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Arte Chinesa: 2. Período de Cisão

by Lucas Gomes


Turíbulo, período Han,
séc. 11, 1, a.C., 17 cm.
Galeria de Arte Freer,
Washington, D.C.

No período Han, a familiaridade com os clássicos e a habilidade caligráfica pressagiavam a posição de
relevância que ocuparia o homem culto chinês como expoente da cultura artística. Pela arte da pintura,
companheira da caligrafia, também viemos a saber os nomes de grandes mestres, embora nenhuma obra destes
tenha sobrevivido até nossos dias. Descrições históricas dos palácios da dinastia Han indicam que os mesmos
continham notáveis pinturas murais. Os altos muros eram decorados com seqüências pictóricas de caráter
moral e didático: cenas mostrando soberanos gene rosos e súditos fiéis serviam de lembretes constantes aos
funcionários. Expressão mais sugestiva eram as cenas de festas e banquetes que revelam a extraordinária
prosperidade da China Han. Havia também a delicada pintura sobre seda que o soberano concedia aos seus
subordinados como um sinal de benevolência.




Monólito com Sakyamuui e Prabhutaratna
Período Wei, 518, bronze dourado, 25 cm
Museu Guimet, Paris

Um departamento especializado em cuidar e preservar pinturas e escritos foi fundado em 29 a.C.,
evidenciando o apreço em que eram tidas as obras de arte, e a valorização dispensada à pintura e à
caligrafia. No entanto os pintores da época da dinastia Han (e por algum tempo a seguir) não pertenciam à
mesma classe social que os literatos e, como em tempos anteriores, eram considerados artífices, tal como
no cenário artístico ocidental.

Uma idéia das grandes pinturas murais dos palácios é proporcionada pelos afrescos que sobreviveram nas
câmaras mortuárias, como a que foi descoberta em Lido-vang na Mandchúria do Sul e em Wang-tu, na província
de Hopei. Nestas obras, o artista primeiro esboçava as linhas de contorno e depois enchia as chapadas
cromáticas. A famosa lápide pintada, de uma câmara funerária, atualmente no Museu de Belas-Artes de Boston,
exemplifica o tipo de desenho linear que muito se aproxima da caligrafia. A seleção de temas encontrados
nos raros achados de pintura Han é suplementada pelas diversas inscrições litoglíficas de seus túmulos,
especialmente na província de Xantung, e pelas lousas com relevos exuberantes de cenas da vida diária que
apareceram em Szechuan.


Templos-Grutas de Mai-chi-shan, Kansu
Séc. VI, era cristã

A escultura da China de Huan também é conhecida através das obras de finalidade funerária. Tal acervo
inclui igualmente as monumentais, mas primitivas, esculturas de pedra da estrada de acesso, o chamado
“caminho do espírito” (shen-tao) que conduz ao túmulo do General Ho Chu-ping, e também o leão alado da
tumba de Kao I em Szechuan, tema que chegou à China através da Ásia Ocidental, embora continue desconhecida
a maneira como teria sido trazido. Figuras simbólicas em barro cozido, como os vasos polidos, jóias e
outras oferendas, e que substituíram as primitivas imolações de homens e cavalos, se destacam no rico
inventário de objetos tumulares. As fortunas despendidas nos funerais e nos cultos aos mortos pelos
funcionários e seus familiares provocaram, o esbanjamento da economia da anterior dinastia Han que, depois
de sua fragmentação em pequenos Estados, teve interditada a suntuosidade em suas catacumbas, por parte de
governantes sucessivos.

No tocante à arquitetura, embora nenhum monumento tenha conseguido sobreviver, as escavações freqüentes da
velha metrópole de Ch’ang-an, acrescentadas aos achados de modelos de terracota, permitem-nos uma idéia
nítida da construção arquitetônica Han. Um dos aspectos básicos daquela arquitetura, e que iria continuar
importante nos períodos subseqüentes, era o compartimento retangular sobre um pódio com pilares de madeira
e uma estrutura trançada para sustentar o telhado. As paredes formavam telas entre os pilares, mas sem
nenhuma função estrutural. Estas paredes acumuladas em redor de uma seqüência de câmaras ou em contigüidade,
acompanhando uma linha axial centralizada, com a entrada lateral em lugar do estreito frontão, constituía a
nota principal entre os elementos componentes do palácio. Mesmo as diversas espécies de torre assumiam o
formato de casas superpostas, tendo um telhado projetado a separar cada pavimento.

A afetação do modo de vida da sociedade Han se reflete em vários objetos de artesanato. O bronze perde a
magia da fase arcaica: as formas se tornam mais simples, definidas e mesmo mais sóbrias. A forma que ocorre
com maior freqüência é a alça para objetos de toucador. Há também queimadores de incenso cujas tampas
furadas assumem feitio de colinas com animais, o que reflete a preferência Han pela natureza, e sua
tendência paisagística. Alguns elegantes exemplares destes turíbulos sobreviveram, por vezes incrustados
com pedras preciosas. Uma especialidade Han eram as peças de laca polida produzidas comercialmente nas
províncias de Szechuan e Hopei sob a orientação do Estado. A sécia era um monopólio chinês e suas produções
eram exportadas através da Ásia Central pelas Estradas da Seda para a Síria e para Roma. A arte
super-requintada do jade entalhado deu prosseguimento às tradições do período Chou; com este material
precioso do Extremo Oriente, os artífices criaram elega ntes pingentes para completar os paramentos rituais
e primorosos amuletos em feitio de animais.

Os três séculos e meio entre a derrocada final da dinastia Han e a reunificação da China sob as dinastias
Sui e T’ang constituem uma era de modificações e inovações tanto políticas como culturais. Os ensinamentos
do budismo já haviam sido aceitos na China durante o período Han e conseguido alguns adeptos, mas a nova fé
só começou a se fazer notar através da arte durante o citado período de transição.


Dvarapala
Período Ch’i
Pedra calcária; 1,09 m
Museu Rietberg, Zurique

0 aspecto monástico do budismo, que era inteiramente alheio ao tradicional sistema social chinês, oferecia
conforto e segurança aos membros desarraigados e expropriados de todos os setores da sociedade. A prática
inusitada da veneração das figuras de culto, por meio de cerimônias religiosas, provocou um influxo de
estabelecimentos pios para acolherem as imagens sagradas. Na escultura e na pintura, assim como na
arquitetura, os artistas tiveram que conciliar suas criações com os modelos da Ásia Central e da própria
índia; a aquisição e difusão de tais estilos criaram um ramo inteiramente novo dentro da arte chinesa. Os
exemplos mais remotos, entre os que conhecemos, de imagens em bronze produzidas na China para veneração
budista eram intimamente dependentes dos protótipos da Ásia Central e tinham, geralmente, dimensões
reduzidas. A inata capacidade chinesa para assimilação e transformações iria provocar uma fusão com estilos
anteriores seus, advindo desta mescla uma nova e harmoniosa arte. Foi o que recebeu a denominação de etapa
“arcaica” da escultura budista na China que, de hábito, era moldada no estilo Wei, de acordo com a dinastia
fundada pelo clã Toba.

Obedecendo às regras monásticas budistas, os monges passavam os meses de verão em peregrinações missionárias, angariando sua alimentação nas fazendas, enquanto os meses de inverno eram dedicados à clausura meditativa dos mosteiros. Seguindo os precedentes indianos e os protótipos da Ásia Central, seus viharas, ou mosteiros, quase sempre eram constituídos de uma série de grutas cavadas nas encostas rochosas. Os nobres Toba disputavam arduamente o privilégio de patrocinar tais estabelecimentos, dotando as grutas com suntuosa decoração de pinturas e esculturas: esses gestos de benemerência eram estimulados pela própria natureza do budismo, que prometia ou acenava com a salvação religiosa. As grutas de Yun-kang e Lung-men, com seus milhares de esculturas, gozam de merecida fama. Por outro lado, o santuário na montanha de Mai-chi-shan, sudoeste da província chinesa de Kansu, permaneceu abandonado e esquecido durante anos e só recentemente foi redescoberto. Enquanto as grutas dos templos da área central ostentavam esculturas de pedra de dimensões avantajadas, gigantescas mesmo, aqui as imagens eram feitas de estuque, seguindo o método da Ásia Central. Fazer com que as imagens seguissem as regras iconográficas, formuladas na índia, era uma condição ignorada e nova para os artistas chineses. Logo, porém, eles se adaptaram e assimilaram a idéia e, no sés. V:, criaram padrões de surpreendente força interior e beleza, que lembram as esculturas dos primórdios da Idade Média na Europa. Na predileção pelas linhas sinuosas dos drapeados no panejamento das figuras, a atração chinesa pela caligrafia ganhou nova vida. Nos casos em que as normas iconográficas exigiam figuras desnudas, contudo, como na representação dos severos guardas, os artistas se viam tentados a exagerar a musculatura e a ignorar a suavidade do corpo humano.

Também no campo da pintura, o budismo trouxe elementos novos. As pinturas das grutas dos templos de
T’un-huang – executadas entre o último quarto do séc. V e a primeira metade do séc. VII – mostram
claramente de que maneira os chineses lentamente insinuaram seus próprios padrões estéticos na pintura
religiosa budista.

Simultaneamente com o mundo budista, a tradição nativa de pintura mural coexistiu, como sabemos, através de
exemplos na Manchúria e na Coréia. Ao sul, em Chienk’ang, inúmeros pintores e calígrafos trabalharam sob o
patrocínio da dinastia oriental Chin (317-420). Podemos ter uma idéia a respeito de suas obras num papiro
atribuído a Ku K’ai-chih (344-406) e que está no Museu Britânico. Foi neste período que apareceu o papiro
típico do Extremo Oriente e que tomou a forma de livro ou inscrição.

A pintura foi então desvinculada da arquitetura e levada para a convivência e refinamento dos connoisseurs
que poderiam contemplá-la segundo sua vontade. Tudo isso fazia parte da vida dos nobres e literatos que
apreciavam e praticavam também as belas artes – poesia, música, caligrafia e pintura. Esta última deixou de
exercer a função didática que lhe era atribuída por Confúcio e já não tinha a finalidade de instruir o
grande público, mas ser o privilégio de uma elite social cujos componentes sentiam o prazer verdadeiro em
praticá-la ou contemplar suas criações. Como conseqüência de tal mutação, por volta de 500, deparamos com
as primeiras indicações de uma teoria de arte. Ao mesmo tempo, as divergências políticas e o fortalecimento
do taoísmo suscitaram maior interesse pela natureza – interesse que se refletia tanto na poesia de T’ao
Yuan-ming (365-427) como nos indícios das primeiras pinturas puramente paisagísticas, de que, infelizmente,
não sobreviveu nenhum exemplar.

A arquitetura deste período fundiu os estilos da stupa indiana com a torre nativa,
produzindo o típico pagode budista em pedra. Esquemas de mosteiros e templos empregaram
o antigo tipo de vestíbulo do Extremo Oriente com pátios circundantes. Nas obras
artesanais o verde-cinza surge como uma inovação importante.

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