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Guiné-Bissau: entenda os conflitos

by Lucas Gomes

Os assassinatos do presidente da Guiné-Bissau, João Bernardo “Nino” Vieira (imagem ao lado), e do chefe do Estado-Maior do Exército, general Batista Tagme Na Wai, atraíram a atenção do mundo. E as causas e conseqüências do episódio, assim como o histórico de conflitos e golpes no continente africano, são possíveis questões para as provas de Geografia e História em vestibulares pelo Brasil.

Na Wai morreu na noite do último domingo, vítima de um atentado a bomba que derrubou parcialmente a sede do Estado-Maior, enquanto Vieira foi assassinado no dia seguinte por um grupo de militares que o baleou quando ele tentava fugir da residência presidencial.

Em janeiro, Na Wai havia acusado a guarda do presidente de ter tentado matá-lo. O general fez parte da junta que, nos anos 90, tirou Vieira da presidência – ele voltou ao poder em 2005, após ganhar as eleições.

É necessário entender os últimos acontecimentos além de seus aspectos atuais, também à luz de influências históricas anteriores. Acontecimentos como o ocorrido em Guiné-Bissau não deixam de ter relação com o processo de colonização européia no continente africano – marcadamente entre fins do século XIX e primeira metade do XX.

A presença européia muitas vezes forjou a criação de países que abrigavam dentro de seus territórios tribos ou etnias muitas delas historicamente rivais umas das outras. Nisso redundou um processo de dominação, por parte dos agentes coloniais europeus, e resistência, por parte dos nativos.

Essa relação de dominação direta foi, em determinado nível, rompida devido ao processo de descolonização afro-asiático ocorrido no pós-Segunda Guerra Mundial, quando as colônias começam a romper com a vinculação política de países europeus, tornando-se independentes. Mas tal independência não garantiu a estabilidade interna, haja vista que internamente havia uma série de grupos políticos rivais – redundando em confrontos, cujo caso mais conhecido tenha sido o da Guerra Civil em Angola no conflito entre MPLA e UNITA.

O processo de descolonização afro-asiática ocorreu em três grandes etapas. A primeira, logo após o fim da Segunda Guerra, representada na independência da Índia. A segunda está no contexto da década de 60, impulsionada pelo contexto pós-Conferência de Bandung (a da formação dos países do Terceiro Mundo, não-alinhados nem com a política externa soviética nem com a americana), cujo grande marco foi a independência da Argélia.

A terceira e última ocorreu na década de 70 e diz respeito aos territórios coloniais portugueses: As colônias portuguesas na África já se manifestavam interesse na independência desde a década de 50.

As colônias lusas tinham como ponto em comum a luta contra o ‘ultracolonialismo português’: ao contrário dos outros países, a exploração portuguesa se fazia em padrões do período das grandes navegações. Isto é, suas colônias só teriam como função a exportação de matéria-prima para a metrópole e nada mais.

Contudo, a ruptura deu-se, de fato, com a Revolução dos Cravos de 1974, em Portugal. Tal movimento representou a queda do Salazarismo – governo de caráter fascista que estava instalado no poder desde a década de trinta. Naquele momento, ocorreu a liberalização das colônias, o que não redundou no fim dos conflitos internos delas.

Situada mais ao norte da África ocidental, Guiné-Bissau já apresenta focos de contestação em meados da década de 50. Em 1956, Amílcar Cabral, um dos grandes líderes da descolonização africana, fundou o partido para a independência de Guiné-Bissau e Cabo Verde (PAIGC). A guerrilha de resistência começou em início da década de 60, ganhando reconhecimento da ONU em 1973 e, no ano seguinte, de Portugal. Desde sua independência de Portugal, em 1974, a Guiné-Bissau sofreu uma série de golpes de estado e confrontos entre facções rivais do Exército. Além disso, o país transformou-se, nos últimos anos, em rota do tráfico de cocaína procedente da América do Sul com destino à Europa, como poderá ser visto neste texto.

HISTÓRIA POLÍTICA DA GUINÉ-BISSAU É MARCADA POR GOLPES

Nos últimos anos, o país se tornou uma rota do tráfico de drogas da América Latina para a Europa, o que, na opinião dos analistas, contribui ainda mais para abalar as já fragilizadas instituições estatais.

Veja um ponto a ponto da situação no país:

Política e Exército

Guiné-Bussau conquistou a independência de Portugal em 1974. O país, que tem população de cerca de 1,5 milhão de pessoas, é um dos mais pobres do mundo. Apesar do fim da guerra, o Exército continua a desempenhar um papel importante na política do país, com uma série de tentativa de golpes apesar da Guiné-Bissau ter realizado eleições entre 1999 e 2005.

O ex-militar João Bernardo Vieira, conhecido como “Nino”, controlou Guiné-Bissau por quase 23 anos. Ele havia sido reeleito para a Presidência do país do Oeste africano em 2005, após passar nove anos fora do poder. Ele havia sido deposto durante uma guerra civil que durou 11 meses. Em 23 de novembro, um grupo militar já havia atacado a residência de Vieira, em uma ação que matou dois seguranças, dois dias depois da oposição rejeitar o resultado de uma eleição Parlamentar.

Tráfico de drogas

A pequena ex-colônia portuguesa na África Ocidental transformou-se num dos principais pontos do tráfico de cocaína da América Latina para a Europa, já que os traficantes aproveitam o litoral irregular do país africano e a instabilidade política do país. A Guiné-Bissau estaria “no centro” de um corredor lusófono da droga, formado pelo Brasil e as ex-colônias portuguesas na África.

Dados do Escritório da ONU para Drogas e Crime (UNODC) indicam que cerca de 60% de todos os narcóticos que estão chegando aos portos de Guiné-Bissau saem do Brasil. Segundo o UNODC, o restante sai diretamente da Colômbia ou passa pela Venezuela e um quarto da cocaína consumida no oeste da Europa vem da África Ocidental.

Segundo especialistas, o tráfico fomenta a instabilidade no país, já que alguns membros do Exército facilitam o comércio ilegal garantindo a passagem de barcos e aviões levando milhões de dólares em drogas. A cocaína é transportada pelo Oceano Atlântico por pequenas aeronaves ou barcos e redirecionadas no país em outros meios de transporte para o próximo braço da viagem, o norte da Europa.

O litoral, com 82 ilhas, é recortado por meia dúzia de deltas e pântanos inacessíveis por terra. O cenário idílico para o tráfico se completa com as centenas de pistas de voo abandonadas, construídas pelos portugueses durante a guerra contra os movimentos separatistas, nos anos 60.

Economia

A Guiné-Bissau é 175º entre os 177 países avaliados pelo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da ONU. A expectativa de vida no país é de menos de 46 anos. A castanha de caju é responsável por 90% das exportações do país. Muitas pessoas praticam a agricultura de subsistência. A região possui ainda reservas de bauxita e fosfato e reservas de petróleo em alto mar não exploradas.

BRASIL MOSTRA PREOCUPAÇÃO COM MORTE DE LÍDER DA GUINÉ-BISSAU

O governo brasileiro expressou “profunda consternação” com o assassinato de João Bernardo Nino Vieira, presidente da Guiné-Bissau, morto em sua residência nesta segunda-feira, 2, por militares. Em nota, o Itamaraty manifestou “repúdio” ao ato de violência e disse estar em contato com os países-membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) para ajudar o país no restabelecimento da paz. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva também qualificou como “inaceitável” o assassinato de Vieira, e considerou o crime um atentado à democracia do país africano.

Lula comentou sobre o caso durante um encontro com o primeiro-ministro holandês, Jan Peter Balkenende, na sede da Federação de Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). “Nós não podemos nos calar diante de outro atentado a uma democracia incipiente que estava se construindo. Não podemos aceitar este tipo de comportamento. Por isso, protesto contra os eventos na Guiné-Bissau”, afirmou.

Veja a nota do Itamaraty na íntegra:

Foi com profunda consternação que o Governo brasileiro recebeu a notícia do atentado que vitimou o Presidente da República da Guiné-Bissau, João Bernardo Nino Vieira. O atentado seguiu-se à explosão que tirou a vida do Chefe do Estado Maior das Forças Armadas do país, General Tagmé Na Waié.

O Governo brasileiro manifesta seu mais forte repúdio a esses atos de violência, que atentam contra as instituições bissau-guineenses.

O Brasil está em coordenação estreita com os demais países-membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), a fim de proceder a uma análise conjunta da situação e de propiciar o apoio necessário para a normalização do quadro interno na Guiné-Bissau.

A Missão do Brasil junto à ONU, que preside os trabalhos da Comissão para a Construção da Paz das Nações Unidas (CCP) para a Guiné-Bissau, foi orientada a reunir-se com o Secretariado da ONU e com membros do Conselho de Segurança.

O Presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem sido informado da situação em Guiné-Bissau pelo Ministro Celso Amorim e, diretamente, pelo Embaixador do Brasil em Bissau, Jorge Kadri.

O Ministro Celso Amorim, que participa da Conferência de Apoio à Reconstrução de Gaza, em Sharm El-Sheikh, no Egito, manteve conversas sobre a situação na Guiné-Bissau com os Ministros das Relações Exteriores da França e de Portugal, entre outros.

O Embaixador do Brasil em Bissau tem acompanhado a situação dos brasileiros que se encontram na Guiné-Bissau e, em seus contatos com o Primeiro-Ministro e a Ministra das Relações Exteriores do país, tem manifestado a expectativa do Governo brasileiro de que as autoridades constituídas saibam propiciar um ambiente de serenidade e de diálogo pacífico, com pleno respeito à ordem constitucional.

PRESIDENTE DA GUINÉ-BISSAU É O 17º ASSASSINADO NA ÁFRICA

Nos últimos 60 anos, o continente teve um terço dos chamados magnicídios no mundo.

A África registrou um terço dos magnicídios ocorridos no mundo nos últimos 60 anos, o último deles neste 2 de março de 2009, com a morte do presidente da Guiné-Bissau, João Bernardo Vieira. Quarenta e seis dirigentes – 17 deles africanos – foram assassinados durante esse período, que registrou ainda os assassinatos do presidente dos Estados Unidos John F. Kennedy e do governante chileno Salvador Allende. Também foram mortos nos últimos 60 anos reis como Faisal, da Arábia Saudita, e Birendra, do Nepal.

Como citado acima, a maioria dos dirigentes africanos perdeu a vida em incidentes registrados durante golpes de Estado. Veja a relação de líderes assassinados na África nos últimos 60 anos:

13 de janeiro de 1963 – Sylvanus Olympio, presidente da República Togolesa.

15 de outubro de 1969 – Abdel Rashid Shermarke, presidente da Somália.

11 de fevereiro de 1975 – Richard Ratsimandrava, presidente de Madagáscar.

13 de abril de 1975 – N’garta François Tombalbaye, presidente do Chade. Foi assassinado por soldados durante golpe de Estado.

13 de fevereiro de 1976 – Murtala Ramat Mohammed, presidente da Nigéria. Foi morto durante golpe de Estado.

18 de março de 1977 – Harien Ngouabi, presidente da República Popular do Congo. Foi assassinado por seguidores do ex-presidente Alphonse Massamba-Débat.

12 de abril de 1980 – William Richard Tolbert, presidente da Libéria. Foi morto durante golpe de Estado liderado por militares.

6 de outubro de 1981 – Anwar el-Sadat, presidente do Egito. Foi assassinado por um oficial radical islâmico do Exército, enquanto assistia a uma parada militar.

16 de outubro de 1987 – Thomas Sankara, presidente de Burkina Fasso. Foi morto durante sangrento golpe de Estado liderado por Blaise Compaoré, que governa o país desde então – sua última reeleição ocorreu em 2005.

26 de novembro 1989 – Ahmed Abdallah, presidente de Comores. Foi assassinato durante ataque de soldados rebeldes ao palácio presidencial em golpe de Estado.

10 de setembro de 1990 – Samuel Doe, presidente da Libéria. Foi detido e torturado antes de ser assassinado. Uma década antes, Doe tinha impulsionado o golpe de Estado que havia matado seu antecessor, o presidente William Richard Tolbert.

21 de outubro de 1993 – Melchior Ndadaye, presidente do Burundi. Pertencente à maioria hutu, foi morto por soldados tutsis.

6 de abril de 1994 – Juvenal Habyarimana, presidente de Ruanda, e Cyiprien Ntaryamira, governante do Burundi. Ambos morreram na queda do avião em que estavam, de propriedade de Habyarimana e atingido por um míssil perto do aeroporto de Kigali, quando retornavam de uma cúpula regional na vizinha Tanzânia.

O magnicídio dos líderes ruandês e burundiense marcou o início de uma campanha de extermínio da minoria tutsi planejada por autoridades hutus.

9 de abril de 1999 – Ibrahim Bare Mainassara, presidente de Níger. Foi assassinado pela própria guarda presidencial.

16 de janeiro de 2001 – Laurent Kabila, presidente da República Democrática do Congo (RDC). Foi morto por guarda-costas em seu gabinete.

2 de março de 2009 – João Bernardo Vieira, presidente da Guiné-Bissau. Foi assassinado por soldados leais ao chefe do Estado-Maior do Exército, general Tagmé Na Wai, morto na véspera em um atentado com explosivos.

Fontes: Jornal O Estado de S. Paulo | BBC Brasil

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