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Contemporânea: 2. A criação do Estado do Vaticano

by Lucas Gomes

Com poderes ilimitados e polpuda indenização em caixa, Pio XI
moldou a estrutura do então recém-criado estado do Vaticano. E
já incomodava seu vizinho, o ditador fascista Benito
Mussolini
.


Autonomia e compensação financeira: a assinatura do tratado, em
fevereiro de 1929,
com representantes do papa e o Duce

 

 

 

 

 

 

 

Em setembro de 1870, quando as tropas de Vittorio Emanuelle II, proclamado
rei da recém-unificada Itália, subjugaram e anexaram a cidade
de Roma, o papa Pio IX enclausurou-se nos muros do Vaticano. A essa altura,
o Risorgimento italiano já havia tomado a maioria dos estados
papais, e o pontífice, para não se submeter à nova ordem
política na Velha Bota, rompeu relações com a monarquia
e declarou-se um prisioneiro do poder laico. O mal-estar entre o estado e a
Igreja finalmente chegou ao fim em fevereiro de 1929, quando o papa Pio XI e
o ditador fascista Benito Mussolini, o “Duce”, assinaram o Tratado
e o Concordato de Latrão, que determinaram a criação do
estado soberano do Vaticano, reconheceram o catolicismo como religião
oficial da Itália e ainda garantiram à Santa Sé uma polpuda
compensação financeira pelas anexações dos rincões
papais. Livre depois de quase seis décadas, é o Santo Padre que
agora se esbaldava com seus poderes de chefe-de-estado, literalmente mandando
prender e mandando soltar dentro do Vaticano.


O Santo Padre: rádio e jornal próprios

Com a garantia da indenização da administração
italiana, de 750 milhões de liras, à vista, e de um bilhão
de liras em títulos do governo, o chefe da Santa Sé começou
a estruturar uma respeitável aparelhagem estatal – boa parte dela,
a seu serviço imediato. Já existia um diário oficial, o
L’Osservatore Romano, e Pio XI, de acordo com seus assessores
próximos, planejava estruturar no futuro próximo uma rádio
oficial para alardear o cristianismo e, claro, a palavra papal. O maior candidato
para tocar a empreitada foi Guglielmo Marconi.

Começou a circulação da moeda corrente do Vaticano, a
lira vaticana, com a efígie do sumo pontífice, também aceita
na Itália e que tinha valor equivalente ao da lira italiana. O serviço
postal do Vaticano foi inaugurado em fevereiro de 1929. Já o Corpo da
Gendarmaria Pontifícia e o Corpo da Guarda do Papa, com suas coloridas
fardas desenhadas por Michelangelo, ganharam ainda mais liberdade dentro do
Vaticano para assegurar a proteção do agora chefe de estado Pio
XI.

Para completar, em junho deste mesmo ano, foi promulgada a Lei Fundamental
do Estado do Vaticano, que dá ao sucessor de São Pedro a plenitude
dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário no enclave de 0,44 quilômetro
quadrado ao norte de Roma e em mais doze edifícios espalhados pela cidade,
incluindo o Palácio de Castelgandolfo. Os bens da Santa Sé, sua
administração, a biblioteca, o arquivo, a livraria e a tipografia
do Vaticano também estão diretamente subordinados à vontade
do pontífice. Tal lei criou a figura do governador, que poderia criar
regras para a ordem pública na cidade-estado, com a anuência do
Conselho. Porém, a escolha do governador é exclusiva do papa,
e pode por ele ser revogada a qualquer momento, sumariamente. Qualquer semelhança
com os plenos poderes de Mussolini não é mera coincidência
– ao menos para os cartunistas locais, que não se cansavam de produzir
caricaturas retratando Pio XI envergando a camisa negra do fascismo e o Duce
com a tiara papal em sua cabeça.


O rei Vittorio: encontro simbólico

Os dois manda-chuvas, aliás, trocaram algumas farpas – Mussolini
dizendo à Câmara dos Deputados que “a Igreja é soberana
apenas no reino da Itália, e não no estado italiano”, com
a resposta de Pio XI lamentando as declarações hereges do fascista.
As arestas ainda não ficaram completamente aparadas.

Para acabar de vez com a animosidade, no fim do ano de 1929, de acordo com
informações extra-oficiais, o Santo Padre recebeu pela primeira
vez no Vaticano o rei Vittorio Emanuele III, em um encontro simbólico
para selar a paz entre a monarquia e a Igreja. Mas também aí se
descortinava um problema diplomático. Pelas rígidas regras cerimoniais
do Vaticano, todo soberano católico deveria ajoelhar-se ao pé
do papa e beijar seu dedão. Benito Mussolini, porém, foi radicalmente
contra o ósculo, preferindo o tradicional aperto de mão entre
dois chefes de estado. Fontes ligadas ao príncipe Umberto garantiram
que este preferiu o cumprimento da formalidade.

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