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Lisbon Revisited (1923) (Lisboa Revisitada) (Poema), de Álvaro de Campos (Heterônimo de Fernando Pessoa)

by Lucas Gomes

O poema Lisbon Revisited (Lisboa Revisitada) (1923), de Álvaro de Campos, heterônimo de Fernando Pessoa, mostra um poeta
cansado, rejeitando até as ciências e a civilização moderna, onde ele reclama o direito à solidão e à indiferença. Faz parte da
terceira fase de Álvaro de Campos (fase pessimista).

Neste poema evoca a infância como momento de felicidade que antecede a dor de pensar e a consciência – felicidade perdida;
agressividade e incompatibilidade entre o eu e os outros (sente-se marginalizado, incompreendido, não há aceitação em relação
àquilo que ele é). Valoriza ainda certos elementos através de maiúsculas, tal como Ricardo Reis.

Neste poema é visível o afastamento total do sujeito poético face à realidade que o cerca. Campos revê a Lisboa da sua infância
sem a reencontrar. A cidade está para sempre perdida, nada é capaz de recuperá-la. Ali, ele é “estrangeiro como em toda parte”.
É como se nenhuma memória pudesse devolver o passado. Deste modo, sua visão se decompõe em fragmentos fatídicos que não recompõem
a identidade, porque a magia do espelho se perdeu ao partir-se em cacos, cacos do espelho, da cidade e do sujeito.

O poema parece ser um daqueles em que o estrangeirismo de Álvaro de Campos aparece com maior fúria, e talvez por isso mesmo espelhe
de maneira menos velada a mágoa de saber-se estrangeiro e colocado nesta posição não apenas voluntariamente. Caucionado
basicamente no desencontro com o mundo, de um lado, e no prazer em saber-se em desencontro com este mundo, de outro, o poeta parece
desprender um terrível esforço para manter-se em desencontro com ele, potencializando o estrangeirismo que lhe é definidor e
sentindo a profunda delícia envolvida nesta relação desencontrada, já que há de fato nesse desencontro um elemento desejável.

Leia o poema:

LISBON REVISITED (1923)

Não: não quero nada.
Já disse que não quero nada.

Não me venham com conclusões!
A única conclusão é morrer.

Não me tragam estéticas!
Não me falem em moral!
Tirem-me daqui a metafisica!
Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem conquistas
Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!) ­
Das ciências, das artes, da civilização moderna!

Que mal fiz eu aos deuses todos?

Se têm a verdade, guardem-na!

Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica.
Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo.
Com todo o direito a sê-lo, ouviram?

Não me macem, por amor de Deus!

Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável?
Queriam-me o contrário disto, o contrário de qualquer coisa?
Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a vontade.
Assim, como sou, tenham paciência!
Vão para o diabo sem mim,
Ou deixem-me ir sozinho para o diabo!
Para que havemos de ir juntos?

Não me peguem no braço!
Não gosto que me peguem no braço. Quero ser sozinho.
Já disse que sou sozinho!
Ah, que maçada quererem que eu seja de companhia!

Ó céu azul ­ o mesmo da minha infância ­,
Eterna verdade vazia e perfeita!
Ó macio Tejo ancestral e mudo,
Pequena verdade onde o céu se reflecte!

Ó mágoa revisitada, Lisboa de outrora de hoje!
Nada me dais, nada me tirais, nada sois que eu me sinta.
Deixem-me em paz! Não tardo, que eu nunca tardo…
E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio quero estar sozinho!

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