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Marabá (Conto), de Monteiro Lobato

by Lucas Gomes

No relato “Marabá”, de Monteiro Lobato, o
narrador dá ao leitor uma receita de romance romântico. Ele propõe
uma recriação do universo romântico a partir de ícones
consagrados: A índia Iná liberta um prisioneiro branco da tribo,
foge com ele e gera uma filha, Marabá. O índio Ipojuca se apaixona
por Marabá e, depois de perseguidos pela tribo, acabam acolhidos pelo
exército português. Ipojuca está ferido, um capitão
reconhece Marabá como sendo sua filha e a abraça. Sem entender
a cena, Ipojuca flecha e mata a sua jovem esposa, morrendo também de
um ferimento.

De todos os contos de Negrinha, “Marabá” talvez
seja o que melhor representa a curiosidade de Lobato em brincar com a linguagem
cinematográfica, todo ele dividido em quadros e letreiros, como no cinema
mudo. Tudo no conto lembra o roteiro cinematográfico, inclusive uma nota
encontrada bem no meio do conto:

Este papel de Marabá tem que ser feito por Annette Kellermann.
Como, porém, Anette já está madura e Marabá é
o que existe de mais botão, torna-se preciso inventar um processo que
rejuvenesça de trinta anos a intérprete.
(LOBATO, 1951, v.
3, p. 227)

Apresenta nesse pequeno trecho uma preocupação que só
caberia ao roteirista: compõe uma personagem que desfruta de tal comunhão
com a natureza, que se faz de suma importância achar a atriz adequada
para o papel, sobretudo no que diz respeito à construção
da verossimilhança que, na linguagem cinematográfica, se traduz
na imagem, na aparência física da personagem. Conhece a intérprete
adequada, mas sua idade é um empecilho.

A ironia é o fio condutor de todo o conto, construída sobre
o confronto entre a arte nova e a arte velha, a proposta de uma nova linguagem
– a cinematográfica – e a recuperação dos velhos
modelos românticos folhetinescos e fora de moda. Todo o rol marginalizado
do romance e da poesia indianista é recuperado: José de Alencar
(Guarani e Iracema) e Gonçalves Dias (I-Juca-Pirama
e Marabá). Na nova roupagem cinematográfica, entretanto,
constrói-se a crítica de Lobato, que sustenta que velhos temas
ainda satisfazem ao gosto tanto de escritores quanto de leitores. Segundo o
narrador de “Marabá”, a busca pela modernidade é uma
imposição que nem sempre se faz associar com a ruptura:

Nada disso. Sejamos da época. A época é apressada,
automobilística, aviatória, cinematográfica, e esta minha
Marabá, no andamento em que começou, não chegaria nunca
ao epílogo. Abreviemo-la, pois, transformando-a em entrecho de filme.
Vantagemtríplice: não maçará o pobre leitor, não
comerá o escasso tempo do autor e ainda pode ser que acabe filmada quando
tivermos por cá miolo e ânimo para concorrer com a Fox ou a Paramount.
(LOBATO, 1951, v. 3, p. 223)

Há dois níveis narrativos em “Marabá” –
um, crítico e descritivo e outro, da história ou da ação
propriamente dita –, reconhecidos como traço comum à escritura
de Monteiro Lobato, sobretudo nos contos de Urupês e Negrinha.
Quando associados, dão vazão a um enquadramento digressivo e metaliterário
de tese, cuja concretude vê-se exercitada no relato. O teor da crítica
deve-se, provavelmente, ao fato de que a linguagem da moda simplesmente encobre,
com o roteiro técnico um enredo antigo: que os padrões de gosto
não mudaram na passagem do século XIX para o século XX.

Narrado em terceira pessoa, neste conto – “Marabá”
– quase não há diálogos, o que mais chama a atenção
é sua elaboração formal. Logo no início Lobato tece
algumas críticas às receitas literárias e às cópias,
aos exageros e falsidades do romantismo, e sublinha a importância do compromisso
entre os escritor e a “realidade”. Após essa pequena “introdução”,
o narrador, alter-ego do autor, chega ao cerne do enredo: confessa ao leitor
que tem em mente “uma novela tão ao sabor antigo”, e que
se chama “Marabá”.

Começa então a narrar a trágica história de Marabá,
filha de uma índia com um português, e justamente por isso perseguida
pelos de sua tribo. Marabá se apaixona por Ipojuca, filho do cacique,
e ambos são perseguidos pelos membros da tribo. Ao final os dois morrem,
vítimas da intolerância.

Além de praticamente virar ao avesso a temática alencariana,
o narrador revela sua insatisfação quanto ao ritmo habitual das
narrativas literárias, lentas demais, enfadonhas demais; e decide, então,
acelerar a cadência do texto, empregando um outro tipo de linguagem, mais
afeita à época em que vive, com os tempos modernos. Confere ao
texto, pois, um ritmo cinematográfico: “Nada disso. Sejamos
da época. A época é apressada, automobilística,
aviatória, cinematográfica, e esta minha Marabá, no andamento
em que começou, não chegaria nunca ao epílogo.

(LOBATO, 1959: 223) – e passa a dividi-lo em “quadros” (tal como
num filme) e “letreiros” (como nos reclames)

A ironia lobatiana está presente no conto a partir do momento que utiliza
uma linguagem literária ousada, formalmente “moderna”, ligada
a um conteúdo que segue as receitas literárias mais tradicionais,
criticadas por Lobato no início do conto. Sua ironia aponta a imbricação
entre tradiconal e moderno na cultura e nas artes brasileiras, da qual a própria
literatura lobatiana era exemplo. Com um pé fincado no realismo-naturalismo,
com o outro pisava o modernismo, e cuja amostra está no desenvolvimento
estilístico de Marabá. Monteiro Lobato demonstra estar antenado
com o novo horizonte técnico que se abre e afeta inclusive a produção
e a recepção literárias.

Crédtos: Prof. Manuel, Colégio Sagrado Coração
de Jesus, Marília, SP | Elizamari Rodrigues Becker, Doutora
em Literatura Comparada, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRSG) |
Enio Passiani, Mestre em Literatura, Unicamp, SP | São Paulo
– Educando pela diferença para a igualdade
– UFSCar – Mód.
2.

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