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O Grande Mentecapto, de Fernando Sabino

by Lucas Gomes

O Grande Mentecapto

,
romance de 1979, o autor elabora uma trama a partir
da experiência que teve como aspirante no Quartel de Cavalaria de Juiz de Fora,
com a nítida intenção de homenagear as pessoas humildes, simples e puras. Já
na epígrafe da narrativa, “Todo aquele, pois, que se fizer pequeno como
este menino, este será o maior no reino dos céus.”. nota-se a vontade de
elevar os puros, os inocentes e os ingênuos.

Em
alguns pontos, O Grande Mentecapto também é um épico. Cobre décadas da
história de um homem que, aparentemente, na vida real, teve momentos mais descontraídos.
O romance O Grande Mentecapto segue a tradição das narrativas
picarescas. Nessas narrativas, encontramos como protagonista o pícaro, espécie
de anti-herói que tem como traços marcantes a astúcia, o nomadismo e o humor.

Na maioria das vezes, ainda que haja exceções, sua loucura
do personagem Viramundo se acrescenta à mendicância e à perambulação, circunscritas
a limites que podem ser os da cidade ou uma parte dela, ou ainda, em certos
casos, ampliarem-se para áreas rurais do município e mesmo abranger cidades
vizinhas. De fato, a personagem principal de
O Grande Mentecapto pratica a mendicância e perambula por várias cidades
mineiras.

Temática

A loucura é explorada. O autor parece convidar o leitor a uma reflexão sobre a origem e o convívio com a idéia da
excentricidade do comportamento humano. Viramundo pode ser considerado um louco,
mas quem não o é? O que a sociedade considera loucura? Como classificar e tratar
os indivíduos que atuam em dissonância com aquilo que se considera normalidade?
A sociedade mostrada no romance está povoada de tipos que comumente chamamos de
loucos: os habitantes de Mariana agem desvairadamente ao tentar linchar D.
Peidolina; o diretor do hospício é mais estranho que os próprios internos do
manicômio; o capitão Batatinhas é absolutamente alienado. Há no decorrer de toda
a narrativa o questionamento da fragilidade dos limites entre a sanidade e a
loucura.

Enredo

Na linha da novela picaresca em que o personagem desloca-se por um espaço indefinido,
à cata dos conflitos, para resolvê-los heroicamente, Viramundo vive uma seqüência
de peripécias acontecidas no Estado de Minas Gerais, contracenando com personagens
dos mais variados matizes e comportando-se sempre como o bem-intencionado, o puro,
o ingênuo submetido às artimanhas e maldades de um mundo que ainda não está de
todo resolvido. Andarilho, louco, despossuído, vagabundo, idealista. Marginal
em uma sociedade que não entende e em que não se enquadra, o Viramundo instaura
um sentimento de ternura e de pena por todos aqueles que, em sua simplicidade,
sofrem o descaso, a ironia, a opressão e a prepotência.

Viramundo põe em suas ações tresvariadas a esperança de realizar-se emocionalmente
com a sua idealizada e inalcançável Marília, filha do governador de Minas Gerais.
Sua ilusão alucinada é reforçada pelos pseudo amigos que o enganam com falsas
cartas de amor e incentivam sua loucura mansa e seu sonho impossível.

Viramundo conhece que o mundo
é uma grande metáfora e o trata com idealismo como se ele fosse real. Consertar
o mundo é sua missão e ele se dedica a ela com toda a força de sua decisão, não
se deixando abalar pelo insucesso, pelo ridículo, pela violência ou pelo
vitupério. Em seu delírio, o irreal e o real andam de mãos dadas, não há a
separação entre o concreto e o abstrato, e por isso o herói não se abala física
ou emocionalmente com nada com que se defronte: não teme os fortes, os
violentos; não se assusta com fantasmas e nem com ameaças; aceita resignadamente
o que a vida lhe reserva.

Percebe-se aqui que, além de pícaro, nosso herói pode ser considerado como bufão,
pois jacta-se tolamente sobre supostas capacidades de resolver as injustiças e
o desacerto do mundo. Não tem qualquer ligação definitiva com a vida; não assume
compromissos; é desprezado e usado por aqueles com os quais se relaciona.

A pureza deste aventureiro é a crítica à hipocrisia das relações humanas em um
mundo que perdeu o sentido da solidariedade e da fraternidade. Sua alegria ingênua
e desinteressada opõe-se ao jogo bruto dos interesses malferidos, ao conservadorismo
e à arrogância. Porta-voz dos loucos, dos mendigos, das prostitutas, o Viramundo
conhece os meandros da enganação e da falsidade dos políticos e dos poderosos.

A crítica à mesmice, ao chavão
e ao clichê faz-se pela presença da paródia a muitos autores e personagens
historicamente conhecidos.

Viramundo não era conhecido, mas termina por criar fama em razão dos casos incríveis
em que se envolve. Sob a aparência imunda de um mendigo está um sujeito com cultura
geral incomum. Sua fala de homem conhecedor surpreende e sua experiência de ex-seminarista
e ex-militar confunde e admira aqueles com quem convive. Sua esquisitice e suas
respostas prontas a todas as indagações fazem com se acredite tratar-se de um
louco manso e inofensivo.

No limiar da consumação de sua caminhada, Viramundo mudou. No começo era idealista
e cheio dos cometimentos da paixão. Manteve-se assim durante muito tempo até encarar
a dura realidade da convivência humana. A série de acontecimentos em que figura
como perdedor física e emocionalmente faz com que se desiluda. Descobre que as
cartas de amor eram falsas; os amigos eram falsos; sua crença era falsa. Por todo
lado só encontra sofrimento, opressão, hipocrisia. Está só, absolutamente só,
e a solidão é tudo que lhe resta.

Seu fim é emblemático. Morre
vitimado pelo próprio irmão. Paga por um crime que não cometeu. A
intertextualidade bíblica é evidente: compara a trajetória e o comportamento de
Viramundo com a Via-Sacra do Cristo, em todos os sentidos, inclusive no
sacrifício final.

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