Home Vestibular Arte e Cultura – Conheça a peça teatral “História de uma Lágrima Furtiva de Cordel”

Arte e Cultura – Conheça a peça teatral “História de uma Lágrima Furtiva de Cordel”

by Lucas Gomes


Cena da peça “História de uma lágrima furtiva de Cordel”História de uma lágrima furtiva de Cordel

é uma
peça que aborda a trajetória de Macabéa, uma moça
sonhadora e ingênua, orfã de pai e mãe que nasceu e foi
criada no sertão nordestino por uma tia. A tia morre e ela vai morar
no Rio de Janeiro, recém-chegada do Nordeste ao Rio de Janeiro, às
voltas com valores e culturas diferentes. O projeto foi contemplado com o edital
do Teatro XVIII para cessão de pauta e tem patrocínio do Prêmio
FUNARTE de Teatro Myriam Muniz.

A direção de Cristiane Barreto é segura e o elenco todo
está de parabéns. Os protagonistas da peça conversaram
sobre a produção, sobre literatura e outras coisas. Acompanhe
conosco:

1. Em seu ponto de vista, qual o ponto mais tocante da adaptação
de Clarice?

Thais Mennsitieri: Eu acho que a adaptação de
Cristiane Barreto se propõe a contar a história de Macabéa
de forma dinâmica, mas sem perder os tempos que são inerentes a
essa personagem. Gosto muito do coro tragicômico, que é uma criação
de Cristiane. Acho interessante o resgate desse elemento cênico que surgiu
nos primórdios do teatro e sua inserção num contexto contemporâneo.
Eles ajudam a narrar essa história de forma crítica, cruel mas
também muito divertida. Mas para mim, que interpreto a Macabéa,
os momentos mais tocantes são as descobertas de novos sentimentos que
ela até então desconhecia e a forma particular com que lida com
eles: o amor por Olímpico e a dor de sua perda, a constatação
de que tem uma vida miserável e a esperança de mudá-la.
Adoro fazer a cena do término do namoro e a cena do batom com Glória.

Wanderley Meira: Eu acho que Cristiane consegue com um recorte
muito pequeno passear pelas idéias mais tocantes do livro e até
criar outras indagações. O fato de, na adaptação
a inquietação do escritor girar em torno do fim que ele mesmo
deu à sua personagem volta para ele como um questionamento a respeito
do sentido da sua própria vida. Algumas divagações de Macabéa,
da maneira como são ditas por Thaís, realmente me tocam. Outra
coisa que acho muito bonita na montagem é o fato de os personagens que
se relacionam com Macabéa serem interpretados pelos atores que compõem
o coro (Joedson Silva, Cibele Marina e Patrícia Rammos), isso me dá
a impressão de uma solidão imensa para aquela mulher isolada em
seu território, demarcado pelo cenário, e cujas relações
se estabelecem com pessoas que se revezam, como se fossem impossíveis
qualquer possibilidades de vínculos afetivos – todos são passagens
de sua vida, nada fica, nada marca.

2. Qual outro personagem da literatura você tem fascinação
para interpretar?

Thais Mennsitieri: Difícil. São tantas personagens
maravilhosas! Gosto muito de Orlando, da Virginia Wolf, a história dessa
mulher que muda se sexto e presencia a passagem de várias gerações
é absolutamente rica e fascinante. É uma personagem instigante
e assim como Macabéa, acho que interpretá-la seria um ótimo
desafio e um grande deleite. E tem também um certo fetiche, pois meu
sobrenome é Orlando.

Wanderley Meira: Posso pensar em alguns, gosto muito de personagens
densos. Acho que todos atores gostam (rs). Ultimamente ando muito encantado
com Clarice e estou lendo O Lobo da Estepe, de Herman Hesse, um livro
que a influenciou no seu primeiro romance, e estou muito envolvido com o protagonista
Harry Haller. Mas na verdade um personagem que me marcou muito na literatura
foi Raskólnikov, de Crime e Castigo, de Dostoiévski.
Quem sabe um dia consiga até reunir em um mesmo espetáculo uma
releitura de todos esses personagens.

3. O que mais te chama atenção em A hora da estrela,
de Clarice Lispector?

Thais Mennsitieri: Eu sou apaixonada por esse livro, do início
ao fim. Quase tudo que Clarice aborda em A hora da estrela me toca
profundamente, a começar pelo próprio título. Gosto do
jogo que ela faz com ele, negando uma possível interpretação
logo no início do livro: “Que não se esperem, então,
estrelas no que se segue: nada cintilará, trata-se de matéria
opaca e por sua própria natureza desprezível por todos.”
E no final ela o revela quando Macabéa, que até então passara
completamente despercebida pela vida, só consegue ser notada ao morrer
e virar estrela, ela, que era tão fascinada pelas estrelas do cinema.
Outra coisa que me chama muita atenção é o fato de Clarice
contar essa história e usar essa personagem como seu grito de indignação
e horror à vida que ela tanto ama.

Wanderley Meira: O que mais me interessa em A hora da
estrela
é a genialidade de Clarice em conseguir contar uma história
tão simples e “sem graça” e ao mesmo tempo, com a mesma
história, tocar assuntos tão delicados e profundos. É muito
interessante perceber a maneira diferente como as pessoas absorvem o espetáculo:
boa parte do público, com certeza a maior parte, se diverte com a ingenuidade
e a “matutice” de Macabéa, mas outras pessoas se emocionam
profundamente com o desconforto daquele personagem em um mundo que lhe é
tão estranho. Eu penso que a caricatura do nordestino lançada
,como a própria autora diz “sem se saber por quê” na
cidade Maravilhosa, pretende dizer muito mais do que tratar apenas do preconceito
e da discriminação que nós tanto sofremos. Penso que naquele
momento da vida de Clarice, e com seu característico desconforto social
que só aumentava à medida que avançava a sua idade e sua
doença, Macabéa possa ser vista como uma metáfora do seu
autor (Rodrigo S. M.) que, por sua vez, é o alterego da autora – uma
pessoa que não consegue se sentir confortável na relação
com os outros, que não consegue entender seus próprios sentimentos,
não sabe chorar, não entende o desejo, apenas segue o fluxo da
vida. Assim, através de Rodrigo S. M., Clarice confessa alguma coisa
como “Escrevo porque não há espaço para mim no mundo
dos homens.” Me encanta pensar que Macabéa foi a maneira que Clarice
encontrou para viver sem dor neste “mundo dos homens”.

Créditos: Leonardo Campos, Graduando em Letras Vernáculas
com Habilitação em Língua Estrangeira Moderna – Inglês
– UFBA | Membro do grupo de pesquisas “Da invenção à
reivenção do Nordeste” – Letras – UFBA | Pesquisador
na área de cinema, literatura e cultura

Posts Relacionados