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Minha gente (Conto de Sagarana), de Guimarães Rosa

by Lucas Gomes

Análise da obra

Narrado em primeira pessoa, tendo um narrador que participa da história
com visão limitada dos fatos que narra, Minha gente é um dos contos mais bem tramados
do livro, com a história principal emendada, alterada, recontada por pequenos detalhes
e elementos dados pouco a pouco ao leitor.

O foco narrativo ilumina os passos do protagonista, mas também revela certas sutilezas que servem para
esclarecer o sentido mais profundo da história. Há uma partida de xadrez, narrada no início,
que mostra como se deve entender o enredo em si: um xeque, dado pelo protagonista,
acaba se virando contra ele próprio. Assim, a narração insinua ao leitor que as
aparências dos fatos escondem, mais que revelam, sua verdadeira intenção.

É um conto que fala mais do apego à vida, fauna, flora e costumes de Minas Gerais que de uma história
plana com princípios, meio e fim. Os “causos” que se entrelaçam para compor a trama narrativa são meros
pretextos para dar corpo a um sentimento de integração e encantamento com a terra natal. O lirismo dos
temas do amor e da solidão transparece em Minha gente.

O autor utiliza uma linguagem mais formal, sem grandes concessões aos coloquialismos e onomatopéias
sertanejas. Alguns neologismos aparecem: suaviloqüência, filiforme, sossegovitch, sapatogorof – mas longe
da melopéia vaqueira tão ao gosto do autor. A novidade do foco narrativo em primeira pessoa faz
desaperecer o narrador onisciente clássico, entretanto quando a ação é centrada em personagens
secundárias – Nicanor, por exemplo – a oniscência fica transparente.

Muitas temáticas são desenvolvidas no conto, por exemplo: a saga da política no interior (tio Emilio); a
honra sertaneja (morte do Bento Porfírio); os caprichos do Destino (casamento de Armanda com o narrador).

Aliás, esse último aspecto é desenvolvido também num conhecido poema de Drummond,
Quadrilha:

João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou pra tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.

O cenário é a Fazenda Saco-do-Sumidouro (interior de Minas Gerais), do Tio Emílio, pai de Maria Irma.

Personagens

Narrador – Homem da cidade que estava a passeio pelas fazendas dos tios, no interior de Minas
Gerais. Chamavam-no “Doutor”, gostava da prima Maria Irma, mas casou-se com Armanda, filha de uma
fazendeira. É o protagonista do conto. Só sabemos que é um “Doutor” por intermédio da fala de José
Malvino, logo no início da narrativa: “Se o senhor doutor está achando alguma boniteza…”, fora isso,
nem mesmo seu nome é mencionado.

Santana – Inspetor escolar intinerante. Bonachão e culto. Tem memória prodigiosa. É um tipo de
servidor público facilmente encontrável. Companheiro nas andanças do narrador, tem mania de jogar
xadrez, mesmo quando estão andando a cavalo.

José Malvino – Roceiro que acompanha o protagonista na viagem para a fazenda
do Tio Emílio. Conhece os caminhos e sabe interpretar os sinais que neles encontra.
Atencioso, desconfiado, prestitavo e supersticioso.

Tio Emílio – Fazendeiro e chefe político, para ele é uma forma de afirmação pessoal. É a
satisfação de vencer o jogo para tripudiar sobre o adversário. Tio do narrador; sofreu mudança radical
depois que se meteu na política.

Maria Irma – Prima do protagonista e primeiro objeto de seu amor. É inteligente, determinada,
sibilina. Elabora um plano de ação e não se afasta dele até atingir seus objetivos. Não abre seu coração
para ninguém, mas sabe e faz o que quer. Uma das filhas de Tio Emílio; no passado, o narrador e ela
foram namorados de brincadeira. Tem cintura fina, olhos grandes, pretíssimos. Passou alguns anos no
internato.

Armanda – Filha de fazendeiros; estudou no Rio de Janeiro. Terminou casada com o narrador.

Bento Porfírio – Empregado da fazenda de Tio Emílio. Vaqueiro; gostava de pescar. Envolveu-se com
uma prima casada (de-Loudes) e terminou assassinado a foice pelo marido enciumado (Alexandre). É
companheiro de pescaria do protagonista.

Resumo do conto

Caminham juntos, pelo sertão de Minas, a cavalo, o narrador, Santana e José Malvino. O narrador é um
observador apaixonado das coisas do sertão: a paisagem, o céu, os pássaros, as árvores… Tudo para ele
merece elogios e observações. A viagem chega ao fim: estão agora numa fazenda.

Dois dias na fazenda, e o narrador achava tudo mudado. Mas mudança de verdade notara no Tio Emílio:
rejuvenescido, transfigurado. Logo, o narrador descobriu o porquê da mudança: Tio Emílio estava metido
na política. Sempre atendendo aos pedidos do povo, a qualquer hora, mesmo à noite.

A prima Maria Irma, em conversa com o narrador, fez questão de informar que estava quase noiva. O
narrador quis saber de quem, mas ela fez mistério.

Bento Porfírio, enquanto pesca com o narrador, vai-lhe contando uma história. Agripino, bom parente,
convidou Bento para ir ao arraial. Queria apresentá-lo à sua filha de-Lourdes: quem sabe os dois podiam
casar. Mas Bento não foi. Preferiu uma pescaria misturada com farra, com mulher-da-vida e sanfona pelo
meio. Tempos depois, “quando Bento Porfírio veio a conhecer a prima de-Lourdes, ela já estava casada com
o Alexandre”. Os primos foram-se vendo e gostando um do outro. Por pirraça e por falta do que fazer,
Bento casou-se com Bilica.

O narrador ficou na varanda até anoitecer. A prima Irma mudou de modos e, na hora do jantar, sorriu
diferente para o narrador. Ele ficou desconfiado. “Mulher bonita, mesmo sendo prima, é uma ameaça”. E o
narrador lembra bem o conselho de Tertuliano Tropeiro: “Seu doutor, a gente não deve de ficar adiante de
boi, nem atrás de burro, nem perto de mulher! Nunca que dá certo…” Noite sem estrelas, noite de roça.
O narrador foi dormir.

O narrador foi novamente pescar no poço com Bento Porfírio. Depois de algum tempo, a história do
adultério continuou. O marido da prima, o Alexandre, não sabe que está sendo enganado. De repente, o
marido traíd????È?o surgiu de trás de uma moita, foice na mão, e matou Bento com um só golpe. O corpo
caiu no poço, e o narrador, apavorado, não sabia o que fazer. O assassino foi embora, o narrador correu
para casa e contou ao Tio Emílio o ocorrido. As ordens foram dadas: tirar o morto do poço, avisar o
subdelegado e ir atrás do assassino. Não para matá-lo, mas para protegê-lo das autoridades.

Os dias vão passando, e o narrador começa a gostar da prima Maria Irma. Por que não namorá-la? Um rapaz
da cidade veio visitá-la e trazer-lhe livros. Ela se enfeitou toda para o receber. Por que não estava
toda enfeitada na chegada do primo? À noite, o narrador fica sabendo que o rapaz se chama Ramiro e que é
namorado da Armanda, uma amiga de Maria Irma, filha da fazendeira do Cedro.

O narrador não se conteve e fez uma declaração de amor à prima. Ela ouviu e, depois, disse que não
acreditava. Ele tentou convencê-la usando argumentos infantis. Em vão.

Depois de uma conversa séria com a prima e de obter dele somente negativas, o narrador ameaçou ir embora.
Ela insistiu que ele ficasse: queria apresentar-lhe Armanda, a namorada de Ramiro. Ele, teimoso, partiu
no outro dia. Iria para Três Barras, onde mora o seu tio Luduvico.

Em Três Barras, o narrador não conseguia esquecer Maria Irma. Depois das eleições, com vitória do partido
de Tio Emílio, o narrador recebeu carta: ele, o tio, queria-o de volta. O narrador ficou muito alegre e
nem esperou o outro dia para voltar.

De volta, o narrador foi apresentado a Armanda. Foram passear a pé pelos pastos. Dali, do primeiro
passeio, já nasceu o namoro. Em pouco tempo, o noivado e, no mês de maio, o casamento, ainda antes do
matrimônio da prima Maria Irma com Ramiro Gouveia.

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