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Losango Cáqui, de Mário de Andrade

by Lucas Gomes

Composto
em 1922, é, na confissão do autor, um diário em que se
juntam rapsodicamente “sensações, idéias, alucinações, brincadeiras, liricamente
anotadas”. Neste pot-pourri
se adverte uma das ciladas da concepção modernista (não moderna) de poesia:
a falta prolongada de uma forte consciência estruturante que, em nome da espontaneidade,
acaba resvalando no gratuito, no prolixo, no amorfo. Mas é um risco-limite,
compensado por outros caracteres bem modernos e conscientes em Mário de Andrade,
como a assunção do coloquial e do irônico no plano da escritura poética.

Em
Máquina de Escrever
, poema pertencente ao livro, Mário de Andrade busca a
exploração do ritmo poético agora na quebra e no corte contínuo dos versos,
desenhando com recuos e enjambements uma poesia que impõe um ritmo já
pelo correr dos olhos pelo espaço da folha de papel, ainda que orientada pela
ditadura da linearidade, mas tensionando essa linearidade ao máximo:

“Escrevendo com a mesma letra…
…………….Igualdade
…………….Liberdade
………..Fraternité, point.
Unificação de todas as mãos…”

A máquina de escrever é a concretização desse novo fazer poético, não é mais a
pena, que dançava em volteios pelo papel, imprimindo na caligrafia de cada um a
personalidade grafológica de seu autor, agora é a digitalização, os dedos do
poeta batendo nas teclas imprimem tipos, letras de forma mecânica, automática. O
ritmo é mais veloz, mais barulhento, mais urbano:

B D G
Z, Reminton.

Pra
todas as cartas da gente.

Eco
mecânico

De
sentimentos rápidos batidos.

Pressa,
muita pressa.

Assim como
a poesia moderna busca incorporar a “contribuição milionária de todos os erros”
(parafraseando Oswald) do falar cotidiano, da língua viva, também o erro na
escrita é incorporado ao poema de forma que tal erro crie o momento de revelação
das contradições:

A
interjeição saiu com um ponto fora de lugar!

Minha
comoção

se
esqueceu de bater o retrocesso.

O poeta
observa o novo sinal, resultado do erro [|.] e analisa a nova forma:

Ficou
um fio

Tal e
qual uma lágrima que cai

E o
ponto final depois da lágrima.

A seguir o
poeta ironiza o sentimento exposto na nova forma, ao dizer que “não tive
lágrimas” e que “a máquina mentiu!”, uma vez que “sabes que sou muito alegre”.
Por fim, o poeta diz fazer sua “assinatura manuscrita” na folha de papel, uma
vez que é preciso marcar sua personalidade no poema uma vez que a máquina de
escrever pode reclamar co-autoria. De certo modo, Mário de Andrade colocava no
papel a discussão que Marshal Mcluhan levou em seu Galáxia de Gutenberg, acerca
da modificação da percepção humana na passagem da escrita manuscrita para o
texto impresso.


Texto escolhido


Conversavam


Serenos pacholas fortes.


Que planos estratégicos…

Balística.

Tenentes.


Um galão.

Dois galões.

A galinhada!


……………………………………………………………. 


Mas porém da caserna dum corpo que eu sei


Sai o exército desordenado meu sublime…


Assombrações


Tristezas


Pecados


Versos livres

Sarcasmos…


E o universo inteirinho em continência!


…Vai passando


No seu cavalo alazão


O marechal das tropas desvairadas do país de Mim-Mesmo…

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