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Sociedade e Comportamento – Mídia e Sociedade: A negação do Brasil – análise televisiva

by Lucas Gomes

Por Leonardo Campos*

A negação do Brasil – análise televisiva

Assistir novelas globais de forma distanciada tornou-se um dos maiores trunfos
em minha carreira acadêmica ainda em fase de germinação.
Todo aquele conteúdo repleto de um discurso preconceituoso e ácido
contido na historiografia das novelas globais agora pode ser visto de forma
crítica, tornando-me uma pessoa distante do processo de hipnose da sedutora
cultura da mídia.

Esse é o seu papel, caro vestibulando. Observar em maior profundidade
as propagandas e programas televisivos é uma tarefa de análise
critica muito rica e que deve ser ao menos experimentada.

O assunto deste artigo é o documentário A
negação do Brasil
, de Joel Zito de Araújo,
cineasta e pesquisador mineiro, da cidade de Nanuque. O documentário
é uma viagem na história da telenovela no Brasil e particularmente
uma análise do papel nelas atribuído aos atores negros, que sempre
representam personagens mais estereotipados e negativos. Baseado em suas memórias
e em fortes evidências de pesquisas, o diretor aponta as influências
das telenovelas nos processos de identidade étnica dos afro-brasileiros
e faz um manifesto pela incorporação positiva do negro nas imagens
televisivas do país.

Estejam atentos para os depoimentos de Milton Gonçalves e Zezé
Mota, os mais marcantes do documentário.


Cineasta Joel Zito de Araujo

Joel Zito de Araújo é doutor em Ciências da comunicação
pela Escola de Comunicações e Arte da Universidade de São
Paulo – ECA/USP e pós-doutorado no departamento de rádio,
TV e cinema e no departamento de antropologia da University of Texas, em Austin,
nos Estados Unidos. Nascido em 1954, dirigiu documentários de curta e
média-metragem tematizando o negro na sociedade brasileira, dentre os
quais destacam-se São Paulo abraça Mandela (1991),
Retrato em preto e branco (1993), Ondas brancas nas
pupilas pretas
(1995) e A exceção e a regra
(1997). Em 1999, finalizou seu primeiro longa, o documentário O
efêmero estado, União de Jeová
, sobre Udelino de
Matos, um homem que, nos anos 1950, tentou formar um estado camponês com
a população de maioria negra no norte do Espírito Santo.
Dois anos depois, lançou A negação do Brasil,
sobre a trajetória do personagem negro nas novelas brasileiras, com impressionante
trabalho de pesquisa que deu origem a um livro homônimo. Foi escolhido
melhor filme brasileiro do É Tudo Verdade daquele ano,
tendo sido também selecionado para vários festivais pelo mundo,
entre eles o Festival de Cinema Latino de Madri e o Festival de Documentários
do Porto. Em 2004, finalizou seu primeiro longa-metragem de ficção,
Filhas
do vento
, que ganhou oito prêmio no Festival de Gramado,
entre eles: melhor filme segundo a crítica, melhor diretor, ator e atriz.
Na Mostra de Cinema de Tiradentes, foi escolhido como melhor filme pelo público
e participou ainda de festivais na Índia, na França, na África
do Sul e em Camarões. Em 2009, lançou o documentário Cinderelas,
lobos e um príncipe encantado
.

Retratos da negação do Brasil


Cena da novela “Direito de nascer”

O documentário inicia depondo sobre a novela Direito
de nascer
, exibida em 1964. Na sociedade moralista de Havana, capital
de Cuba, no início do século XX, a jovem Maria Helena engravida
do noivo Alfredo e, diante da recusa do rapaz em assumir o filho, torna-se mãe
solteira. A criança será alvo do ódio do avô, o poderoso
Dom Rafael. Após o nascimento, temendo as represálias do velho,
a criada negra Dolores foge com o bebê, que batiza como Alberto. Depois
disso, desgostosa, Maria Helena se recolhe a um convento, e passa a atender
por Sóror Helena da Caridade.

Na trama, temos a presença da atriz negra interpretando o velho estereótipo
da mãe negra, oriunda da literatura. Basta lembrar de alguns personagens
do romance regionalista e José Lins do Rego.

Durante os depoimentos sobre a novela Direito de nascer,
o diretor aproveita para comentar um pouco da história da televisao brasileira.
Entrar neste mérito requer uma análise mais profunda aqui. Iremos
nos ater apenas em um breve resumo disso tudo.

A televisão no Brasil começou em 18 de setembro de 1950, trazida
por Assis Chateaubriand que fundou o primeiro canal de televisão no país,
a TV Tupi. Desde então a televisão cresceu no país e hoje
representa um fator importante na cultura popular moderna da sociedade brasileira.


Cena de “Beto Rockfeller”

Segundo depoimentos de Joel Zito, havia a necessidade de branqueamento dos
atores negros e escurecimento dos atores brancos, algo que pode ser visto no
excelente A hora do show, de Spike Lee. No filme, Pierre Delacroix
(Damon Wayans), um escritor de séries de TV que não aguenta mais
a tirania de seu chefe. Sendo o único empregado negro da companhia, Delacroix
resolve propôr a idéia mais absurda que conseguira imaginar, um
programa de TV estrelado por dois mendigos negros que denunciariam o estereótipo
e o preconceito do negro na televisão americana, exatamente no intuito
de ser demitido. Mas a surpresa que o programa em questão não
apenas se torna realidade como passa a ser um grande sucesso entre o público
americano.

Outra novela analisada com bastante afinco foi Beto
Rockfeller
, que trazia o dramaturgo Plínio Marcos em um
dos papéis de destaque. Na novela, temos Beto Rockfeller, um charmoso
representante da classe média-baixa que morava com os pais e a irmã
no bairro de Pinheiros, em São Paulo, trabalhava como vendedor de sapatos
e tinha uma namorada, Cida, no subúrbio. Fazendo-se passar por milionário,
consegue penetrar na alta sociedade, namora uma moça rica (Lu) e se apaixona
por outra moça (Renata), grã-fina decadente, que conhece sua real
situação. Para se safar das confusões, conta com a ajuda
dos amigos fiéis, Vitório e Saldanha.


Personagem clássica do estereótipo da mãe negra em “E
o vento levou…”

Joel Zito deixa claro a avassaladora relação que a televisão
vai estabelecer com a sociedade e consequentemente, a desvalorização
do cinema, uma arte até então cultuada com muito afinco. O estereótipo
e o preconceito que já tinham muita força nos suportes literários
e cinematográfico agora ganhava um novo e eficiente aliado: o discurso
televisivo.

Outra novela que trouxe muita controvertimento na mídia foi Xica
da Silva
. A novela foi produzida pela extinta Rede Manchete e escrita
por Walcyr Carrasco (sob o pseudônimo Adamo Angel) e dirigida por Walter
Avancini. Uma reprise da telenovela foi exibida no canal SBT, a partir do dia
28 de março de 2005 à 9 de dezembro de 2005.

A novela causou muita polêmica na época por exibir Taís
Araujo seminua com apenas 17 anos. A vara da Criança e do Adolescente
do Rio de Janeiro notificou publicamente a Manchete além de protestos
de setores da sociedade pedindo para retirada da novela do ar.

A mensagem critica de Joel Zito de Araujo é clara e incisiva: mesmo
que tentem mostrar um paraíso racial, as novelas tendem a cair na contradição.
Novelas como Pecado Capital, Gaivotas, Pátria
Minha
, Anjo Mau, Por Amor, Irmãos
Coragem
e tantas outras citadas pelo diretor são provas vivas
deste discurso do preconceito no Brasil e no mundo.

Por enquanto é só. Aguarde uma análise completa do filme
Faça a coisa certa, de Spike Lee. O assunto mantém
fortes laços com este documentário de Joel Zito de Araújo
e ainda é um dos filmes da lista do vestibular da Universidade Federal
da Bahia.

* Graduando em Letras Vernáculas com Habilitação em Língua
Estrangeira Moderna – Inglês – UFBA | Membro do grupo de pesquisas “Da
invenção à reivenção do Nordeste” –
Letras – UFBA | Pesquisador na área de cinema, literatura e cultura
– Colaborador do PASSEIWEB.com

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