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A História do Cinema Mundial – 1. O cinema mudo

by Lucas Gomes

Por Leonardo Campos*

Denominado como a Sétima arte, o Cinema encanta multidões há tempos. Em dezembro de 1895, pela primeira vez um filme foi projetado publicamente em uma tela. Esta projeção foi realizada pelos irmãos Lumière e aconteceu num café parisiense. Foram cenas simplórias, sendo uma delas a de um trem chegando a uma estação. Em poucos meses, todas as grandes cidades da Europa tinham filmes em exibição.

Entender as origens do cinema requer muito mais que estes conhecimentos triviais. A Sétima arte é um tema que abrange muitas ramificações, entre elas, a possibilidade de tornar-se um portal para exibição dos mais diversos discursos ideológicos, aos quais analisaremos dentro das próximas semanas. Como citou Peter Greenway em determinado momento de sua carreira, “hoje os filmes vão mais às pessoas do que as pessoas vão aos filmes”. Emblemática citação serve como estampa para abertura desta coletânea de artigos, que possibilitará a você, leitor, a compreensão das mudanças incisivas que ocorreram desde este primeiro momento (o cinema mudo) até o cinema contemporâneo, o qual será analisado nos momentos finais desta seleção.

Neste primeiro momento, o cinema mudo, que é considerado a origem de tudo, será o tema deste nosso primeiro artigo.

PRIMEIRO CINEMA: O cinema mudo

Quando o cinema surgiu, ainda não havia sido fixado um código próprio e este encontrava-se misturado a outras formas culturais: cartuns, revistas ilustradas e cartões-postais. Segundo alguns historiadores, não existe um único descobridor do cinema, e os aparatos não surgiram em um só lugar. Foram frutos de circunstâncias.

Segundo o historiador Andre Gaudrecult, há nas origens do cinema, mostração e a narração. A mostração envolve a cena indireta de fatos, ao passo que a narração envolve a manipulação desses acontecimentos pela atividade constante do narrador. Já o historiador Tom Gumming contribui com os estudos da história do cinema comprovando através de suas pesquisas que o primeiro cinema tinha uma maneira particular de se dirigir ao espectador, apoiando-se no exibicionismo. Não havia habilidades técnicas para contar histórias, mas sim, chamar atenção do espectador de forma direta e invasiva.


Foto de um Nicklodeon, USA

Inicialmente, tinha-se os nickleodons, marco inicial da atividade cinematográfica verdadeiramente industrial. A maioria dos filmes eram produzidos em plano único e a duração média dos filmes era de 5 a 10 minutos. Naquele momento, os espectadores estavam interessados nos filmes como forma de espetáculo visual. A maneira de se contar as histórias não chamava atenção. Foi com a explosão dos nickleodons que forçou-se a reorganização da produção, provocando mudanças nos aspectos da arte cinematográfica, ainda uma inovação fantásticas para todos, dos produtores culturais do período aos espectadores.

Em 1907, os filmes começaram a utilizar convenções narrativas especificamente cinematográficas, na tentativa de construir enredos auto-explicativos. O melodrama e a defesa da ordem social passaram a ser os gêneros dominantes. A crítica de muitos historiadores dizia que os primeiros filmes eram demasiadamente teatrais. Desfilaram no cinema desse período, estereótipos raciais, religiosos e de nacionalidade. Houve gozações de caipiras, imigrantes, policiais, vendedores, trabalhadores rurais e manuais.

Os cenários eram bastante simples e teatrais, o deslocamento dos atores se dava sempre pela lateral, acentuando a sensação de platitude (monotonia) e de teatralidade. Neste período, a câmera ficava estática, de modo a mostrar o corpo inteiro de um conjunto de pessoas, realizando panorâmicas apenas para reenquadrar certas ações mais movimentadas.

Em 1898, as tensões entre Estados Unidos e Espanha na disputa por Cuba e pelas Filipinas aumentou consideravelmente a demanda por imagens de guerra. É interessante perceber como nos primórdios tudo era realizado de forma pitoresca e adequada, claro, ao seu tempo. O primeiro King Kong (apenas como exemplo, pois não se encaixa no período aqui explorado) trazia uma salamandra como vilão. Essa salamandra foi adaptada e inseridos os efeitos técnicos da época. Em Battle of Manila Bay reproduziu-se, com barquinhos de papel sobre um tanque de água, a batalha entre Estados Unidos e Espanha. As filmagens foram realizadas em primeiro plano em um aquário com peixes vivos.

Havia as gags naquela época. Gags são as formas narrativas mais antigas do cinema. É uma piada visual cujo desenvolvimento narrativo tem duas fases, a preparação e o desfecho inesperado. Os filmes de perseguição eram muito populares, sinalizando uma preferência do público por ficções auto-explicativas. Algumas narrativas eram relatos incompletos que se apoiavam no conhecimento que o espectador já possuía sobre o assunto ou completados pelo comentador.

Entre 1907-1913, o cinema aos poucos organizou-se de forma industrial, estabelecendo uma especialização da várias etapas de produção e exibição de filmes, que passaram a ser mais compridos, atingindo cerca de 15 minutos. A figura do produtor, hoje indispensável numa produção cinematográfica surgiu neste período de transição do primeiro cinema. Nesta fase, podemos perceber o desenvolvimento das técnicas de filmagem, atuação, iluminação e enquadramento, no sentido de tornar a narração mais clara para o espectador.

Durante o período de transição, empresas da européias dominaram o mercado internacional. Aferimos então que de inicio, não era o cinema norte-americano que dominava o cinema mundial. As mudanças são circunstâncias políticas e culturais que serão citadas e analisadas nos próximos textos desta coletânea. Entre uma transição e outra, os americanos lançam o primeiro e mais longo espetaculoso filme: The Birth of a Nation (O nascimento de uma nação), longa que trazia a Guerra Civil americana como tema central.


Cena de A trip to the moon, 1902

Para melhor entender este período, recomenda-se ler sobre George Mélies. Ilusionista francês de sucesso e um dos precursores do cinema, usava inventivos efeitos fotográficos para a criação de mundos fantásticos. Melies era proprietário do Théatre Robert-Houdin em Paris, que anteriormente havia pertencido ao ilusionista Jean-Eugène Robert-Houdin. Ganhou um protótipo criado pelo cinematógrafo inglês Robert W. Paul e ficou entusiasmado com isso, tanto é que saía filmando cenas do quotidiano em Paris.

Hoje, podemos encontrar diversos dos filmes mudos de George Mélies. Assista alguns deles na lista abaixo:

Relação dos filmes de George Mélies:

1. Une partie de cartes (1896)
2. L’Escamotage d’une dame (1896)
3. La Cuirassé Maine (1898)
4. La caverne maudite (1898)
5. Cléopâtre (1899) (Cleópatra)
6. Le Christ marchant sur les eaux (1899)
7. Escamotage d’une dame chez Robert-Houdin (1896)
8. Illusioniste fin de siècle (1899)
9. Cinderella (1899)
10. O Caso Dreyfus / L’Affaire Dreyfus (1899)
11. Viagem à Lua / Le Voyage dans la Lune (1902)
12. Le Cake-walk infernal (1903)
13. La Flamme merveilleuse (1903)
14. O Reino das Fadas / Le Royaume des Fées (1903)
15. O Monstro / Le Monstre (1903)
16. O Melómano / Le Mélomane (1903)
17. L’Auberge du Bon Repos (1903)
18. A Lâmpada Mágica / La Lanterne magicue (1903)
19. O Sonho do Mestre de Dança / La Rêve du Maître de Ballet (1903)
20. A Maldição de Fausto / Le Damnation de Faust (1903)
21. Le Bourreau turc (1904)
22. Le Roi du Maquillage (1904)
23. Le Voyage à travers l’Impossible (1904)
24. Le Palais des Mille et Une Nuits (1905)
25. Le Raid Paris-Monte Carlo en 2 heures (1905)
26. Les 400 Farces du Diable (1906)
27. L’Alchimste Parafaragamus ou la Cornue infernale (1906)
28. O Eclipse / L’Éclipse du soleil en pleine lune (1907)
29. 20.000 Léguas Submarinas (1907)
30. Le Rêve d’un fumeur d’opium (1907)
31. Le secret du Médécin (1910)
32. Les Hallucinations du Baron de Münchausen (1910)

* Graduando em Letras Vernáculas com Habilitação em Língua Estrangeira Moderna – Inglês – UFBA | Membro do grupo de pesquisas “Da invenção à reivenção do Nordeste” – Letras – UFBA | Pesquisador na área de cinema, literatura e cultura

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