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Arte Chinesa: 5. Período recente

by Lucas Gomes


Ts’ao Chih-po
Pavilhão e pinheiros antigos.
Período Yuan, primeira metade do séc. XIV;
caquemono: tinta sôbre papel; 47 x 45 cm.
Museu Guimet, Paris.

A partir do momento em que os mongóis, em particular sob o reinado de Kublai Khan, procuraram assimilar
tanto quanto possível a civilização chinesa, culturalmente superior, e desde que a “Pax Mongólica” garantiu
um período de tranqüilidade, muitos dos letrados resolveram colaborar com os conquistadores. Destacando-se
entre estes, o calígrafo, pintor e connoisseur Chao Meng-fu, que exerceu notável influência na vida
cultural de sua época, terminando por eleger-se diretor da Academia Han-lin.

Outros artistas e escritores chineses, no entanto, fiéis ao seu legado confucionista, opuseram uma espécie
de resistência passiva ao “regime bárbaro”. Recusaram-se a aceitar cargos oficiais e viviam como estranhos
em templos ou em suas próprias casas, de acordo com as posses de cada um. Entre estes, Huang Kung-wang
(1259-1354), que, induzido por influências taoístas, passou a peregrinar pelas zonas rurais, externando
seus sentimentos de união com a natureza nas pinturas paisagísticas. Junto com mais três artistas, ele pode
ser considerado como o fundador da posterior pintura chinesa. Nas obras de Huang, a sensação de percepção
imediata dava ênfase à pincelada individual e a uma tendência . acentuada e maneirista para reduzir as
formas paisagísticas a uma série de elementos repetitivos. Seu amigo Ts’ao Chih-po (1277-1355) manteve, a
princípio, uma pequena oficina, mas acabou igualmente por aderir a uma vida de ociosidade. Em contraste com
Huang as paisagens diste artist a. com suas árvores, são ainda muito aproximadas ao estilo do período Sung.




Figura de Guerreiro em Pedra Calcária

A dinastia nacional chinesa de Ming expulsou os dominadores estrangeiros mongóis e iniciou um sistema
ininterrupto de quase três séculos (1368-1644). Seus regentes procuraram voltar aos antigos sistemas
chineses, rejeitando o espírito cosmopolita da, fase mongólica. Durante a segunda metade da dinastia, no
entanto, comerciantes europeus conseguiram firmar-se nas costas do Sul da China e então, até o fim do
período Ming, a produção, em grande escala, de produtos chineses, como porcelana e seda, foi exportada
para o Oriente Médio, Europa e América Latina.

São notórias as atitudes ditatoriais dos primeiros imperadores Mina em relação aos artistas ligados à
corte. Cerca de setenta ou oitenta artistas trabalhavam, colaborando entre si, em oficinas dentro dos
palácios e eram supervisionados por eunucos. Não existia uma academia, mas as autoridades chegavam a ponto
de conceder postos militares a muitos dos pintores. Alguns artistas das oficinas imperiais pagavam com a
vida por falta de apuro ou zelo.


Cântaro
Dinastia Ming, período Chia-Ching, 1522-66.
Porcelana com verniz amarelo e pigmentação ferrugem, 21 cm.
Ostasiastiche Kunstabteilung.
Museu Staatliche, Berlim

Uma evolução efetiva no campo da pintura não poderia ocorrer neste clima de opressão; ao contrário, os
pintores de espírito progressista convergiam para os antigos núcleos artísticos no Sul. A cidade de Suchou,
na província de Kiangsu, abrigou profissionais importantes como o pintor Ch’iu Ying q-ie era forçado a
vender suas obras para garantir a subsistência e, em conseqüência, dobrava-se às exigências dos fregueses
(o que tira de seus trabalhos o valor de pintura estritamente diletante). Também em Suchou se refugiaram
artistas-literatos, e embora este grupo 82 de pessoas seja conhecido geralmente pela denominação coletiva
de “Escola Wu” – inspirada no antigo nome de Suchou – formavam mais precisamente um círculo literário,
unido mais pelos interesses comuns do que por laços de afinidade com determinada escola ou estilo
artístico. Muitos dos membros consideravam a pintura como a menos importante das artes que praticavam e,
em conseqüência, ficaram famosos como calígrafo s ou poetas. Geralmente, eles pertenciam a famílias
conceituadas e portanto não dependiam dos cargos para viver. A figura central da Escola Wu – Shen Chou,
1427-1509 – consultava um oráculo quando lhe ofereciam um cargo e rejeitava definitivamente o posto se a
resposta fosse negativa. Em suas paisagens a atmosfera natural é ainda mais dissimulada do que nas obras
de Huang Kung-wang, que ele usava como paradigma. Sua pincelada fortemente individual desperta um interesse
particular e os elementos paisagísticos se tornam duros e estilizados.


Ch’iu Ying
Imperador Kuang-wu atravessando um rio.
Detalhe de caquemono;
período Ming, primeira metade do séc. XVI;
pintura em sêda; 1,71 m x 65,5 cm;
Galeria Nacional do Canadá, Ottawa

Esta nova tendência foi levada a extremos por Tung Ch’i-ch’ang (1555-1636) calígrafo, pintor e crítico em
atividade na fase final da dinastia; foi chefe do Ministério dos Rituais e espelhava o gosto oficial da
época. Tung Ch’i-ch’ang foi responsável pela elaboração teórica do conceito sobre o pintor literato
(wen-jen). Outro grupo de artistas esteve em ação nas últimas décadas do período Ming: os chamados
“individualistas”. O aspecto externo de suas paisagens varia de uma tranqüilidade reservada até o esforço
consciente para atingir o monumental.

A decadência do império Ming na primeira metade do séc. XVII não poderia deixar de tentar os mandchus
ramificação da raça Jurchen, que primeiro ocuparam a Mandchuria com sua poderosa cavalaria e, em seguida,
dominaram toda a China. Durante dois séculos e meio regeram o país sob a última dinastia imperial chinesa,
a Ch’ing (1644-1912).

Desde o início, os mandchus procuraram assimilar as características elementares mais importantes da
civilização chinesa, e nisto tiveram maior êxito que o dos outros conquistadores, seus precedentes. Alguns
dos primeiros soberanos Ch’ing pintavam seguindo o estilo chinês, e os imperadores K’angh-hai (1662-1722)
e Ch’ien-lung (1736-95) se tornaram entusiastas fanáticos pela arte e cultura de seus conquistados. Embora
um certo ressentimento latente contra os conquistadores continuasse a existir no íntimo da população
erudita da China, desenvolveu-se afinal uma verdadeira compreensão entre os dois povos, dando origem a um
vigoroso ressurgimento nos campos da arte e da cultura.

É na produção das fábricas de porcelana (cujos métodos industriais conhecemos através das informações
precisas dos relatórios dos missionários jesuítas) que vamos, mais uma vez, ficar admirados diante da
inacreditável perfeição técnica, da elegância, opulência e requinte dos vasos e outros utensílios e
objetos. A produção mandchu “em estilo chinês” lembra a suntuosidade rara da corte bizantina e chega a
parecer mais chinesa do que a própria arte chinesa. As obras de laca também vinham ao encontro da vontade
de ostentação da corte, embora os detalhes ornamentais tenham perdido a leveza delicada das peças do Ming
primitivo.

Enquanto alguns artistas viviam, como de costume, às custas da generosidade familiar sem a necessidade de
curvar-se à hierarquia oficial para subsistir, outros aceitavam encomendas. Muitos, porém, optavam pela
vida morigerada, e livre de imposições, dos mosteiros budistas – não raro em protesto contra as leis
estrangeiras.

Entre os monges-pintores, havia alguns artistas notáveis como Ta-ta-shan-jen ou Chu Ta, 1625-1705, que
vinha de uma ramificação da família imperial Ming, mas que dera preferência à vida excêntrica e retirada,
sob o jugo dos usurpadores mandchus. Muito difícil seria afirmar se a sua alienação era autêntica ou
simulada, mas é óbvio, e expressivo em sua pintura, que ele zombava de todas as regras da tradição
clássica. O monge K’un-ts’an ou Shihch’i, 1617-1680, mais normal, tanto na vida particular como no estilo
artístico, preferiu recolher-se à vida monástica onde podia estar em contato com a natureza, embora
estivesse sempre enfrentando dificuldades financeiras.


K’un-ts’an.
Paisagem. Dinastia Ch’ing.
Museu Staatliche Ostasiatische Kunstabteilung, Berlim.

As duas tendências básicas: de um lado, a inclinação para um tradicionalismo eclético, e de outro, a
rejeição decisiva dos sistemas consagrados pelo tempo, em favor de expressão individual, caracterizam o
desenvolvimento da pintura chinesa nos sécs. XVIII e XIX. A atitude sempre mais e mais intransigente das
classes cultas provocou um formalismo e severidade ainda maiores dentro da arte que patrocinavam. No
transcurso do séc. XIX, porém, a convergência do interesse dos letrados era mais em direção a um estudo
retroativo sobre o passado da China do que pròpriamente para o cultivo das artes liberais. Os estudiosos
se dedicavam a coleções de antigos textos, a pesquisas de belezas primitivas e obscuras ou de formas
recém-descobertas de escritos, recorrendo às ciências da paleografia e arqueologia. E, dentro desta
atmosfera de preocupação com as tradições históricas da China, idéias revolucionárias começaram a
fermentar e a brotar em solo fértil, até resultar na queda do império em 1912. Mesmo no atual regime
comunista, os pensadores ainda exercem papel importante na formulação da política cultural.

A arte chinesa até hoje, contudo, ficou oscilante entre o cultivo de tradições
clássicas, que não constituíam expressão de validade sociológica, e mais uma tentativa
de adoção e desenvolvimento de estímulos culturais da Europa Ocidental e da Rússia.

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