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Avatar: entre o Novo Mundo e… o Novo Mundo?

by Lucas Gomes

Por Leonardo Campos*

Avatar, novo filme do diretor James Cameron, é excitante e surpreendente. Não apenas pelos efeitos especiais e fotografia fascinante, qualidades já apresentadas em projetos anteriores deste veterano, responsável por produções premiadas como Titanic e O Segredo do Abismo.

Avatar, mesmo que venha adornado com os modelos clichês hollywoodianos, traz um instigante enredo cheio de possibilidades metafóricas, um prato cheio de ilações com enredos literários e fatos históricos.

Assistir ao filme é mais que um divertimento passageiro ou um devaneio diante das belíssimas imagens: é abrir espaço para discussões relacionadas à cultura e política.

Foi pensando nesta hipótese que elaboramos este especial sobre o filme Avatar. Primeiramente, faremos um apanhado geral do filme, abordando informações sobre o enredo e as personagens de maior destaque. Logo depois tentaremos definir da melhor forma o conceito de Novo Mundo, tema de outras tantas produções cinematográficas de teor semelhante. Mais adiante, faremos um breve panorama do Novo Mundo apresentado em outros filmes, e para no final, selecionar três grandes momentos do filme em questão.

O ENREDO E SEUS PRINCIPAIS PERSONAGENS

A história começa na Terra. Jake Sully (Sam Worthington) é um soldado que perdeu os movimentos das pernas e, consequentemente, não encontrou nada pelo que valesse a pena lutar. Eis que surge a oportunidade de trabalhar numa exploração de minas em Pandora, um local exuberante e hostil. Lá, o ar é venenoso para humanos, as plantas e criaturas são predadoras e perigosas e os nativos, humanóides azuis com mais de três metros, nomeados de Na´vi, que não ficaram satisfeitos com os humanos e as máquinas que lá aportaram. A ida ao local se desenrola pois há possibilidade de se encontrar um mineral que poderá mudar o jogo em relação à produção de energia.

Visando possibilitar o contato com os nativos e facilitar o acesso às minas, foi criado uma espécie de programa de clones chamado Avatar. Nas experiências, os cientistas combinam o DNA de humanos e de Na´vi, tendo como resultado o clone de um Na´vi que pode preservar a percepção de um humano. O irmão gêmeo idêntico de Jake Sully foi o doador original mas ele morre e os responsáveis pelo projeto chamam Jake para ir a Pandora comandar o tal corpo, já que ele tem o DNA que combina.

Ao chegar em Pandora, Jake é conduzido para uma câmara. Nela, faz conexão com seu avatar. Ele parte em uma excursão por Pandora, onde encontra um lugar de beleza indescritível, fascinante. No local, as florestas são densas, com muitas cores e formas, e a flora e a fauna produzem luz à noite, criando um jardim dos sonhos. Enquanto Jake explora Pandora, ele é atacado por animais locais, consegue escapar porém não é resgatado. É forçado a passar a noite na floresta e é atacado por ViperWolfs, e antes que ele seja ferido, é salvo por uma Na´vi (Zöe Saldaña).

Os Na´vi vivem em harmonia com os perigos de Pandora. Através de sua salvadora, Jake começa a ver as tentativas humanas no planeta por um novo ângulo e percebe que descobriu algo pelo que lutar. Se ele se unir aos Na´vi na guerra contra os humanos, ele perderá a opção de tornar a reunir com seu avatar, podendo ficar preso como um humano imóvel e sem a Na´vi que aprendeu a amar.

Entre as personagens principais ainda temos:

– Sigourney Weaver como Dra. Grace Augustine, uma experiente botânica que vive em Pandora há 15 anos e dirige o projeto Avatar. Ao longo dos anos em que trabalhou em Pandora, ela catalogou a flora do planeta, aprendeu a língua dos nativos e os ensinou inglês. Michelle Rodriguez como Trudy Chacon, uma pilota da marinha americana.

– Giovanni Ribisi como Parker Selfridge, administrador da estação em Pandora.

– Joel David Moore como Norm Spellman, um biólogo que estuda a natureza de Pandora no laboratório de Dra Augustine.

– Stephen Lang como o Coronel Miles Quaritch, principal vilão do filme. O Coronel tem como missão retirar os Na’vi do clã Omaticaya da árvore onde vivem e não poupa esforços militares para cumpri-la.

ENTRE O VELHO E O NOVO MUNDO

Os professores de história são os principais especialistas no assunto, isso é fato. O interessante é perceber que mesmo não sendo precisamente desta área, podemos avaliar o filme Avatar sob este ângulo também, comparando-o com a empreitada europeia que culminou no continente americano que conhecemos hoje.


Mapa da América do século XVIII

Utilizar certos momentos da trama colabora e muito nas ilações. Há nesta iniciativa, o aguçamento do senso crítico e desta forma, tornando uma discussão que poderia estar presa apenas no âmbito dos efeitos especiais num ardiloso debate histórico-cultural.

Para melhor definir o Novo Mundo, buscamos trazer um trecho em senso comum, visto que o assunto é vasto e um recorte é mais que ideal: o Novo Mundo é um dos nomes que foi dado à América pelos europeus na época de sua descoberta.

A denominação está em uso desde o século XVI. Peter Martyr d’Anghiera se referiu a Colombo em uma carta como o descobridor do “Mundo Novo”. Em um contexto histórico, ao se referir ao descobrimento europeu da América. Já no ramo das ciências biológicas, a denominação serve para descrever grupos de espécies que são encontradas apenas na América.


Parte do cartaz oficial do filme
“1492 – A conquista do Paraíso”

Até o século XV, todos conheciam apenas a massa continental da Eurafrásia. Após este século, começaram as Grandes Navegações, onde os europeus descobriram novas terras e impuseram, mesmo que parcialmente, seus costumes, religião, festas, economia, cultura etc. Essa nova terra foi chamada de Novo Mundo. O Novo Mundo é formado pelas Américas (América do Norte, América Central e América do Sul).

O cinema, com suas possibilidades de resgatar fatos históricos e cristalizar imagens e estereótipos no imaginário coletivo, há tempos aborda o Novo Mundo em suas produções. Entre as mais conhecidas, temos o clássico de Ridley Scott, 1492 – A Conquista do Paraíso, talvez a produção mais utilizada nestes termos. Vinte anos da vida de Colombo, desde quando se convenceu de que o mundo era redondo, passando pelo empenho em conseguir apoio financeiro da Coroa Espanhola para sua expedição, o descobrimento em si da América, o desastroso comportamento que os europeus tiveram com os habitantes do Novo Mundo e a luta de Colombo para colonizar um continente que ele descobriu por acaso, além de sua decadência na velhice.


Cartaz do filme “O Novo Mundo”, de
Terrence Malik: a colonização numa ótica
similar ao épico “1492”, de Ridley Scott

Ainda neste panorama temos, O Novo Mundo, de Terrence Malik, com atuação elogiada de Collin Farrel. No início do século XVII poucas mudanças haviam ocorrido na América do Norte. Apesar de ter sido descoberto em 1492, o continente continuava sendo uma grande área de mata primitiva, aparentemente interminável, habitada por várias tribos indígenas. Em abril de 1607 três pequenas naus, carregando 103 homens, partem da Inglaterra para este mundo pouco conhecido, com o objetivo de estabelecer nele raízes culturais, religiosas e econômicas. No navio Susan Constant, o principal da frota, está John Smith (Colin Farrell), um homem de 27 anos que foi condenado à forca por insubordinação e está agora acorrentado abaixo do convés. Quando o navio aporta John é libertado pelo capitão Christopher Newport (Christopher Plummer), que considera que seus talentos possam ser úteis para que a tripulação sobreviva neste mundo desconhecido. Os navios ingleses aportam sem saber em meio a um império indígena sofisticado governado por Powhatan (August Schellenberg). Os ingleses enfrentam dificuldades para se adaptar a este novo mundo, o que faz com que John busque ajuda junto aos homens locais da tribo. É quando ele encontra uma jovem impulsiva e voluntariosa, apelidada pela família e amigos de Pocahontas (Q’Orianka Kilcher), que é também a filha preferida de Powhatan. Em pouco tempo surge a paixão entre John Smith e Pocahontas,


Assim como os Índios encontrados por Colombo, os avatares de
Pandora lutam por espaço e pela não destruição da fauna e flora.

fazendo com que eles tenham que enfrentar a resistência de ambos os lados.

Em Avatar as caravelas destas produções foram trocadas por naves espaciais. Antes, éramos o Novo Mundo. Na ótica de Avatar, o que somos hoje? O Velho Mundo, se pensarmos na grande metáfora do enredo desenvolvido cuidadosamente por James Cameron desde 1994, aguardando disponibilidade de tecnologia mais avançada para produzir as criaturas que idealizou de forma literária.

AVATAR: OUTRAS ILAÇÕES E TRÊS MOMENTOS IMPORTANTES


A Carta de Pero Vaz de Caminha: documento responsável por
narrar o Brasil, integrante da nossa Literatura de Informação.

As relações de Avatar com outros filmes e com dados da própria história dita verídica, são múltiplas. Primeiro, os habitantes de Pandora, os humanóides de cor azul, são demonizados pelos terráqueos invasores. Descritos como seres violentos, dotados de flecha, algo nada diferente das denominações de índios encontradas em documentos dos Cronistas do descobrimento e na canônica Carta de Pero Vaz de Caminha.

A Carta de Pero Vaz de Caminha é considerada a certidão de nascimento do Brasil embora, dado o segredo com que Portugal sempre envolveu relatos sobre sua descoberta, só fosse publicada no século XIX, pelo Padre Manuel Aires de Casal em sua Corografia Brasílica, Imprensa Régia, Rio de Janeiro, 1817. O texto de Mestre João demoraria mais ainda: veio à luz em 1843 na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e isso graças aos esforços do historiador Francisco Adolfo de Varnhagen. Como curiosidade, conta-se que Caminha pereceu em combate durante o ataque muçulmano à feitoria de Calecute, em construção, no final de 1500. Caminha desposou D. Catarina Vaz, com quem teve, pelo menos, uma filha, Isabel.


Mesmo com insetos, a floresta em Pandora é semelhante ao imaginário paradísico
do Novo Mundo, idealizado pela Europa na época das Grandes Navegações

Os insetos e a fauna descritas pelos cronistas do descobrimento também estão presentes em Avatar. Um dos principais personagens, o vilão Coronel Miles Quaritch, descreve Pandora como um dos locais para se visitar depois do retorno de férias ao Inferno. Na colocação da personagem, Pandora se trata de algo mais infernal que o próprio inferno (com perdão pelo trocadilho).


Hans Staden, adaptação de Nelson Pereira dos Santos

Os avatares precisam passar por todo processo de humanização, algo muito parecido mas não especificamente uma catequese. Jake vai viver momentos muito próximos a Hans Staden, personagem datado nas histórias acerca da colonização: segundo a história, por duas vezes Staden passou pela América Portuguesa no início do século XVI, onde teve oportunidade de participar de combates na Capitania de Pernambuco e na Capitania de São Vicente, contra corsários franceses e seus aliados indígenas.

Em Avatar, podemos teorizar os interesses dos terráqueos em destruir a cultura dos habitantes de Pandora baseados nos ideiais do mercantilismo, assunto estudado em paralelo com a Europa do século XV e, de certa forma, as Grandes Navegações. O mercantilismo é o nome dado a um conjunto de práticas econômicas desenvolvido na Europa na Idade Moderna, entre o século XV e o final do século XVIII. Originou um conjunto de medidas econômicas diversas de acordo com os Estados. Caracterizou-se por uma forte ingerência do Estado na economia. Consistiu numa série de medidas tendentes a unificar o mercado interno e teve como finalidade a formação de fortes Estados-nação.

De acordo com Hunt, o mercantilismo originou-se no período em que a Europa estava a passar por uma grave escassez de ouro e prata, não tendo, portanto, dinheiro suficiente para atender ao volume crescente do comércio

Segundo os historiadores, é possível distinguir três modelos principais: bulionismo ou metalismo, colbertismo ou balança comercial favorável e mercantilismo comercial e marítimo.

A cena de contato entre Jake e a humanóide Na´vi é romantizada aos extremos, em uma sequência belissima, e assim, entramos com as ilações literárias. A cena, repleta de brilho e magia nos remete ao contato entre a nativa e o branco invasor, encontro mundialmente conhecido pela literatura indianista de José de Alencar, destaque no panorama da literatura de cunho brasileiro, conhecida como a construção da nacionalidade.


Edição do romance “Iracema”, de José de
Alencar

Em Iracema (1865), José de Alencar, ou por ter atingido a maturidade nos temas indianistas, ou porque nessa obra não há a rigor nenhum compromisso com uma afirmação nacional pela literatura, atinge seu romance melhor estruturado, sob o ponto de vista estético. Iracema é o exemplar mais perfeito de prosa poética de nossa ficção romântica, belíssimo exemplo do nacionalismo ufanista e indianista, com o qual Alencar contribuiu com a construção da literatura e da cultura brasileira.

No romance há um argumento histórico: a colonização do Ceará, que se deu em 1606. Nele há a presença de personagens históricos: Martim Soares Moreno, o colonizador português que se aliou aos índios Pitiguaras e Poti, Antônio Felipe Camarão. Através do romance entre Iracema e Martim, José de Alencar romantizou o processo de colonização do Ceará, simbolicamente representativo do processo de colonização do Brasil. Iracema apresenta uma espécie de conciliação entre o branco e o índio, na medida em que romantiza a dominação de um povo pelo outro. Desta forma insere nos códigos artísticos do Romantismo europeu a temática do processo de colonização do país. Com a obra se inaugura o mito heróico da pátria, de natureza indianista.

A cultura e a religião dos nativos, encontrado aos extremos nos romances indianistas de José de Alencar também fazem parte do mundo de Avatar. No filme, eles cultuam a divindade Eywa, equivalente a natureza em nossa cultura. A trilha sonora, totalmente inspirada em Titanic, filme anterior de James Cameron, colabora com os momentos dramáticos do enredo. Há também, a título de complemento, o herói domador de feras da floresta, característica marcante em outro romance, O Guarani, de cunho indianista mas sob uma ótica diferenciada: nele, brancos e índios já mantém contato.


Quadro encenando Malinche e Hernan Cortés
(citado aqui apenas à título de ilustração)

Os Avatares são mais dignos que os europeus, decidindo enviar os humanos de volta para o planeta Terra, e não escravizá-los. Jake Sully surge como uma versão da Malinche às avessas. Se na história da colonização mexicana temos Malinche como traidora do povo local, em Avatar, temos Jake Sully como um traidor do povo que o trouxe, tudo em nome do amor pela sua querida Avatar. também conhecida como Malintzin e Doña Marina, foi uma indígena (certamente da etnia Nahua) da costa do Golfo do México, que acompanhou Hernán Cortés e teve um papel decisivo no auxílio da Conquista do México, uma vez que falava ao menos três línguas.

A expressão la malinche! às vezes é utilizada no sentido de tradutor e traidor, no México e em países adjacentes. Isto é, universalmente, quando e se alguém atuar como intérprete ou tradutor, servindo de ponte entre dois ou mais grupos culturais e linguísticos, presumidamente, ele ou ela pode ou deve ser tido como um inimigo e traidor de uma das partes, tratando-se nestas ocasiões do conceito clássico da confusão da mensagem com o mensageiro.

Todas as relações de Avatar citadas aqui são apenas lançamentos para estudos mais profundos. É preciso uma análise mais atenta, se pensarmos que temos um recorte elaborado pelo Portal. Sabemos que há outras inúmeras obras cinematográficas e literárias parecidas, mas por espaço e pensando num texto não expansivo, abordamos o que foi taxado como conveniente. Explore outras possibilidades: veja trailers de filmes aqui citados e se for o caso, leia as obras literárias citadas. Elas estão disponíveis para download aqui, no PASSEIWEB, na seção Livros.

Avatar é cheio de momentos dignos de abordagem, porém, devido ao espaço limitado, selecionamos três grandes momentos do filme, através de frases célebres:

Descubra o que eles querem… Medicina? Educação? Estradas?

Cena tensa em que o diretor da Missão decide interpelar na floresta e descobrir o real desejo dos habitantes de Pandora.

A língua é díficil mas é como desmontar uma arma: repetição, repetição…

Diálogo entre a biologa vivida por Sigourney Weaver e o personagem Jake Sully.

Tente achar em sua memória: de onde você vem não há mais verde… o mesmo acontecerá aqui !!!

A biológa tentando convercer o diretor da missão a seguir com mais cautela.

* Graduando em Letras Vernáculas com Habilitação em Língua Estrangeira Moderna – Inglês – UFBA | Membro do grupo de pesquisas “Da invenção à reivenção do Nordeste” – Letras – UFBA | Pesquisador na área de cinema, literatura e cultura – Colaborador do PASSEIWEB.com

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