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Os faraós negros conquistaram o Antigo Egito

by Lucas Gomes

Um capítulo esquecido da história fala de um tempo em que reis
do interior da África conquistaram o Antigo Egito.

No ano de 730 a.C., um homem chamado Piye chegou à conclusão
de que a única maneira de salvar o Egito de si mesmo era invadi-lo. E
muito sangue iria correr antes de chegar o momento da redenção.

“Preparem as melhores montarias de seus estábulos”, ordenou
ele a seus comandantes. A magnífica civilização que construíra
as grandes pirâmides havia perdido o rumo, destroçada por medíocres
chefes guerreiros.

Durante duas décadas, Piye estivera à frente do próprio
reino na Núbia, um trecho da África situado quase todo no atual
Sudão. Mas ele também se via como o verdadeiro Senhor do Egito,
o legítimo herdeiro das tradições espirituais mantidas
por faraós, como Ramsés II e Tutmés III. Como Piye provavelmente
jamais colocara de fato os pés no Baixo Egito, houve quem não
levasse a sério suas reivindicações. Agora, contudo, Piye
iria testemunhar com os próprios olhos a submissão do Egito decadente.

Suas tropas seguiram para o norte, navegando pelo rio Nilo. E desembarcaram
em Tebas, capital do Alto Egito. Convencido de que havia uma maneira apropriada
de travar guerras santas, Piye ordenou aos soldados que, antes do combate, se
purificassem com um banho no Nilo, vestissem panos de qualidade e aspergissem
sobre o corpo a água do templo em Karnak, um local santo para Amon, o
deus solar com cabeça de carneiro, considerado por Piye como a sua divindade
pessoal. Assim consagrados, o comandante e suas tropas passaram a enfrentar
todos os exércitos que cruzavam pelo caminho.

No fim de uma campanha de um ano, todos os chefes guerreiros do Egito haviam
capitulado – incluindo Tefnakht, o líder do delta, que enviou uma mensagem
a Piye: “Seja clemente! Não posso contemplar o teu semblante nos
dias de vergonha nem me erguer diante de tua chama, pois temo a tua grandeza”.
Em troca da própria vida, os derrotados conclamaram Piye a adorar em
seus templos, a ficar com suas jóias mais refulgentes e a apoderar-se
de seus bons cavalos.

O conquistador não se fez de rogado. E então, diante de seus
vassalos que tremiam de medo, o recém-sagrado Senhor das Duas Terras
fez algo extraordinário: após embarcar seu exército e seu
butim, içou velas rumo ao sul, navegou de volta para casa, na Núbia,
e jamais voltou ao Egito.

Em 715 a.C., quando Piye morreu, encerrando um reinado de 35 anos, seus súditos
atenderam a seu desejo e o enterraram em uma pirâmide de estilo egípcio,
juntamente com quatro de seus amados cavalos. Piye foi o primeiro faraó
a ser sepultado dessa maneira em mais de 500 anos. É uma pena, portanto,
que nada do semblante literal desse grande núbio tenha sobrevivido. As
imagens de Piye nos elaborados blocos de granito, conhecidos como estelas, e
que registram sua conquista do Egito, há muito foram apagadas. Em um
relevo no templo da capital núbia de Napata, restaram apenas as pernas
de Piye. Só temos certeza de um único detalhe físico do
faraó: a cor de sua pele, que era negra.

Piye foi o primeiro dos chamados “faraós negros” – uma série
de soberanos núbios que reinaram sobre todo o Egito durante três
quartos de século, constituindo a 25a dinastia. Graças a inscrições
entalhadas em estelas tanto pelos núbios como por seus inimigos, podemos
ter idéia da imensa área do continente controlada por esses governantes.
Os faraós negros reunificaram um Egito fragmentado e marcaram sua paisagem
com monumentos gloriosos, criando um império que se estendia desde a
divisa meridional na atual Cartum, seguindo na direção norte,
até o Mediterrâneo. Eram poderosos o bastante para enfrentar os
sanguinolentos assírios, e talvez com isso tenham salvo a cidade de Jerusalém.

Nas últimas quatro décadas, os arqueólogos começaram
a recuperar a história desse reino – e a aceitar que os faraós
negros não tinham caído do céu. Em vez disso, haviam surgido
de uma robusta civilização africana que florescera nas margens
meridionais do Nilo durante 2,5 mil anos, remontando à primeira dinastia
egípcia.

Atualmente, as pirâmides do Sudão – mais numerosas que as do Egito
– são espetáculos assombrosos no deserto da Núbia. É
possível perambular por elas sem nenhum temor, mesmo se estivermos desacompanhados,
como se a região nada tivesse a ver com o genocídio no país,
a crise dos refugiados em Darfur ou as conseqüências da guerra civil
no sul. Enquanto cerca de mil quilômetros ao norte, no Cairo ou em Luxor,
multidões de turistas curiosos desembarcam de um ônibus após
outro, espremendo-se para ver e apreciar as maravilhas egípcias, as pouco
visitadas pirâmides sudanesas de El Kurru, Nuri e Meroé se erguem
serenamente em meio a uma paisagem árida e vazia que mal sugere que ali
teve lugar próspera cultura da antiga Núbia.

Agora, contudo, nosso vago entendimento dessa civilização está
mais uma vez ameaçado de mergulhar na obscuridade. O governo sudanês
constrói uma usina hidrelétrica no rio Nilo, cerca de mil quilômetros
acima da barragem de Assuã, erguida pelo Egito nos anos 1960 e que transformou
grande parte da Baixa Núbia no leito do lago Nasser (chamado de lago
Núbia, no Sudão). Até 2009, ficará pronta a enorme
barragem de Merowe e um lago com 170 quilômetros de comprimento irá
inundar as terras em torno da Quarta Catarata – assim como milhares de sítios
arqueológicos ainda inexplorados. Nos últimos nove anos, os arqueólogos
acorreram desesperados à região, realizando escavações
a toque de caixa antes que outro repositório de história núbia
tenha o mesmo destino da Atlântida.

O mundo da antiguidade não conhecia o racismo. Na época em que
Piye realizou sua histórica conquista, o fato de sua pele ser escura
era irrelevante. Obras de arte da Antiguidade – do Egito, da Grécia ou
de Roma – revelam clara percepção das características raciais
e dos tons de pele, mas há poucos indícios de que a cútis
mais escura era vista como sinal de inferioridade.

Somente quando as potências coloniais ocuparam a África, no século
19, os estudiosos ocidentais passaram a atribuir importância, de modo
pejorativo, à cor dos núbios.

Exploradores que alcançaram o trecho central do rio Nilo relataram entusiasmados
a descoberta de templos e pirâmides elegantes – as ruínas da antiga
civilização de Cuch. Alguns, como o médico italiano Giuseppe
Ferlini – que demoliu o topo de pelo menos uma pirâmide núbia,
levando outros a fazer o mesmo -, eram movidos pela esperança de achar
tesouros. O arqueólogo prussiano Richard Lepsius tinha intenções
mais sérias, mas também provocou danos ao concluir que os cuchitas
“pertenciam à raça caucasiana”.

Até mesmo o famoso egiptólogo de Harvard George Reisner – cujas
descobertas no período entre 1916 e 1919 proporcionaram os primeiros
indícios de que soberanos núbios haviam governado o Egito – maculou
os próprios achados ao insistir que os africanos negros jamais poderiam
ter construído aqueles monumentos que estava trazendo à luz. Os
reis núbios, incluindo Piye, seriam líbios-egípcios de
pele clara que tinham como súditos os africanos negros primitivos. O
fato de seu período de grandeza ter sido tão passageiro, sugeriu
ele, devia ser conseqüência dos casamentos que esses mesmos líderes
realizaram com “elementos negróides”.

Ao longo das décadas, muitos historiadores permaneceram indecisos: os
faraós cuchitas eram tanto “brancos” e bem-sucedidos como “negros”,
e sua civilização não passava de uma versão piorada
da legítima cultura egípcia. Em um livro publicado em 1942, When
Egypt Ruled the East (“Quando o Egito dominou o Oriente”), os egiptólogos
Keith Seele e George Steindorff resumiram a dinastia dos faraós núbios
e os triunfos de Piye em apenas três frases. A última delas dizia:
“Mas esse domínio não durou muito”.

A negligência em relação à história núbia
refletia não só a tendenciosa visão de mundo da época
como também uma fascinação pouco crítica pelas realizações
egípcias – e uma ignorância absoluta do passado da África.
“Quando fui pela primeira vez ao Sudão”, recorda o arqueólogo
suíço Charles Bonnet, “as pessoas comentaram: ‘Mas você
é louco! Não há nada de interesse histórico ali!
Está tudo no Egito!’ “

Isso ocorreu há apenas 44 anos. Foram os artefatos recuperados durante
a construção da usina de Assuã, nos anos 1960, que começaram
a mudar essa visão. Em 2003, décadas de escavações
realizadas por Charles Bonnet nas cercanias da Terceira Catarata do Nilo, no
povoado abandonado de Kerma, obtiveram reconhecimento internacional com a descoberta
de sete grandes estátuas de pedra representando faraós núbios.
Muito antes disso, contudo, os esforços de Bonnet haviam revelado um
centro urbano mais antigo, densamente povoado, que controlava campos férteis
e imensos rebanhos e que durante muito tempo prosperou com o comércio
de ouro, ébano e marfim. “Era um reino separado do Egito, e original,
com técnicas próprias de construção e costumes funerários”,
diz Bonnet. Essa poderosa dinastia surgiu durante a decadência do Médio
Império do Egito, por volta de 1785 a.C. E, em 1500 a.C., o Império
Núbio havia empurrado suas fronteiras para um ponto entre a Segunda e
a Quinta Cataratas.

O retorno a essa era dourada no deserto africano pouco contribui em favor da
campanha dos egiptólogos afrocêntricos para quem todos os antigos
egípcios, de Tutankhamon a Cleópatra, eram negros. Mesmo assim,
a saga dos núbios comprova que uma civilização do interior
da África não só prosperou mas também, ainda que
por pouco tempo, foi predominante, mesclando-se e por vezes casando-se com seus
vizinhos egípcios ao norte. (A própria avó de Tutankhamon,
a rainha Tiye da 18a dinastia, é considerada por alguns como descendente
de núbios.)

Os egípcios não viam com bons olhos a existência de um
vizinho tão poderoso ao sul, sobretudo porque dependiam das minas de
ouro da Núbia como fonte de financiamento de seu domínio no Oriente
Próximo. Por isso, os faraós da 18a dinastia (1539-1292 a.C.)
mobilizaram seus exércitos para conquistar a Núbia e erguer guarnições
militares ao longo do Nilo. Nomearam chefes locais como administradores e permitiram
que os filhos dos núbios mais favorecidos estudassem em Tebas. Subjugada,
a elite núbia adotou os costumes culturais e espirituais do Egito – adorando
suas divindades, em especial Amon, comunicando-se na língua de seus conquistadores,
adotando práticas funerárias e, mais tarde, a própria construção
de pirâmides. Pode-se dizer que os núbios foram o primeiro povo
a ser tomado por uma onda de “egitomania”.

Os egiptólogos do fim do século 19 e início do 20 interpretaram
isso como sinal de fraqueza. Mas estavam equivocados: os núbios tinham
talento para interpretar as tendências geopolíticas. No fim do
século 8 a.C., o Egito estava dilacerado por facções, com
a região sob o controle de chefes líbios. Uma vez consolidadas
no poder, tais facções começavam a desestimular a devoção
a Amon, e os sacerdotes de Karnak passaram a temer por um futuro ímpio.
Quem tinha condições para fazer com que o Egito recuperasse seu
estado anterior de poderio e santidade?

Olhando para o sul, os sacerdotes egípcios encontraram a resposta –
um povo que, sem jamais ter cruzado suas fronteiras, havia conservado as tradições
espirituais do Egito. Naquela altura, como diz o arqueólogo Timothy Kendall,
os núbios haviam se tornado “mais católicos que o papa”.

Sob o domínio Núbio, o Egito voltou a ser Egito. Quando Piye
morreu, em 715, seu irmão Shabaka consolidou a 25a dinastia ao estabelecer-se
na capital egípcia de Mênfis. Assim como o irmão, Shabaka
identificava-se com as antigas práticas faraônicas, adotando como
soberano o nome do faraó Pepi II, da 6a dinastia, tal como Piye adotara
o de Tutmés III. E, em vez de mandar executar seus inimigos, Shabaka
colocou-os para construir diques que protegessem as aldeias egípcias
das inundações do Nilo.

Tebas e o templo de Luxor ganharam novos projetos arquitetônicos. Em
Karnak, o faraó erigiu uma estátua de granito rosado de si mesmo
envergando a coroa cuchita com o duplo uraeus – as serpentes que indicam sua
legitimidade de Senhor das Duas Terras, o Baixo e o Alto Egito. Shabaka deixou
claro aos egípcios que os núbios não tinham a menor intenção
de ir embora.

A leste, os assírios estavam consolidando seu próprio império.
Em 701 a.C., quando suas tropas marcharam sobre a Judéia, no atual território
de Israel, os núbios decidiram conter aquele avanço. Os dois exércitos
chocaram-se na cidade de Eltekeh. E, embora o imperador assírio, Senaqueribe,
tivesse se vangloriado da vitória, um jovem príncipe núbio,
com cerca de 20 anos, filho do faraó Piye, sobreviveu. O fato de que
os assírios, que costumavam não poupar nenhum de seus inimigos,
terem deixado escapar o príncipe indica que talvez a vitória não
tenha sido total.

Seja como for, quando os assírios deixaram Eltekeh e se concentraram
diante das portas de Jerusalém, o líder da cidade, Ezequias, contava
com a ajuda de seus aliados egípcios. Cientes disso, os assírios
não puderam conter a provocação, imortalizada no Livro
II de Reis, do Antigo Testamento: “Confias no apoio do Egito, esse caniço
quebrado, que penetra e fura a mão de quem nele se apóia; pois
não passa disso o Faraó, rei do Egito, para todos os que nele
confiam” (18:21).

Em seguida, de acordo com a Bíblia, ocorreu um milagre: as tropas assírias
recuaram. Teriam sido assoladas por alguma peste? Ou, como sugere Henry Aubin
em um livro polêmico, The Rescue of Jerusalem (“O resgate de Jerusalém”),
os assírios se afastaram ao ter conhecimento de que o mencionado príncipe
núbio avançava sobre Jerusalém? Tudo o que sabemos é
que Senaqueribe desistiu do cerco e retornou em desgraça a seu reino,
onde seria assassinado 18 anos depois, aparentemente pelos próprios filhos.

A libertação de Jerusalém não é apenas uma
nota de rodapé da história, argumenta Aubin, mas um de seus principais
acontecimentos.

Ela permitiu que a sociedade hebréia e o judaísmo se consolidassem
ao longo de outro século crucial – depois do qual o rei babilônio
Nabucodonosor seria capaz de banir o povo hebreu, mas não de aniquilá-lo
nem a sua fé. E depois do judaísmo surgiria o cristianismo e o
islamismo. Jerusalém acabaria sendo representada, em todas as três
maiores religiões monoteístas, como uma cidade de significado
divino.


Um dos últimos – e maiores – dos núbios que governou o

Egito nos séculos 7 e 8 a.C., o faraó conhecido como
Taharqa devolveu a grandiosidade dos antigos templos

ao longo do Nilo enquanto lutava contra os assírios que
invadiam do norte. As tropas do rei assírio Assurbanipal
finalmente o empurraram para o sul, para sua terra natal
na Núbia, onde ele morreu em 664 a.C.
Foto de Kenneth Garrett, Kerma Museum, National
Corporation for Antiquities and Museums, Sudão

Em meio a esses majestosos eventos históricos, foi fácil deixar
de lado a figura de pele escura à borda da paisagem: Taharqa, o filho
de Piye.

Tão ampla foi a influência de Taharqa no Egito que até
mesmo seus inimigos não conseguiram extirpar sua marca. Durante seu reinado,
navegar rio abaixo pelo Nilo, de Napata a Tebas, era atravessar um mundo de
maravilhas arquitetônicas. Em todo o Egito, ele construiu monumentos que
exibiam seu semblante ou seu nome, muitos dos quais, hoje, repousam em museus.

A maioria das estátuas acabou desfigurada por seus rivais – o nariz
destroçado o impediria de retornar da terra dos mortos. Igualmente destruídos
estão os uraeus na testa, em repúdio à sua reivindicação
de Senhor das Duas Terras.

O pai dele, Piye, resgatara, para o bem do Egito, os costumes faraônicos.
Seu tio Shabaka consolidara a presença núbia em Mênfis e
Tebas. Mas as ambições de ambos empalideciam diante das do comandante
de 31 anos que foi alçado ao trono em Mênfis, em 690, e liderou
os impérios do Egito e da Núbia nos 26 anos seguintes.

Taharqa ascendera em momento favorável à 25ª dinastia. Os
chefes guerreiros do delta haviam sido subjugados. Os assírios, após
o humilhante confronto em Jerusalém, não queriam ter nada a ver
com o soberano núbio. O Egito era dele e de ninguém mais. Além
da paz, os deuses também lhe concederam a prosperidade. Durante o sexto
ano em que estava no poder, o Nilo encheu-se com as chuvas, transbordando pelas
várzeas circundantes e proporcionando espetacular colheita de cereais.
A cheia conseguiu até mesmo acabar com os ratos e as serpentes. Não
havia a menor dúvida de que o adorado Amon sorria para seu eleito.

Taharqa não se contentou com isso. Por isso lançou o mais ousado
programa de obras civis jamais iniciado por nenhum faraó desde o Novo
Império (por volta de 1500 a.C.). As capitais sagradas de Tebas e Napata
foram os alvos principais da atenção de Taharqa. Hoje, em meio
aos restos confusos do complexo de Karnak, perto de Tebas, vê-se uma coluna
solitária com 19 metros de altura. Havia dez desses pilares, formando
um pavilhão que o faraó núbio adicionou ao templo de Amon.
Ele também mandou construir várias capelas ao redor do templo
e erigiu estátuas de si mesmo e de sua amada mãe, Abar. Sem desfigurar
nem um único monumento preexistente,

Taharqa deixou sua marca em Tebas.


Em Jebel Barkal, Taharqa construiu um templo dedicado à deusa Mut, a consorte de Amon – parte de um majestoso
programa de obras em todo o seu império, que se estendia do norte do Egito à Núbia.

Ele fez o mesmo centenas de quilômetros rio acima, na cidade núbia
de Napata. O monte sagrado Jebel Barkal havia cativado até mesmo os faraós
egípcios do Novo Império, que consideravam o local como a terra
natal de Amon. Apresentando-se como herdeiro dos faraós do Novo Império,
Taharqa construiu dois templos no sopé do morro, em honra da divina consorte
de Amon. No pináculo de Jebel Barkal – recoberto em parte com folhas
de ouro -, o faraó negro ordenou que fosse inscrito seu nome.

Por volta do 15º ano de governo, em meio à grandiosa consolidação
de seu império, é possível que o sucesso tenha subido à
cabeça do soberano núbio. “Taharqa estava à frente
de uma das principais potências da época”, avalia Charles
Bonnet. “Acho que se imaginava o rei do mundo e acabou por virar um pouco
megalomaníaco.”

No litoral do Líbano, os mercadores de madeira vinham alimentando o
apetite arquitetônico de Taharqa com suprimento de zimbro e cedro. Quando
Esarhaddon, o rei da Assíria, tentou fechar essa artéria comercial,
Taharqa enviou tropas para reforçar um levante contra os assírios.
Esarhaddon esmagou a revolta e reagiu invadindo o Egito em 674 a.C. Mas o exército
de Taharqa conseguiu expulsar os assírios.

Outros estados rebeldes na orla do Mediterrâneo se colocaram ao lado
do faraó núbio e formaram uma aliança contra Esarhaddon.
Em 671 a.C., os assírios avançaram com seus camelos pelo deserto
do Sinai a fim de sufocar a rebelião. E logo tiveram êxito. Esarhaddon
ordenou que suas tropas seguissem em direção ao delta do Nilo.

Taharqa e seus homens enfrentaram os assírios. Durante 15 dias travaram
batalhas campais sanguinolentas. Mas os núbios se viram forçados
a recuar até Mênfis. Ferido cinco vezes, Taharqa escapou com vida
e abandonou Mênfis. Seguindo a tradição assíria,
Esarhaddon massacrou os moradores e “erigiu montes com suas cabeças”.
E encomendou uma estela mostrando o filho de Taharqa, Ushankhuru, ajoelhado
diante do assírio com uma corda em torno do pescoço.

Taharqa terminou vivendo mais que o vitorioso Esarhaddon. Em 669 a.C., este
morreu quando se dirigia ao Egito, depois de saber que o núbio retomara
Mênfis. Comandados por novo soberano, os assírios voltaram a investir
contra a cidade, dessa vez com um exército reforçado por tropas
rebeldes cativas. Taharqa não tinha como vencer. Acabou voltando para
o sul, refugiando-se em Napata e jamais pisando de novo no Egito.

Uma medida do prestígio de Taharqa na Núbia é que ele
reteve o poder mesmo após ter sido por duas vezes expulso de Mênfis.
O modo como passou seus últimos anos é um mistério – com
exceção de um derradeiro ato inovador. Tal como seu pai Piye,
Taharqa quis ser sepultado em uma pirâmide. No entanto, desprezou o cemitério
real em El Kurru, onde jaziam todos os faraós cuchitas anteriores. Em
vez disso, escolheu um lugar em Nuri, na margem oposta do Nilo. Talvez, como
sugeriu o arqueólogo Timothy Kendall, Taharqa tenha preferido o local
porque, desde a perspectiva de Jebel Barkal, sua pirâmide está
precisamente alinhada com o nascer do Sol no dia de ano-novo no Antigo Egito,
vinculando-o para sempre ao conceito de renascimento egípcio.

O mais provável, contudo, é que os motivos do líder núbio
continuem mergulhados na obscuridade, tal como a história de seu povo.

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