Publicado em 1932, João Miguel, segundo livro de Rachel de Queiroz,
é o romance da frustração e da espera angustiada. É um romance social, com um
penetrante aprofundamento da análise psicológica. Rachel de Queiroz recria a vida
de uma prisão numa pequena cidade do interior. Há uma mistura de fatalismo, de
acaso, de injustiça social, neste romance que é o romance da solidão humana e,
ao mesmo tempo, uma denúncia e um protesto.
Na obra o narrador acompanha o
drama de um homem simples que, sob efeito momentâneo do álcool, assassina um
desafeto e vai para a prisão.
A intenção da romancista parece
ter sido apreender a origem, no plano subconsciente e sob determinado
condicionamento social, do impulso assassino, que sobrepuja por instantes o
sentimento de humanidade passiva e submissa do caboclo sertanejo. Não se sabe
por que e nem ele próprio formará a consciência moral do ato praticado. Não
alimentará, portanto, qualquer sentimento de culpa. Seu ato impulsivo, num
instante cego, exprime o afloramento de elementos atávicos, revivendo atos de
seres primários. E isto pode ser por um instante, como no caso de João Miguel,
ou por períodos longos, como nas manifestações múltiplas do cangaço.
O romance se faz sobretudo com
situações e fatos tomados como elementos de ambientação, num presídio de
interior, no Nordeste, em que avulta a figura de João Miguel.
Pela sua presença e com as suas
relações humanas na cadeia, ele se torna o eixo do romance e o principal ângulo
de observação e pesquisa da romancista. Forma-se assim um agrupamento humano,
que continua a manter no presídio o sentido e os hábitos da vida cotidiana em
liberdade. Compõem-no: Santa, companheira de João Miguel, e que o abandona pelo
cabo Salu, Maria Elói, Filó, Zé Milagreiro, uma visitante diária, Angélica-
filha do coronel Novato, também criminoso, da oposição política – além de
outros. Nesse caso, a prisão vigora apenas como restrição circunstancial do
espaço de relações, mas sem qualquer reflexo corretivo ou punitivo sobre os que
ai vivem.
É destacável a linguagem da
romancista, pela riqueza psicológica da frase, notadamente no diálogo.
Considerada do ponto de vista regionalista, apresenta acentuadas características
peculiares ao linguajar caboclo ou próprio da massa sertaneja.