No caso dos primatas acostumados a um terreno mais
verdejante, eles só conseguem sobreviver se forem capazes de modificar
seu comportamento. Nossos mais antigos ancestrais hominídeos (ou seja,
primatas bípedes) evoluíram há mais de 5 milhões
de anos, durante o Mioceno, uma época extremamente seca na qual surgiram
imensos trechos de pradaria.

Os primatas tropicais deixaram de ter acesso a frutos abundantes, bem como
a riachos e lagos perenes. Acabaram forçados a adaptar-se, a percorrer
distâncias cada vez maiores para conseguir alimento e água, a aproveitar
melhor os recursos. Foram obrigados a tornar-se mais criativos.

Em
2007, a antropóloga Jill Pruetz (foto ao lado), da Universidade Estadual
de Iowa, relatou que, dois anos antes, Tumbo, uma fêmea do grupo Fongoli,
fora vista, afiando um galho com os dentes e empunhando-o como se fosse uma
lança. Em seguida, ela usou-o para atacar um gálago – minúsculo
primata noturno, arborícola, que salta de um galho a outro como gafanhoto.
Até aquele momento, a produção regular de ferramentas para
caçar e abater outros mamíferos era considerada um comportamento
exclusivamente humano. Todavia, ao longo de um período de 17 dias, no
início da estação das chuvas de 2006, em 13 ocasiões
Jill observou os chimpanzés caçando gálagos. No ano seguinte
foram 18 vezes. Aparentemente os chimpanzés estavam exercitando sua criatividade.
Há indivíduos que não se sentem confortáveis ao
ouvir as histórias que Jill conta a respeito de chimpanzés confeccionando
lança. Um dos céticos é Richard Wrangham, um professor
de antropologia biológica que já pesquisou o comportamento agressivo
dos chimpanzés do Parque Nacional de Kibale, em Uganda. Wrangham é
mais conhecido pela teoria do “macho demoníaco”, segundo a
qual os brutais assassinatos realizados por chimpanzés machos ao patrulhar
seu território são indicativos de um aspecto violento do cerne
dos homens. O primatólogo Craig Stanford, autor do livro The Hunting
Apes
(“Os macacos caçadores”), é outro que não
se mostra impressionado com as descobertas de Jill. “Esse comportamento
é fascinante, mas as observações são de tal modo
preliminares que mereceriam apenas breve nota em alguma publicação
especializada.” Bem, o relato acabou estampado na importante revista Current
Biology, e atraiu o interesse de muita gente. O achado de Jill foi divulgado
em mais de 300 órgãos de imprensa. Foi a notícia mais comentada
desde os anos 1970 quando circularam os relatos de infanticídio e canibalismo
entre os chimpanzés estudados por Jane Goodall, em Gombe.

Jill Pruetz observou os chimpanzés saindo de seus ninhos noturnos. Um
grande macho dependurou-se de um galho baixo com apenas um braço, balançando
o corpo suavemente, sem a menor pressa. A silhueta era ereta, espantosamente
humanóide. Soltando-se, tocou o solo e afastou-se caminhando pelo platô.
Não havia como escapar ao simbolismo. Eis ali um chimpanzé, tido
por muitos como o mais parecido que dispomos de um modelo vivo de nossos primitivos
ancestrais hominídeos, literalmente descendo de uma árvore e se
perdendo na imensidão aberta da savana. É como se estivesse assistindo
a um filme acelerado da evolução humana, a própria aurora
do homem descortinando-se diante dos binóculos.


Os chimpanzés têm ossos dos dedos dos pés curvados, o
que
os ajuda a agarrar árvores e cipós ao se locomoverem
pela cobertura
da floresta.

Os chimpanzés que vivem no chão, ao contrário dos que
ficam na copa das árvores, desconfiam de estranhos de corpo avantajado,
por isso, Jill Pruetz levou quatro anos para fazer com que os chimpanzés
de Fongoli aceitassem a presença de seres humanos – algo que os
primatólogos chamam de “habituação” – e
passou os últimos três verões a observá-los. Ela
acompanhou os chimpanzés seis dias por semana, desde o amanhecer até
o pôr-do-sol.

Os resultados que ela obteve até então foram impressionantes.
Além de usar ferramentas para caçar, os chimpanzés de Fongoli
apresentam outros comportamentos inusitados: banhos de imersão em nascentes
d’água, descansos em cavernas para escapar ao calor da tarde.

Com 63 quilômetros quadrados, a região de Fongoli é o maior
território já estudado de um grupo de chimpanzés habituado
aos seres humanos (para ter uma idéia, os chimpanzés observados
por Jane Goodall, em Gombe, viviam em um âmbito de 13 quilômetros
quadrados). Craig Stanford comparou a busca de alimentos em território
tão extenso à movimentação de uma pessoa em um hipermercado.
Tal como Jill, ele acreditava que os chimpanzés não procuravam
alimento de forma aleatória, e sim de modo deliberado. “Ninguém
anda por entre as prateleiras do supermercado esperando topar com brócolis,
por exemplo”, disse ele. “A gente sabe mais ou menos onde está
cada produto, e tem idéia dos alimentos frescos que pode encontrar naquela
época do ano.” O mesmo, segundo Stanford, valia para os chimpanzés.

“Inteligência ecológica” é o nome da teoria segundo
a qual alguns primatas, incluindo os que fazem parte de nossa linhagem, desenvolveram
cérebro maior e mais complexo porque isso os ajudou a sobreviver em hábitats
inóspitos. “O primeiro impulso para um cérebro maior”,
escreveu Stanford, “pode ter sido o resultado da distribuição
irregular de uma dieta de alta qualidade e da respectiva capacidade cognitiva
de mapeamento dessas fontes alimentícias.” “Dieta de alta qualidade”,
para ele, significava “carne”.

A mudança para o consumo de mais carne pode ter desempenhado papel significativo
na evolução de um cérebro maior e mais sofisticado. O funcionamento
de um cérebro maior exigiria que se reduzissem as necessidades energéticas
de algum outro órgão ou sistema. Uma dieta carnívora proporciona,
com a ingestão de menos alimento, a mesma quantidade de calorias presente
em volume bem maior de vegetais. E, quando se gasta menos energia na digestão,
o que sobra pode ser empregado em outra parte – por exemplo, para manter
em funcionamento um cérebro expandido.

Uma fêmea de chimpanzé chamada Tia sentou-se em uma pedra, arrancando
carne crua de um osso. Era um antílope, o maior animal que já
se soube sendo devorado por chimpanzés. A temporada de caça em
Fongoli coincide com a estação das chuvas, e Jill teve algumas
explicações para isso. À medida que as nascentes e lagoas
se enchem com a chuva, e surgem brotos e outros tipos de vegetação,
a região passa a contar com alimento suficiente para sustentar um grupo
significativo de chimpanzés em movimento.

Há vantagens em deslocar-se juntamente com um grupo mais amplo. Chimpanzés
isolados ou em pequenos grupos facilmente perdem contato com o resto da comunidade
por vários dias. Para os chimpanzés, a sociabilidade é
fundamental. Jill apontou uma fêmea no cio conhecida como Sissy, exibindo
a protuberância rósea na parte traseira. “Para o caso de algum
macho não estar prestando atenção.” Ela referiu-se,
é claro, à possibilidade de acasalamento, de passar adiante seu
material genético. Bem agora, após as duas chuvas que inauguraram
a estação mais úmida, havia água e alimento suficientes
para que o grupo se deslocasse em conjunto, mas ainda não se via abundância
de recursos.Acreditou-se que foi um cenário parecido – uma multidão
de animais competindo por recursos limitados – que levou certos membros
da comunidade a se lançar na tentativa de encontrarem outras soluções.


A técnica parece ser usada com mais freqüência pelas

fêmeas
e pelos jovens, os quais têm de inventar novas
maneiras de obter alimentos
em épocas de escassez,

quando os machos adultos revelam-se menos generosos.

Soluções inovadoras como afiar galhos e usá-los para caçar
gálagos. Esse é um tipo de caçada diferente dos ataques
de macacos colobos, documentados em outros locais. Ao topar com um tronco de
árvore morto e oco – um possível abrigo diurno para os gálagos
–, um chimpanzé às vezes quebra o galho de uma árvore
próxima, arranca as folhas e os ramos menores e, em seguida, usa os dentes
para deixar bem afiada a ponta. Essa ferramenta é então enfiada
no tronco oco até perfurar e matar o animal ali entocado.

As fêmeas adultas e os jovens – os menos privilegiados na estrutura
social dos chimpanzés – é que foram vistos caçando
gálagos com mais freqüência, segundo as observações
já realizadas. Faz sentido. Os machos dominantes não se mostram
muito dispostos a partilhar os alimentos que encontram, e ninguém pode
forçá-los a isso. As fêmeas de Fongoli, portanto, parecem
ter decidido fazer algo a respeito.

Certa ocasião, um chimpanzé jovem, David, estava perto de uma
abertura no tronco de uma árvore onde devia haver um gálago. Ouviu-se
bem antes de vê-lo, um estrondoso “tchonk” que fez com que a
pesquisadora parasse de repente e comentasse: “Parece o ruído de
uma lança!” Lá estava ele, de pé no galho da árvore,
se segurando com uma das mãos e, com a outra, brandindo acima da cabeça
um grosso bastão com 1 metro de comprimento. Ele o enfiava no buraco
que havia no tronco e depois examinava a ponta do bastão. Convencido
de que não havia ninguém lá dentro, afastou-se, deixando
a “lança” com a ponta entalada no buraco. A violência
e a deliberação com que realizou a tarefa não lembravam,
de modo algum, nenhum animal coletando em paz seu alimento. Seu objetivo era
óbvio: matar, ou pelo menos incapacitar, qualquer bicho que lá
estivesse escondido.

Seria de imaginar que os primatólogos, mais que outros cientistas, estariam
à vontade com as fronteiras sempre cambiantes entre chimpanzés
e seres humanos. Afinal, a seqüência genética de ambas as
espécies é muito parecida: a similaridade chega a ser de 95% a
98%. No fim, isso não é tão importante assim: os seres
humanos partilham mais de 80% de sua seqüência genética com
os camundongos, e talvez 40% com a alface. Recente investigação
do genoma dos seres humanos e dos chimpanzés sugere que estes últimos
e os primeiros hominídeos podem ter se cruzado depois de as duas linhagens
terem tomado caminhos divergentes. No entanto, ainda parece haver certo desconforto
diante de descobertas que, como disse Jill, vão “erodindo nossa
posição de superioridade”.

Desde os primórdios da primatologia, a descoberta de comportamentos
dos chimpanzés que ameaçam a singularidade – o isolamento
– dos seres humanos sempre encontra uma resistência rancorosa. Muitos
antropólogos sentiam arrepios ao ouvir referências a uma “cultura”
dos chimpanzés – e, hoje, o conceito é amplamente aceito.
Os primeiros informes de Jane Goodall sobre chimpanzés confeccionando
ferramentas (para a captura de cupins) foram tão polêmicos quanto
as constatações mais recentes de que os chimpanzés podem
aprender a usar uma linguagem. No centro de pesquisas do Great Ape Trust, um
bonobo chamado Kanzi aprendeu a comunicar-se por meio de símbolos. Kanzi
conhece e usa correntemente cerca de 380 deles, e há indícios
de que entenda o significado de todos. Quando ficou tomado de pavor diante de
um castor, um animal para o qual não associava nenhum símbolo,
ele escolheu os sinais de “água” e “gorila” (outro
animal que o assusta). Para os críticos, tais comunicações
se explicam por um comportamento condicionado. O emprego inovador de símbolos
– “gorila [de] água”, por exemplo – é descartado
como mera coincidência.

Uma exceção a tais atitudes é a postura dominante no Instituto
de Pesquisa de Primatas, da Universidade de Kyoto. No Japão, a primatologia
é pautada pelo preceito budista de que os seres humanos fazem parte do
mundo natural, não estando nem acima nem separados dele. No congresso
Mind of the Chimpanzee, realizado em Chicago no ano passado, Tetsuro Matsuzawa
falou sobre os primeiros anos da primatologia, época em que os cientistas
“não tinham idéia de quão próximos estamos
(os chimpanzés e nós)”. E acrescentou: “Tão próximos
quanto o cavalo está da zebra”. Nos países ocidentais, registra-se
gradativa mudança nas atitudes em relação a tais primatas.
O seqüenciamento do genoma do chimpanzé, em 2005, voltou a chamar
atenção sobre a espécie. A Nova Zelândia, os Países
Baixos, a Suécia e o Reino Unido aprovaram leis que proíbem experimentos
com os grandes macacos antropóides, e as ilhas Baleares, na Espanha,
aprovaram uma resolução que lhes confere direitos legais básicos.
Em 2006, uma organização austríaca de defesa dos direitos
dos animais solicitou a um tribunal distrital em Mödling que nomeasse um
guardião legal para um chimpanzé chamado Hiasl. A estratégia
era obter o reconhecimento da condição de “pessoa jurídica”
para esse réu peludo. (Embora manifestando simpatia pela questão,
o juiz recusou a solicitação).

Voltando à savana, aos chimpanzés de Fongoli, em outra ocasião,
uma chimpanzé chamada Sissy estava sentada imóvel, debruçada
sobre uma toca de cupins. Somente o braço direito dela se movia, enfiando
um pedaço de cipó por uma abertura e puxando-o lentamente, carregado
de cupins. Depois ela o erguia com todo o cuidado até a boca, como um
idoso tomando sopa. O cupinzeiro ficava no outro lado de um trecho aberto de
laterito pedregoso e avermelhado, que dá ao terreno a aparência
de quadra de terra para tênis.

Tal como a pesca com mosca, a pescaria de cupins é uma atividade meditativa
bem mais difícil do que parece. Embora fosse tentado algumas vezes, não
conseguiu-se nem sequer achar um buraco em atividade. Jamais conseguiu-se enfiar
o cipó mais que alguns centímetros, ao passo que os chimpanzés
normalmente empurram os deles por cerca de meio metro. E eles são capazes
de identificar um buraco ativo pelo olfato, introduzindo ali uma sonda e depois
cheirando-lhe a ponta em busca do odor do feromônio emitido pelo cupim-soldado.
Os chimpanzés de Fongoli alimentam-se de cupim o ano todo, e não
apenas na estação seca, quando se tornam escassas outras fontes
de nutrientes. No mínimo, o cupim representa 6% da dieta deles. Sabe-se
disso porque, quase sempre às 6 da tarde, a assistente de pesquisa Sally
Macdonald sentava-se com um conjunto de peneiras e baldes, e um ou dois sacos
plásticos repletos de excrementos de chimpanzé, recolhidos pelos
pesquisadores quase todos os dias. Ela examinava as sementes de frutos, avaliava
o percentual de fibras originárias de folhas e brotos e mantinha um registro
minucioso dos fragmentos de ossos e de resquícios de cupim.

Stephanie Bogart, que preparou sua tese de doutorado sob a orientação
de Jill Pruetz, explicou que parte do motivo pelo qual os chimpanzés
se dedicam à pescaria dos cupins é que estes são um alimento
muito calórico. Cem gramas de cupim contêm 613 calorias, bem mais
que as 166 calorias achadas na mesma quantidade de carne de frango. Todavia,
para conseguir 100 gramas de cupim-soldado, é preciso capturar centenas
de insetos. É como comer um bolo migalha por migalha.

A chimpanzé Sissy deixou seu lugar junto ao cupinzeiro e saiu em busca
de outra ferramenta. Ela quebrou um pedaço de cipó e o inspecionou.
Dando-se por satisfeita, ela o colocou na boca e o levou de volta à toca
dos cupins, como se fosse uma costureira guardando alfinetes entre os lábios.
As fêmeas não apenas são mais hábeis que os machos
para confeccionar e usar ferramentas como também são bem mais
diligentes. Para Craig Stanford, é provável que tenham sido as
fêmeas nossas ancestrais as primeiras a nos colocar no caminho da cultura
e do emprego de ferramentas. Os primitivos instrumentos para a coleta de alimentos,
imagina ele, deram lugar a ferramentas para raspar restos de carne de carcaças
de animais mortos e abandonados por grandes predadores carnívoros. Essas
ferramentas, por sua vez, podem ter aberto o caminho para a confecção
de armas. Tudo isso torna ainda mais intrigantes as observações,
realizadas por Jill Pruetz, de chimpanzés afiando a ponta de galhos e
usando-a para matar gálagos: aparentemente as fêmeas de Fongoli
estão na vanguarda dessa tendência de confeccionar ferramentas
letais.

Em outra oportunidade, Jill Pruetz apontou para um emaranhado de cipós.
Ali onde parece-se ver apenas uma massa escura ela conseguia distinguir nada
menos que seis animais. O embolamento em meio aos cipós era, na verdade,
uma cena de preguiçoso contentamento familiar. Yopogon estava penteando
Mamadou. Encostado no tronco de uma árvore, Siberut roçava um
dedão no outro, como sempre fazia. Dois jovens se balançavam pendurados
em cipós, reluzindo toda vez que passavam por um feixe inclinado de luz
do Sol. Um deles usava o pé para se apoiar em um tronco e girar em torno
do próprio eixo. O outro saltava de um cipó a outro. Todos eram
extremamente graciosos. Um macho chamado Mike deitou-se de costas em uma rede
de ramos, com as pernas dobradas e o calcanhar de uma delas sobre o joelho da
outra. Enquanto mantinha um dos braços sob a cabeça, o outro está
dobrado com a mão pendente do pulso, à maneira de um caubói
encostado em uma cerca. Para Jill, os chimpanzés de Fongoli são
tão importantes quanto os membros de sua família.

Uma das primeiras coisas que os estudantes de primatologia aprendem é
a necessidade de evitar o antropomorfismo. Como os chimpanzés se parecem
e se comportam de modo muito parecido com os seres humanos, não é
difícil interpretar equivocadamente seus gestos e expressões,
ou seja, projetar neles, inapropriadamente, características humanas.
Por exemplo, surpreendeu-se Siberut fitando o céu e logo pareceu que
estava em um estado contemplativo, ponderando as grandes questões da
vida. Na verdade, o que lhe interessava mesmo era saber como chegar aos frutos
mais altos de uma árvore saba.

O bocejo dos chimpanzés é contagioso – tanto entre eles
como entre os seres humanos. Em cativeiro, os chimpanzés costumam escarrar,
e eles, tal como nós, parecem considerar esse gesto como a expressão
mais extrema de nojo – e reservada, curiosamente, para os seres humanos.
Macacos em cativeiro, caso necessário, podem cuidar de um filhote de
outra espécie, e foi o que fez Tia, uma chimpanzé selvagem com
um filhote de geneta, um mamífero. E a lista não pára por
aí. Os chimpanzés acordam no meio da noite a fim de fazer um lanchinho.
Eles ficam deitados de costas e brincam de “aviãozinho” com
seus filhos. Eles se beijam. Eles se cumprimentam com as mãos. Eles arrancam
a casca de feridas antes que cicatrizem. O tabu da antropomorfização
chega a ser intrigante, uma vez que a proximidade – evolucionária,
genética e comportamental – entre chimpanzés e seres humanos
é o que nos leva a estudá-los de modo tão obsessivo.

Já os chimpanzés, por seu lado, não se mostram muito intrigados
com essa conexão entre primatas e seres humanos. Enquanto nos empenhamos
em observá-los, eles quase sempre preferem nos ignorar, e só ocasionalmente
nos lançam um olhar rápido enquanto se movem pelo mato. Não
há temor nesse olhar – tampouco curiosidade ou interesse social.
É um olhar que diz apenas: lá vêm eles de novo.

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