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EUA – A Lei Seca

by Lucas Gomes


Na Nova York dos anos 20, policiais fazem litros de bebida ilegal irem pelo ralo
abaixo

Para acabar com os problemas sociais, os Estados Unidos decidiram banir as bebidas alcoólicas. Em vigor de 1920 a 1933,
a Lei Seca se provou um fracasso retumbante – e fez a alegria da máfia.

Ex-jogador de beisebol, o reverendo Billy Sunday era um dos religiosos mais populares
dos Estados Unidos. Conhecido por seus eloqüentes discursos, ele adotou um tom
épico naquele 16 de janeiro de 1920. A platéia de 10 mil fiéis, na cidade de Norfolk,
ficou radiante. “O reino das lágrimas acabou. As favelas logo serão memória.
Vamos fazer de nossas prisões fábricas e das cadeias armazéns. Homens caminharão
eretos, mulheres vão sorrir e as crianças darão risadas.”

No mesmo dia, a Constituição americana ganhara sua 18ª emenda, proibindo a fabricação, o comércio, o transporte, a importação e a exportação de bebidas alcoólicas. Era a Lei Seca, adotada com o objetivo de salvar o país de problemas que iam da pobreza à violência. Sunday e muitos outros americanos acreditavam que todos esses males tinham apenas uma raiz: o álcool.

Válida por 13 anos, a emenda se tornou um dos maiores fracassos legislativos de todos os tempos. Em vez de acabar com os problemas sociais atribuídos à bebida, a Lei Seca fez o contrário.

A medida desmoralizou as autoridades e foi um estímulo à corrupção. Cidades como Chicago e Nova York viram a criminalidade explodir, enquanto a máfia enriquecia com o contrabando de álcool.


Andrew Volstead

Em todo o país, movimentos contra as bebidas existiam desde o século 19. A campanha ganhou escala nacional e, em dezembro de 1917, o Congresso aprovou a 18ª emenda. Em pouco mais de um ano, ela foi ratificada pela maioria dos estados, o que garantiu sua entrada em vigor em 1920. O texto instituía o Ato de Proibição Nacional, também chamado de Ato de Volstead (homenagem a Andrew Volstead, deputado que liderou a iniciativa). Era considerada “intoxicante” qualquer bebida que tivesse mais de 0,5% de álcool (as cervejas mais fracas têm cerca de 2%).

Mas por que a nação mais poderosa do mundo deu tanta importância para as bebidas
a ponto de proibi-las? Boa parte da resposta parece estar no protestantismo predominante
nos Estados Unidos, que inclui a idéia do “Destino Manifesto”: os americanos seriam
o povo eleito por Deus para guiar o mundo. Para manter a nação no caminho certo,
a sobriedade deveria ser estabelecida por decreto. “Se a honra do grupo depende
de todos, o pecado individual pode arrastar a todos”
, diz Leandro Karnal,
professor de História da América da Universidade Estadual de Campinas.

Apesar de ter o apoio de muitos setores da sociedade, a Lei Seca foi ignorada por milhões de americanos. Não importava a classe social: quem queria beber – o que era permitido, mas, em tese, impossibilitado pela lei – dava um jeitinho.

Muitos iam para o Canadá e voltavam com caminhonetes e lanchas cheias de bebida. Outros faziam no quintal o próprio uísque. Havia ainda quem se passasse por padre ou medico para obter litros de vinho sacramental ou de destilados medicinais (que tinham uso controlado).

Logo essa demanda começaria a ser atendida de forma organizada. Eram os gângsteres – em sua maioria, imigrantes vindos de países como Itália e Irlanda. Antes da Lei Seca, esses mafiosos viviam do jogo e da prostituição. Passaram então a dominar também os milionários negócios com bebidas, corrompendo policiais, elegendo politicos e matando seus concorrentes.

Em Nova York, o principal mafioso era o siciliano Joseph Bonanno – apontado como
a inspiração de O Poderoso Chefão (livro de Mario Puzo que se tornou
um clássico do cinema). Já Dean O’Banion inundava o norte de Chicago com cerveja
e uísque vindos do Canadá, enquanto Johnny Torrio contratava policiais para proteger
seus interesses no sul da cidade.


Alphonse Capone

Mas nenhum gângster se tornou tão lendário quanto Alphonse Capone. Filho de napolitanos, ele nasceu em 1899, em Nova York. Conheceu Johnny Torrio aos 14 anos e, com a Lei Seca, passou a auxiliá-lo no contrabando de bebidas em Chicago.

Quando o rival O’Banion resolveu enfrentá-los, foi morto em sua floricultura. Em 1925, Torrio se aposentou, deixando Chicago inteira para “Al” Capone, que expandiu o império illegal para cidades como Saint Louis e Detroit. Apesar de todos os assassinatos e outros crimes atribuídos a Capone, foi a sonegação de impostos que o pôs na cadeia.

Em 1931, graças às investigações conduzidas pelo agente fiscal Eliot Ness, líder dos “Intocáveis” (grupo de agentes que combatia a máfia), Capone passou cinco anos na penitenciária de Alcatraz, na Califórnia. Morreria em liberdade, no dia 25 de janeiro de 1947 – apenas cinco dias antes de Andrew Volstead, o “pai” da Lei Seca.

Grande ressaca

Sob a Lei Seca, os bebedores se encontravam nos speakeasies. Eram bares clandestinos, muitas vezes subterrâneos, nos quais era preciso falar baixo (speak easy, em inglês) para não chamar atenção.

O clima da época foi descrito em diversos livros. O mais célebre é O Grande
Gatsby
, de 1925, obra-prima do americano F. Scott Fitzgerald. O personagem-título
é um contrabandista de bebidas que promove festas regadas a coquetéis.

A Lei Seca, aliás, tem tudo a ver com a disseminação de drinques incrementados. O hábito servia para mascarar o gosto ruim dos destilados clandestinos – um exemplo é o bloody mary, à base de suco de tomate, que teria sido criado durante a proibição.

E os destilados não eram ruins só no gosto. Muitos uísques, runs e gins da época eram feitos de maneira tosca. Alguns continham substâncias tóxicas na formula – como alvejante, solvente de tinta e formol. A baixa qualidade das bebidas contribuiu para que os casos de morte por cirrose nos Estados Unidos praticamente não diminuíssem durante a Lei Seca.

Mas nem todas as mortes relacionadas à bebida tinham a ver com o fígado. Entre 1920 e 1935, as taxas de assassinato cresceram 30% nos Estados Unidos. Os americanos, contudo, seguiam suportando a proibição. Afinal, o país vivia uma época de prosperidade econômica.

A situação mudou com a quebra da Bolsa de Valores de Nova York, em 1929: indústrias fecharam as portas e famílias perderam todo o dinheiro que tinham. Começava a Grande Depressão – que deixaria um em cada quatro americanos desempregado.

A crise foi decisiva para que a Lei Seca acabasse. Seus inimigos começaram a dizer que legalizar as bebidas criaria empregos, estimularia a economia e aumentaria a arrecadação de impostos. Em março de 1933, dias depois de assumir a presidência, Franklin Roosevelt pediu ao Congresso que legalizasse a cerveja. Foi atendido.

Finalmente, em 5 de dezembro, a Lei Seca se tornou a única emenda da Constituição americana a ser revogada. O país viveu um clima de Réveillon antecipado, com fabricantes e bebedores saindo das sombras.

Hoje em dia, ainda há quem ache que a Lei Seca foi uma boa idéia. De fato, o volume de bebidas ingerido pela população diminuiu: o número de litros consumido em 1915 (último ano em que houve esse levantamento antes de a lei entrar em vigor) só seria atingido novamente em 1970.

O problema é que, com a proibição, os americanos mudaram de hábitos. Como a cerveja
era mais difícil de ser feita, eles passaram a preferir destilados, que contêm
muito mais álcool. A Lei Seca fez os Estados Unidos beberem menos, mas beberem
pior. Além disso, transformou os mafiosos em lendas vivas. “Nós tendemos a
romancear homens como Al Capone e seus contemporâneos, mas eles eram tão violentos
quanto os traficantes de drogas de hoje”
, afirma a jornalista inglesa Lauren
Carter, autora de Os Gângsteres mais Perversos da História.

Fonte: Revista Aventuras na História (Ed. Abril)

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