Falso mar, falso mundo
reune 89 crônicas produzidas por Rachel
de Queiroz entre 1983 e 2000. A autora deixa em sua obra as impressões
de quem assistiu a todo o processo e degradação do mundo ao longo
do século XX.
Especialmente na crônica Falso mar, falso mundo, que dá
título à coletânea, Rachel de Queiroz apresenta-nos, por
meio de suas experiências e escrita, a confirmação da existência
de um sujeito cuja identidade fragmentada remete a literatura contemporânea
brasileira a uma nova perspectiva. Aberta a situações, as mais
diversas possíveis, que surgem, talvez, como respostas alternativas da
modernidade ou ainda, para reforçar a posição de que essa
nova literatura permite a coexistência de traços muito diferentes
e marcantes, a autora deixa transparecer sua posição sobre todas
essas ocorrências: o medo de que, em meio a tantas transformações,
os indivíduos deixem de ser seres animados e passem a ser considerados,
meramente, bonecos comandados por um novo ponto de vista, alterado e distorcido,
e deixem de ser sujeitos ativos para aceitar, com passividade, as novas imposições
sociais.
As crônicas também mostram uma narração generosa
e profunda sobre a velhice. Traz ainda as impressões da literata, da
bisavó, da amiga e acima de tudo, da cidadã, que com a idade e
vasta experiência que tinha, não abandonou o sertão nordestino
e, especialmente, o cearense, onde está encravada a sua Fazenda Não
Me Deixes, se entristecendo com o período seco e vibrando com a volta
das chuvas:
“Não é entusiasmo sertanejo, não é
patriotismo cearense, mas o sertão está lindo, tão lindo,
que poderia competir com as paisagens clássicas de além-mar”
(“Nós e a natureza”).
Aliás, algo que não lhe saía do pensamento, era o sertão;
estando em Berlim Ocidental, encontra “a caatinga nordestina em réplica”.
Isso foi o suficiente para o retorno à Pátria natal, “Me
vi de repente no Ceará, tal como deve ele estar agora…”
E prossegue a lúcida amiga, que lembra “Se você não
é capaz de ter amigos, você é um erro da natureza…”
(“Ah, os amigos”).
A arte da escrita, tão bem dominada por Rachel de Queiroz, está
presente nessas crônicas. Ao final de cada crônica, uma lição
nos é dada e enriquecidos ficamos com a leitura de quem muito sabe, muito
viveu e mostra que a vida é um eterno aprendizado.
Nas lições de seu bisneto Pedro e sua ânsia de conhecer
o mundo, acompanhada da busca da liberdade, Rachel nos dá um exemplo
de sua sabedoria, revestida da simplicidade comum aos gênios e sábios
dessa vida, com suas paixões, seus declínios e acertos.
Na crônica “Rubem Braga explicava Portugal…”,
Rubem Braga, à sua maneira casmurra, justificava o título e ainda
ensinava à linda rapariga que não lhe dava bola, que é
impossível recitar Os lusíadas ao ritmo do atual falar
português, pois Camões metrificou o poema ao ritmo do falar de
então, que veio a ser o nosso, brasileiro e, sobretudo, carioca.
A crônica “Os Noventa”, fecha o livro com chave de ouro. Sendo
que nele vemos o futebol e a ânsia que tínhamos pelo pentacampeonato
que conquistamos; os colegas; o sertão; o Rio de Janeiro; as Guerras;
enfim, o dia-a-dia sob a ótica lúcida de quem se preocupava com
o fim do mundo e via atenta as novidades do novo milênio e lembrava o
“Falso mar, falso mundo”, tendo por pano de fundo uma ´Praia
Artificial´ no Japão, observando que “Aquilo não pode
deixar de ser pecado”.
Créditos: José Luís Lira, advogado e escritor
| Adriana Giarola Ferraz Figueiredo (UEL)