6.
(UFOP)
Namoro a cavalo
Eu moro em Catumbi. Mas a desgraça
Que rege minha vida malfadada,
Pôs lá no fim da rua do Catete
A minha Dulcinéia namorada.
Alugo (três mil réis) por uma tarde
Um cavalo de trote (que esparrela!)
Só para erguer meus olhos suspirando
À minha namorada na janela…
Todo o meu ordenado vai-se em flores
E em lindas folhas de papel bordado,
Onde eu escrevo trêmulo, amoroso,
Algum verso bonito… mas furtado.
Morro pela menina, junto dela
Nem ouso suspirar de acanhamento…
Se ela quisesse eu acabava a história
Como em toda a Comédia em casamento…
Ontem tinha chovido… Que desgraça!
Eu ia a trote inglês ardendo em chama,
Mas lá vai senão quando uma carroça
Minhas roupas tafuis encheu de lama…
Eu não desanimei! Se Dom Quixote
No Rocinante erguendo a larga espada
Nunca voltou de medo, eu, mais valente,
Fui mesmo sujo ver a namorada…
Mas eis que ao passar pelo sobrado,
Onde habita nas lojas minha bela,
Por ver-me tão lodoso ela irritada
Bateu-me sobre as ventas a janela…
O cavalo ignorante de namoros
Entredentes tomou a bofetada,
Arrepia-se, pula, e dá-me um tombo
Com as pernas para o ar, sobre a calçada…
Dei ao diabo os namoros. Escovado
Meu chapéu que sofrera no pagode,
Dei de pernas corrido e cabisbaixo
E berrando de raiva como um bode.
Circunstância agravante. A calça inglesa
Rasgou-se no cair de meio a meio,
O sangue pelas ventas me corria
Em paga do amoroso devaneio!…
(AZEVEDO, Álvares de. Lira dos vinte anos. Porto Alegre: L & PM, 1998. p. 190-191)
Em relação ao texto acima, todas as afirmativas são verdadeiras, exceto:
(A) O poema desfaz a sublimidade da relação amorosa, acentuando aspectos vulgares e/ou
grotescos.
(B) O envolvimento do poeta com a situação narrada não lhe permite qualquer tentativa de
autocrítica.
(C) O discurso poético explicita uma espécie de investimento frustrado, através do tratamento
dado ao tema romântico.
(D) A ironia é construída pelo distanciamento da voz poética, ou seja, pelo jogo entre presente
e passado.
(E) Há uma dissonância entre o discurso romântico-sentimental e o tom jocoso que
a linguagem assume.