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História da Mecânica: 2. A Mecânica na Grécia Antiga

by Lucas Gomes

Dentro da chamada Filosofia Natural dos Gregos incluía-se a preocupação com o
movimento como fenômeno evidente e relevante do Universo. Justifica-se assim que
a Mecânica, ou seja, o estudo dos movimentos, seja considerada a parte mais antiga
da Física e talvez a área da ciência com que todos se sentem mais familiarizados,
dada a convivência que os humanos têm com movimentos em seu cotidiano.

Desde a Antigüidade, tem sido dada ênfase especial aos movimentos de corpos celestes, ou seja, do Sol, da Lua, dos planetas e de
outras estrelas observadas da Terra. Os pensadores gregos desenvolveram sistemas dedicados à descrição dos movimentos dos corpos
celestes. Eles entenderam os movimentos como parte relevante da “natureza das coisas”. Com isto contribuíram de forma decisiva para
o estabelecimento das bases de duas áreas do conhecimento: a astronomia e a mecânica.


Anaxímenes de Mileto

Anaxímenes de Mileto (570 – 500 a.C.) e os seguidores de sua Escola já
se preocupavam com o movimento dos corpos celestes. Foi Anaxímenes quem primeiro
propôs que os astros celestes seriam corpos fixos a esferas de revolução, e parece
ter sido ele também quem pela primeira vez apresentou uma distinção entre planeta
e estrela. Os gregos perceberam que os planetas exibiam um comportamento curioso
e distinto dos demais astros. Eles se movimentavam de tal maneira que, em algumas
épocas do ano, os planetas exibiam “movimentos retrógrados”, isto é, eles repentinamente
paravam no espaço e retrocediam. Por isso, deram-lhes o nome de errantes. Planeta
em grego significa “errante”.


Platão

É de Platão
(427 – 347 a.C.) a proposta de um modelo mais complexo para o movimento dos corpos
celestes, apresentado nos famosos diálogos. No modelo de Platão, a Terra seria
imóvel e estaria envolvida por quatro capas esféricas: a primeira, com espessura
igual a duas vezes o raio da Terra, seria composta de água; a segunda, com espessura
de cinco vezes o raio da Terra, seria composta de ar e nela estaria a atmosfera;
a terceira, de espessura aproximada de dez vezes o raio da Terra, seria composta
de fogo. Na parte superior do fogo, estaria a quarta capa esférica com as estrelas.
Os astros mais conhecidos: Sol, Lua, Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter e Saturno,
estariam evoluindo entre a atmosfera e as estrelas.

No pensamento de Platão há hegemonia da beleza pura e abstrata sobre a observação
dos fenômenos físicos. Entre os elementos objeto da admiração de Platão e dos
participantes da sua Academia está a geometria, que desempenha um papel essencial
em todas as atividades intelectuais da época. A geometria era tida como uma combinação
perfeita de lógica e beleza, e alguns creditavam isso à sua origem divina. Platão
teria afirmado que “Deus é geômetra”.

A crença na geometria como manifestação da divindade levou Platão e vários filósofos
gregos a descrever o movimento dos corpos celestes a partir de trajetórias “perfeitas”
e movimentos uniformes . Trajetórias perfeitas, no entendimento dos gregos, eram
as circulares. O mundo seria uma curva perfeita.

Foi
um seguidor de Platão, Eudóxo de Cnido (408 – 355 a.C.), quem propôs o
primeiro modelo um pouco mais detalhado sobre o movimento de revolução das esferas
cristalinas concêntricas com a Terra, onde estariam fixos os corpos celestes.
Eudóxio era um geômetra independente, bom matemático, e diferentemente de Platão,
valorizava mais a observação do céu do que sua contemplação; tinha, porém, o apoio
do Mestre em seus estudos. A forma de revolução das esferas proposta por Eudóxio
conseguia descrever apenas alguns fenômenos de astronomia observados na época.

A mecânica de Aristóteles

Coube a Aristóteles, discípulo de Platão, a sistematização e organização
do conhecimento racional da Antigüidade. E, além disso, preocupou-se com o seu
registro. No que se refere ao conhecimento que chama-se hoje de científico, ele
criou um sistema que se constituiu em base da visão do mundo por quase dois mil
anos. Teve assim uma influência na evolução das ciências, e da mecânica em particular,
que do ponto de vista da duração não encontrou paralelo na história da humanidade.

No
sistema elaborado por Aristóteles, os movimentos ocorrem segundo os atributos
do “ser” que se move. Poder-se ia dizer, numa forma simplista, que, na visão de
Aristóteles, os “seres” seriam as “coisas” que compõem o Universo. O “ser” teria
quatro características básicas: segundo a sua essência, segundo a sua qualidade
(alteração), segundo a quantidade (crescente ou decrescente) e segundo o lugar
(natural ou forçado). Todos os “seres” seriam animados de movimento, e cada um
deles tem o seu “lugar próprio”. O movimento natural seria no sentido da procura
desse “lugar próprio”, sendo portanto motivado por um “motor interior”. Os objetos
próximos à superfície da Terra, por exemplo, cairiam porque o seu “lugar próprio”
é o centro da Terra. Já o fogo e o ar teriam o movimento natural “para cima”.
Qualquer movimento que afasta o corpo do seu lugar natural seria forçado, ou seja,
“movido por um motor externo” a ele. Esses movimentos seriam movimentos “violentos”.
Essas são, em linhas gerais, as bases da dinâmica aristotélica.

Aristóteles acreditava que as leis do movimento não são universais. Isto é, as leis que regem os movimentos não valeriam em quaisquer
movimentos. Para os corpos que se movimentam na superfície terrestre valem os princípios já enunciados dos movimentos “naturais” e
dos movimentos “violentos”. Para os astros no firmamento a teoria seria outra. Eles se moveriam pela sua “divindade”.

Para Aristóteles, bem como para grande parte dos filósofos gregos da Antigüidade, os corpos celestes girariam em torno da Terra.
No modelo aristotélico, haveria 55 esferas cristalinas, que contêm os “planetas” revolvendo em torno da Terra. A necessidade de
tantas esferas, enquanto eram conhecidos apenas sete “planetas” (Sol, Lua, Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter e Saturno), deveu-se ao
fato de que Aristóteles se preocupava em fazer com que seu sistema descrevesse os movimentos dos astros até então conhecidos.

Aristóteles
defendeu a tese de que a Terra seria esférica. Seus argumentos em favor da esfericidade
do Planeta foram baseados em observações. Ele apontava para dois fatos de natureza
observacional. O primeiro é que a Terra projeta uma sombra esférica na lua durante
um eclipse. O segundo fato é o do desaparecimento e do surgimento de estrelas
no céu quando se navega do norte para o sul.

Como se verificou 2.000 anos mais tarde, o sistema aristotélico tinha inúmeras falhas: tanto no entendimento da razão do movimento
como no modelo sobre os corpos celestes e seus movimentos. Em particular, diferentemente de outros filósofos gregos, Aristóteles não
tinha grande inclinação pelas ciências matemáticas, que posteriormente se mostraram essenciais na descrição quantitativa da natureza
física, mas, por outro lado, ele tinha a preocupação de que suas idéias pudessem justificar o que era observado na Natureza, o que
é uma característica da ciência atual. Esse fato contraria o mito de que a filosofia natural dos gregos era dissociada da observação.

Apesar de valorizar as observações, Aristóteles, como os demais filósofos gregos, queria um entendimento unitário de tudo que ocorre
no Universo, o que o impedia de olhar um fenômeno físico sem analisar o “propósito” desse comportamento. Isso interferia na análise
da observação em si.

Os ensinamentos de Aristóteles acabaram por se constituir numa doutrina – o aristotelismo – que sobreviveu até a Idade Média.
Cabe observar que os trabalhos de Aristóteles não se restringiram ao que se tornou a área do conhecimento chamada de Física. Ele
teve contribuições importantes no que hoje chamaríamos de lógica, psicologia, ciências políticas e biologia. Essa longa
sobrevivência de sua obra deveu-se à força e abrangência do pensamento aristotélico, mas também, em parte, ao apoio de instituições
poderosas às suas teses, como foi o caso da Igreja Católica.

Arquimedes e a estática

Uma contribuição relevante para o desenvolvimento da mecânica veio de Arquimedes
de Siracusa (287 – 212 a.C.), que é considerado por alguns historiadores como
o pai da Mecânica. Como já visto aqui, a razão para tal distinção repousa
no fato incontestável de ter ele incorporado, na descrição dos fenômenos observados,
um certo formalismo matemático, que permitiu a quantificação dos fenômenos. Introduziu
dessa forma, no estudo da estática e da hidrostática (estudo dos sistemas fluidos
em equilíbrio), o que chamamos hoje de método científico, aliando em certo sentido
o empirismo à formulação das leis e demonstrações de teoremas, usando conceitos
de geometria. Hoje em dia empregamos mais álgebra, que só viria a ser introduzida
organizadamente muito mais tarde e desenvolvida principalmente pelos árabes.

Arquimedes viveu e morreu em Siracusa, na Sicília (Itália), cerca de 100 anos depois de Aristóteles na Grécia. Nessa ocasião,
Siracusa era um centro de civilização helênica. A civilização helênica ocorreu no período compreendido entre a fundação de Alexandria
(332 a.C.) e o final do século IV d.C. Arquimedes realizou trabalhos cujos princípios têm validade até hoje, e isso, no caso da
mecânica, vale para muito poucos ensinamentos aceitos na Antigüidade.

Os trabalhos importantes de Arquimedes foram publicados em dois livros: Sobre o Equilíbrio dos Planos (dois volumes) e Sobre
os Corpos Flutuantes
. No primeiro, Arquimedes desenvolve princípios básicos da Estática, dentre os quais se incluem as “leis da
Alavanca”, e discute a determinação do centro de gravidade dos corpos.

Arquimedes era um grande inventor e introduziu engenhosas combinações de roldanas (polias), que se tornaram úteis até os dias de
hoje, para levantar e arremessar pesos. Estamos aqui falando das máquinas simples. Suas máquinas de arremessar pesos foram usadas
também como máquinas de guerra em Siracusa, para lançar pedras sobre os adversários.

Arquimedes teve também importantes contribuições na matemática; determinou o valor
do número pi (p) até três casas decimais; provou que a área da superfície de uma
esfera é igual a quatro vezes a área do círculo de mesmo raio (4pr2); e descobriu
que, se uma esfera for inscrita a um cilindro, a proporção entre seus volumes
e superfícies é de 3 : 2. Conta-se que se orgulhava tanto desse
feito que solicitou aos amigos que colocassem em seu túmulo uma esfera dentro
de um cilindro. Seu trabalho, apesar de ter aspectos formais, tem um aguçado espírito
aplicado.

No seu segundo livro Sobre os Corpos Flutuantes, Arquimedes formulou o princípio fundamental da hidrostática: a lei do empuxo.
Essa lei explica por que os corpos “perdem peso” quando submersos. Isso se explica pela presença da força de empuxo que está
relacionada com o deslocamento de massa do fluido, e é por isto que alguns deles flutuam.

Arquimedes ficou conhecido na História como o homem que saiu nu pelas ruas da cidade gritando “eureka” (palavra grega que significa
“descobri”). Essa foi sua reação ao fazer uma das descobertas que o deixou famoso. Percebeu, quando entrou na banheira, que poderia
medir o peso específico de uma coroa de ouro, presente ao rei Heirão, submergindo-a e pesando o volume de água deslocado. O rei
Heirão desconfiava que a coroa não era de ouro, como, de fato, ficou provado.

Como já apontado anteriormente, Siracusa fazia parte do império helênico, o qual veio a ser conquistado pelos romanos. Conta-se que
Arquimedes, quando tinha 75 anos de idade, estaria imerso em diagramas geométricos na areia, quando foi abordado por soldados
romanos. Os soldados estavam aproveitando uma festa tradicional, a da deusa Diana, para invadir Siracusa. Contrariando as ordens do
General Marco Cláudio Marcelo, que os comandava, os soldados teriam abordado Arquimedes por responsabilizá-lo pela morte de
companheiros pelas catapultas que lançavam pedras. As catapultas e outras armas de guerra foram concebidas por Arquimedes. Não
habituado a receber ordens, teria Arquimedes afastado ou censurado um soldado que atrapalhava sua atividade e este, irritado, o
teria matado.

A Escola Alexandrina

A Escola Alexandrina também deu contribuições relevantes para o desenvolvimento
da Mecânica.

Em 338 a.C., a civilização grega começa a perder força política com a conquista da Grécia pelos macedônios. O saber filosófico,
porém, manteve o seu significado amplo e universalizante dado pelos gregos. Devido à expansão militar do Império Macedônico,
efetuada por Alexandre, houve um processo de disseminação da cultura grega clássica e uma interação dela com a cultura dos povos
orientais conquistados. Para isso contribuiu o fato de Aristóteles ter-se tornado, em 343 a.C., preceptor de Alexandre, o Grande,
filho do rei Felipe da Macedônia.


Hiparco de Nicéia

A cidade de Alexandria foi fundada pelo grande conquistador em 332 a.C., que marca o início do período helenístico, e transformou-se,
com o declínio do poder político e econômico de Atenas, num grande centro cultural e científico da Antigüidade.

Dentre os grandes representantes da Escola Alexandrina, do ponto de vista da contribuição
para a mecânica, destacam-se Hiparco, Heron e Ptolomeu.

Hiparco de Nicéia (190 – 120 a.C.) destacou-se como astrônomo. A partir de observações suas compilou um catálogo contendo a
localização de 1.080 estrelas, que serviu de guia, por muitos séculos, para a posição dessas estrelas. Foi ainda o descobridor do
fenômeno conhecido como “Precessão dos equinócios”. O Sol cruza o equador celeste em dois pontos associados aos equinócios da
esfera celeste. Esses dois pontos correspondem aos lugares onde os dias têm a duração igual à da noite (21 de março e 22 de
setembro). Hiparco se deu conta de que havia um deslocamento lento, mas perceptível, dos equinócios. Tal fenômeno, a “precessão dos
equinócios”, se deve ao fato de que o eixo de rotação da Terra não é fixo . Na realidade, ele descreve um cone no espaço (em torno
de uma linha imaginária e perpendicular à órbita) com período de 26.000 anos. Esse fato não escapou à observação de Hiparco cerca
de 150 anos antes de Cristo.


Heron de Alexandria

Outro matemático e inventor de Alexandria foi Heron de Alexandria. Seu livro Mecânica
incorpora a matemática na descrição de alguns movimentos e descreve vários tipos
de engrenagens, mecanismos dotados de rodas dentadas e polias compostas, usando
o conhecimento de Arquimedes. No livro Pneumática, Heron apresenta o princípio
do Sifão e uma máquina que pode ser encarada como precursora das máquinas a vapor.
Heron, em seu livro Diotra, determinou a distância entre Alexandria e Roma usando
um método gráfico a partir da diferença de tempo ocorrida a um eclipse lunar observado
nas duas cidades. Era também um defensor das idéias aristotélicas sobre o movimento.

Cláudio Ptolomeu (100 – 170 d.C.) foi outro grande astrônomo da Antigüidade.
A partir de observações dos planetas e das estrelas, Ptolomeu ampliou o catálogo
de estrelas de Hiparco. Suas observações foram publicadas pelos árabes numa obra
de 13 volumes intitulada Almajest, uma corruptela do nome hispano-árabe
Al-Majisti (O Grande Tratado).


Cláudio Ptolomeu

Ptolomeu consolidou o modelo aristotélico do movimento dos corpos celestes em torno da Terra (o modelo geocêntrico). Seu modelo
fazia uso de movimentos circulares uniformes, portanto de círculos e movimentos uniformes, exatamente como já preconizara Platão
anteriormente, mas usou alguns artifícios, que permitiram a descrição das posições dos planetas com grande precisão. Tal sucesso,
aliado ao fato de que seu modelo estava de acordo com a doutrina aristotélica, permitiu que a obra de Ptolomeu sobrevivesse tantos
séculos.

Foi em Alexandria que Euclides compôs os elementos ou axiomas da geometria, hoje
conhecida como geometria euclidiana, dos quais decorrem várias relações geométricas
que o leitor conhece, incluído o famoso teorema de Pitágoras.

Ainda do final do período helenístico citaríamos os trabalhos de Pappus (IV século
d.C.) sobre o movimento e o equilíbrio de um objeto colocado num plano inclinado
e a elaboração de um método simples para determinação do centro da gravidade de
um corpo com uma forma geométrica qualquer, que deve ser citado pela sua contribuição
relevante no desenvolvimento da mecânica.


Euclides

Talvez aqui deva ser reforçado que na Antigüidade, bem como no período que a segue,
a Idade Média, todos os conhecimentos estavam integrados à filosofia, formando
um sistema cujo objetivo era fornecer uma visão ampla e geral do mundo e do universo.
Mesmo havendo um aspecto observacional no conhecimento sobre o universo físico,
que evoluiu na Antigüidade, ele era essencialmente qualitativo.

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