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História da Mecânica: 4. O renascimento – Precursor do Nascimento da Ciência Moderna

by Lucas Gomes

Na transição entre a mentalidade medieval européia, marcadamente contemplativa e submissa às inquestionáveis verdades da fé, e a
mentalidade moderna, com a volta da racionalidade para o entendimento do mundo, surge um movimento artístico e científico
denominado Renascimento (séculos XV e XVI). Esse movimento criou a base conceitual e introduziu valores que permitiram a
revalorização da razão e o advento da ciência moderna no século XVII.

Como forma de se opor à visão de mundo dominante no período medieval, isto é, o teocentrismo (Deus como centro), os renascentistas
revitalizam o pensamento greco-romano (daí o nome de Renascimento), inicialmente fazendo do homem o centro do conhecimento, ou
seja, trazendo à tona o antropocentrismo. O Renascimento proporciona o desenvolvimento do racionalismo, isto é, a explicação
do mundo por verdades estabelecidas pela razão, e não pela fé, e permite que seja desenvolvido o espírito de observação experimental
com a mente mais aberta ao livre exame do universo para descobrir as leis que regem os fenômenos naturais.

Para conhecer a realidade, surge, durante o Renascimento, um novo método de investigação, o empirismo, baseado na observação e
experimentação sistemática, que é uma das bases das ciências naturais modernas. Conhecer algo a respeito da natureza não se limita
ao exercício da reflexão; ela se faz a partir da realidade observada. Este conjunto de atitudes contrapunha-se à mentalidade
contemplativa e submissa às verdades da fé dominante na Idade Média, abrindo caminho para o surgimento da ciência moderna no
século XVII.

Copérnico e Kepler


Nicolau Copérnico

A primeira grande revolução do pensamento, no que tange ao Universo, veio com
a contribuição do astrônomo polonês Nicolau Copérnico (1473 – 1543) ao
estudo do movimento dos planetas. Em seu livro De Revolutionibus Orbitum Celestium
(“Sobre as Revoluções das Esferas Celestes”), Copérnico contesta o modelo geocêntrico
hegemônico no pensamento desde Aristóteles e propõe um novo modelo, no qual a
Terra estaria em movimento e o Sol ocuparia o centro da esfera celeste.

O modelo heliocêntrico de Copérnico proporcionava uma explicação mais simples para o movimento dos planetas do que o proposto
por Ptolomeu no modelo geocêntrico. Havia uma economia de círculos necessários para descrever os movimentos astronômicos conhecidos,
e a simplificação decorrente no tratamento matemático do movimento dos planetas facilitava a análise das posições relativas dos
planetas, permitindo que alguns fenômenos conhecidos da observação astronômica, como por exemplo os movimentos retrógrados dos
planetas, pudessem ser facilmente descritos.

A despeito dessas vantagens, o modelo heliocêntrico teve de esperar ainda quase um século antes de ser aceito como o melhor modelo
para descrever o movimento dos planetas. A resistência vinha do fato de que esse modelo de universo estava intimamente ligado à
visão de mundo da época.

Retirar a Terra e o homem do centro do Universo não foi fácil nem mesmo para Copérnico. Desde o início da filosofia natural grega
acreditava-se que o homem ocupa um lugar todo especial no Universo e, além disso, estar em movimento seria sinônimo de inconstância,
de vagar. Por isso, o próprio Copérnico acreditava que as estrelas deveriam estar fixas. O Universo como um todo deveria ser estático,
por razões que ele explica em seu De Revolutionibus:

“A condição de estar em repouso é mais nobre e mais divina do que aquela de mudança e inconstância; assim, essa última é mais
adequada para a Terra do que para o Universo.”


Johannes Kepler

Os trabalhos de Copérnico despertaram grande interesse na astronomia experimental pelo fato de dar explicações simples aos movimentos
planetários, como antes mencionado. É nesse contexto que se coloca a relevância do trabalho de Tycho Brahe (1546 – 1601), astrônomo
dinamarquês que fez inúmeras observações sobre o movimento dos planetas. As observações de Tycho Brahe serviram de base para Johannes
Kepler (1571 – 1631), seu assistente e sucessor, formular as famosas leis de Kepler, que sintetizam as principais características do
movimento planetário. Kepler estabeleceu que o movimento dos planetas tem as seguintes características:

· Os planetas executam órbitas elípticas. O Sol ocupa o lugar de um dos dois pontos no interior da elipse, conhecidos como focos.
A primeira lei concorda, portanto, com a tese defendida por Copérnico de que o Sol ocupa o centro do Sistema Solar, mas as órbitas
não são esféricas como Copérnico propunha.

· Os planetas têm velocidade maior perto do Sol e velocidade menor quando se afastam dele. Kepler conseguiu demonstrar que essa
mudança de velocidade corresponde a uma linha imaginária que une o planeta ao Sol, e que cobre áreas iguais dentro da elipse em
tempos iguais.

· O período do movimento dos planetas é tal que o quadrado do período é proporcional ao cubo do semi-eixo maior da elipse.

Observe-se que as leis de Kepler fazem desmoronar a idéia de órbitas circulares. As trajetórias dos planetas em torno do Sol
são elipses. O Sol é mantido, como preconizou Copérnico, no centro. O movimento é mais complexo do que se imaginara até então.
Como explicar as leis de Kepler? A resposta a essa questão foi dada por Newton ao formular suas leis do movimento e a lei da
gravitação universal.


Giordano Bruno

O modelo de Copérnico foi oficialmente rejeitado pela Igreja Católica, em 1616, através de um édito, embora o filósofo italiano
Giordano Bruno (1548 – 1600) tenha sido excomungado e queimado vivo pela Santa Inquisição, segundo alguns, em virtude de sua
defesa ao heliocentrismo e ao que chamava de “pluralidade dos mundos habitados”, apresentada em seu livro “Acerca do Universo
Infinito e dos Mundos”. Não se pode ter absoluta certeza das razões pelas quais Giordano Bruno foi processado e morto pela
Inquisição porque o texto completo do processo inquisitório foi perdido. No julgamento final, Giordano Bruno fez o seguinte
comentário: Espero vossa sentença com menos medo do que a promulgais. Chegará o tempo em que todos verão como eu vejo.

Estes fatos estão aqui citados para chamar a atenção sobre a dificuldade de mudanças em idéias defendidas por algum tipo de
poder, neste caso por parte do poder religioso.

A idéia do modelo heliocêntrico pode ser creditada a um outro sábio grego da Antigüidade.
Trata-se de Aristarco de Samos (320 a.C. – 250 a.C.). Aristarco propôs, cerca
de três séculos antes de Cristo, um modelo heliocêntrico.

A aceitação das teses de Copérnico ocorreu numa fase de grandes mudanças sócio-culturais
no mundo ocidental. A autoridade quase que absoluta da Igreja estava sendo contestada
por Martinho Lutero e outros religiosos chamados de reformadores.

Também o surgimento da burguesia, cuja influência acaba se formando principalmente
no final do século XVI na Inglaterra, foi um fator determinante no desenvolvimento
das ciências. Essa nova classe constituída de comerciantes hábeis tornou-se mais
independente dos senhores feudais e da Igreja à medida que se aprofundava a transição
de uma economia baseada no escambo (base de troca) para uma economia monetária
(baseada na moeda). Essa evolução econômica permitiu o surgimento de uma classe
social mais empreendedora, diligente e, do ponto de vista da ciência, mais criativa.

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