Home EstudosLivros Crônica da casa assassinada, de Lúcio Cardoso

Crônica da casa assassinada, de Lúcio Cardoso

by Lucas Gomes

Crônica da Casa Assassinada

, do escritor mineiro Lúcio Cardoso, obra publicada em 1973, acompanha a ruína de uma
aristocrata família mineira. Uma saga que se desenrola nos limites de uma casa de fazenda. A casa desempenha o papel principal:
os personagens são feitos do cimento da casa e esta, da carne dos seus habitantes. A perspectiva dos temores que habitam a
casa, da casa que sangra, que sofre, que abriga os mais trágicos segredos.

Lúcio Cardoso revela pendor para criação da atmosfera de pesadelo e de sondagem interior a que lograria dar uma rara
densidade poética. Aproveita as sugestões do surrealismo, sem perder de vista a paisagem moral da província que entra
como clima nos seus romances.

Crônica da Casa Assassinada reconstrói de maneira admirável o clima de
morbidez que envolve os ambientes e os seres. Fixa a angústia de um amor que se
crê incestuoso. Em vez de referências diretas, são as cartas, os diários e as
confissões das pessoas que conheceram a protagonista (e dela própria), que vão
entrar como partes estruturais do livro, tornadno a narrativa incomum e que costuram
com maestria a história dos Meneses, centrada na presença de uma mulher desconhecida..

A tragédia de um ser passa a refletir-se no caso das testemunhas; e estas percorrem a vária gama de reações que vai da
febre amorosa ao ódio, deste à indiferença ou ao juízo convencional. O caso psicanalítico sai, portanto, do beco da auto-análise
e assume dimensões familiares e grupais. Realiza uma forma complexa de romance em que o introspectivo, o atmosférico e o
sensorial não mais se justapusessem, mas se combinassem no nível de uma escritura cerrada, capaz de converter o descritivo
em onírico e adensar o psicológico no existencial.

Crônica da casa assassinada surpreende antes de tudo pelo seu fôlego, e
também pelo uso apropriado e coerente de vários instrumentos narrativos, cada
um deles a cargo de um narrador diferente. Enquanto viaja devagar por uma trilha
escura, à margem da qual se sucedem os sinais de desvios psicológicos e conflitos
de natureza moral, o leitor testemunha a demorada queda da casa dos Menezes, tradicional
família mineira – esse reduto de dominação e violência discreta que o autor fez
questão de atacar sem piedade.

A agonia de Nina, protagonista da obra, sua alma libertária presa a um corpo carcomido
pelo câncer, é a ramificação da metástase que condena a casa e contagia seus habitantes
com a degenerescência da propriedade produtiva transformada em um cemitério de
mortos-vivos.

As flores, violetas, marcam as estações dos personagens, os enganos, a vida na
realização do amor no canteiro de um homem jovem, as tantas mortes, a ressurreição
possível na imortalidade dos genes e a prisão a que estão condenados os homens
resignados.

Personagens

Os personagens principais são: os irmãos Meneses, Valdo, Demétrio e Timóteo; as esposas dos dois primeiros, Nina e Ana; Alberto, o
jardineiro, Pe. Justino e finalmente André, o qual é tomado durante toda a narração como filho de Valdo e Nina, mas somente no
último capítulo se revela com certeza a verdade: era filho de Ana e Alberto, o jardineiro.

Nina, personagem principal, é apresentada no olhar dos outros e permanece com
muitos mistérios a serem desvendados pelo leitor. É uma mulher do Rio de Janeiro
com um passado suspeito e gostos extravagantes que se deixa enganar pela pseudo-riqueza
de Valdo Meneses. Quando chega à chácara no sul de Minas Gerais, depara-se com
uma família decadente e uma casa em ruínas. Além da pobreza material, existe a
miséria das almas, a solidão e a perversão escondida sob o desgastado telhado.
A personagem é construída pelo discurso de todos os personagens da obra.

Timóteo, o Meneses homossexual, é prisioneiro em seu quarto e em sua loucura,
se veste com farrapos de roupas femininas e com ricas jóias de família, para atingir
a vital libertação com a destruição dos falsos alicerces da família. Timóteo é
o brilho enterrado junto aos espectros de quem perdeu a capacidade de se identificar
distante do nome da família, a valorização dos esquecimentos consentidos, a memória
emoldurada em algum lugar do cômodo fechado. É um personagem ímpar. É impossível
defini-lo no universo vazio dos Meneses. Representa o que as famílias tentam esconder
em seu corpo monstruoso, o que gritam os grandes silêncios na lucidez de suas
percepções encarceradas numa alma demente, as rachaduras que condenam a construção
nos primeiros alicerces. Suas falas traçam a realidade da família presa aos escombros:
“É esta a única liberdade que possuímos integral: a de servos monstros para nós
mesmos.”.

Ana, esposa de Demétrio Meneses e cunhada de Nina, é a narração das intenções
da protagonista, um olhar sempre escondido acompanhando a vida pulsar na beleza
do corpo de Nina com revelações assustadoras para quem está condenada a ser uma
sombra dentro da metafórica casa. Uma personalidade que cresce no enredo, compreende
a vida (morte) nas presenças e ausências dos demais personagens, amarga os interditos
e sobrevive a todos para, num final miserável, confessar os pecados e morrer sem
perdão.

Resumo do enredo

Quando Nina, recém-casada com Valdo chega à chácara dos Meneses, vinda do Rio de Janeiro — depois de sucessivos adiamentos que
levam seu marido a uma situação de desconfiança e ciúme — fica sabendo logo na primeira refeição com a família, da difícil
situação econômica em que esta se encontra: Valdo a tinha enganado. Demétrio, talvez por alguma desforra de briga familiar ou
simplesmente por inveja, faz questão de revelar a verdadeira situação econômica da família, em meio a áspero diálogo com seu
irmão, chega inclusive a dizer que Valdo não tinha enviado o dinheiro que prometera a Nina para a viagem até a chácara porque
não o possuía.

A vida monótona na chácara Meneses vai pouco a pouco desconsolando Nina, pouco acostumada a essa vida do campo. Depois de muito
insistir com Valdo, passa a morar com ele no “pavilhão” que ficava afastado da casa onde moram os demais e, nesse ambiente, tem
uma temporada feliz.

Entretanto, e aproveitando-se dessa situação, Nina pôde começar um romance oculto com o jardineiro Alberto, até que um dia foi
surpreendida por Demétrio em atitude suspeita, apesar de não ser de todo conclusiva. Demétrio não deixa de fazer um escândalo
de Nina, mesmo esperando o primeiro filho, decide abandonar a chácara e voltar para o Rio.

Por causa desse incidente, Valdo fica bastante desolado e tenta o suicídio. Nina, ao ver a reação do marido, como que movida
de compaixão, volta atrás na sua decisão de partir. No entanto, esse sentimento dura pouco e, passado o primeiro momento, volta
para o Rio.

As atitudes de Nina são sempre abusivamente falsas. Engana a todos defendendo seus interesses. Mente dizendo ser sincera.
Estando já no Rio, chega a escrever a Valdo dizendo que apenas pensou remotamente no jardineiro, depois de ter negado tantas
vezes qualquer envolvimento. A Ana, do mesmo modo, confessa abertamente ter-se apaixonado e relacionado com ele, com a finalidade
exclusiva de fazê-la sofrer e escandalizá-la, desabafando todo ódio que sentia por ela.

Sua decisão definitiva de abandonar a chácara é tomada pelas revelações de Timóteo e Betty, a empregada, que tinham escutado
a conversa entre Valdo e Demétrio, quando discutiam e decidiam mandar Nina embora.

Timóteo é um personagem totalmente esquisito;sempre trancado em seu quarto vestia-se com as roupas se sua mãe, mas chegou a
ganhar a amizade de Nina.

Betty sempre muito fiel e prudente, é amiga e fiel servidora de todos e chega mesmo a ser conselheira apesar de não estar
totalmente a par dos fatos.

Para Ana a partida de Nina representa um grande triunfo e alívio, pois não se pode conter na sua inveja e inferioridade e por
outro lado (como só ao final do livro se revela), tinha-se apaixonado por Alberto exatamente quando descobre o romance deste
com Nina e faz tudo por ganhar a preferência dele, do qual acaba por esperar um filho.

A sua vida com Demétrio era tediosa e o seu ciúme cresce dia a dia. Persegue Nina em suas saídas e encontros furtivos e chega
mesmo a enfrentar-se com ela.

O que encobriu suas faltas foi a saída de Nina, pois aproveitando-se do conselho que o médico lhe dera: “já não anda bem de
saúde”, obtém permissão de viajar para o Rio e tentar convencer Nina a voltar, ou pelo menos trazer o filho do Valdo. Em virtude
deste fato, oculta a sua gravidez e pode dar a luz a seu filho no Rio de Janeiro.

Quanto a Alberto, no dia em que soube da partida de Nina, a definitiva, suicidou-se. Um pouco antes, para agravar o seu estado
emocional, tinha sido despedido por Demétrio, mas mesmo assim não fora embora. O Autor habilmente faz parecer pelo relato de
Ana que Nina teria jogado um revólver pela janela propositalmente, o qual é apanhado pelo jardineiro que espreitava pelo jardim
uma conversa de Nina e Valdo.

Ana ainda o vê agonizante, mas já não pode fazer mais nada. Antes riu porque suspeitava dessas conseqüências, mas apenas
aguardou os acontecimentos.

Somente depois de quinze anos é que Nina volta a manifestar-se a Valdo. Pede-lhe dinheiro e depois diz que vai regressar à
chácara, para o que é seu, principalmente seu filho, André.

Passou todo esse tempo, como antes de casar-se, protegida por um coronel amigo de seu pai, o qual a sustentava sem nada exigir.

Entretanto abandona o bom amigo e regressa à chácara, iniciando logo um estranho e apaixonado romance com seu aparente filho, André.

Ana logo desconfia e descobre a situação seguindo-os e no fundo procurando uma vingança contra Nina, por seu recalque e ciúme.

Nesse intermédio, tanto Ana quanto Valdo procuram o apoio do Pe. Justino — que lhes aconselha douta e praticamente, mas não obtém
resultado satisfatório.

Valdo, pela atitude do filho, começa a desconfiar e tenta dialogar com Nina, a qual reage fulminantemente, surpreendida de que
seu marido pudesse desconfiar da esposa e do próprio filho. Até que um dia Nina revela padecer uma doença e pede dinheiro para
tratar-se no Rio. Parte no dia seguinte, depois da anuência de Valdo (que por sinal não acredita) e sem dizer nada a ninguém.

Durante 15 dias que passa no Rio, vai ao médico, examina-se e se comprova o estágio muito avançado da enfermidade e o pouco
tempo de vida que terá. No último dia de Rio de Janeiro encontra-se com o coronel, dizendo que voltava para ficar e que era
sincera com ele; no entanto, consegue fazer com que ele compre todo um guarda-roupa novo para si e desaparece sem nenhuma outra
satisfação.

Regressa à chácara e pouco tempo depois tem que guardar o leito até o dia do seu falecimento.

Para André, a sua vida se transforma quando conhece Nins e a paixão por ela o cega totalmente. Vive como um adolescente apaixonado,
sem perceber direito a dimensão do seu pecado. Não entende muito o que ocorre e também não se esforça por fazê-lo, somente querendo
dar vazão ao seu sentimento.

O último capítulo do livro “Pós-escrito numa carta do Pe. Justino”, traz a grande revelação final. Ana luta contra a sua
consciência. A sua maldade e frustração haviam sido demasiadamente grandes. Tinha ido morar no “Pavilhão” e estava moribunda,
quando manda chamar o Pe. Justino. Queria dizer-lhe tudo a bem da verdade e que todos soubessem, André era seu filho natural e
não de Nina e Valdo.

Entretanto o que mais lhe doía é que Nina devia sabê-lo (nunca teve certeza disto). Deu-se esta circunstância exatamente porque
quando foi ao Rio buscar Nina, domente entrou em contacto com ela após o nascimento de André. Nina disse-lhe ter deixado o filho
de Valdo no hospital e que não sabia mais dele, e aproveitando-se disso, Ana trouxe André à chácara como sendo o filho de Nina
e Valdo. Na verdade, ela não tinha ido ao hospital buscá-lo, como dissera a Nina.

Assim como durante toda a sua vida, Ana morre sem esboçar arrependimento, mas apenas um remorso profundo por ter agido errado.
O Pe. Justino não pode tentar mais nada apesar de compreender bem o estado daquela alma e da gravidade do seu pecado.

Posts Relacionados