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História da Mecânica: 5. Galileu e o Nascimento da Ciência Moderna

by Lucas Gomes

No clima cultural do Renascimento surge o astrônomo italiano Galileu Galilei (1564
– 1642), que tem um papel preponderante na criação da Ciência Moderna.


Galileu Galilei

Galileu é considerado por muitos o pai da ciência moderna porque foi o primeiro a combinar observação experimental com a descrição
dos fenômenos num contexto teórico, com leis expressas em formulação matemática. Pode-se dizer que Galileu marcou a transição da
filosofia natural da Antigüidade ao método científico atual. Segundo Galileu, o universo é “um grande livro que continuamente se
abre perante nossos olhos”, mas “que não se pode compreender antes de entender a língua e os caracteres com os quais está escrito.
Ele está escrito em língua matemática, os caracteres são triângulos, circunferências e outras figuras geométricas, sem cujos meios
é impossível entender humanamente as palavras; sem eles nós vagamos perdidos dentro de um obscuro labirinto”. Isso significa que a
linguagem matemática é, para Galileu, fundamental para a explicação dos fenômenos naturais.

Galileu deu contribuições significativas ao conhecimento do movimento, e dentre elas destacam-se os seguintes temas:

1. Movimento Uniforme
Galileu teceu importantes considerações sobre o movimento uniforme. Ele percebeu que é impossível decidir sobre quem está em
movimento, no caso de dois objetos isolados dos demais, com movimentos uniformes. Pode-se tão somente dizer que um está em movimento
em relação ao outro. Esta idéia foi também apresentada por Giordano Bruno. Além disso, ele percebeu que os movimentos uniformes são
equivalentes. Com base nessas observações formulou-se muito depois o chamado princípio da relatividade de Galileu, que estabelece
que as leis físicas são as mesmas para observadores em movimento relativo uniforme, quando o espaço e o tempo são considerados
independentes entre si e absolutos.

2. Movimento dos Projéteis
Galileu empreendeu uma série de estudos sobre a queda livre dos corpos. Dessa forma, estabeleceu as equações básicas do movimento
uniformemente acelerado, embora o tenha feito para o caso específico da queda livre. Compreendeu ainda que a trajetória dos
projéteis, na ausência da resistência do ar, é uma parábola.

3. Movimento do Pêndulo Simples
Galileu percebeu que o período do movimento pendular não depende da amplitude (conhecido como isocronismo do pêndulo). Este fato,
devidamente trabalhado por Huyghens, veio a revolucionar a forma de medir intervalos de tempo e, portanto, de construir relógios.
Medidas de tempo são imprescindíveis na observação dos fenômenos físicos.

Foi, entretanto, na Astronomia que Galileu realizou o trabalho mais polêmico. Em 1609 aperfeiçoou o telescópio e, através da
interpretação que deu ao que nele observava, lançou novas luzes sobre o Universo em que vivemos, mas, principalmente, estabeleceu
um novo procedimento para chegar ao conhecimento da Natureza e mudou a visão de mundo dominante na época.

O telescópio astronômico de Galileu ampliava a área dos objetos mil vezes, além de reduzir cerca de 30 vezes a distância aparente.
Não foi, entretanto, trivial para os estudiosos da época acreditar que o que se via através daquele instrumento era a realidade
física do céu, e não “uma ilusão óptica”, como alguns preconizavam. Com esta dúvida, as próprias observações de Galileu seriam
contestáveis, quanto mais as conclusões que dela decorriam, que, além do mais, contrariavam “conhecimentos” astronômicos
consagrados na época. Sendo tão marcantes as conseqüências de sua atitude de pesquisador experimental com instrumentação nova,
talvez valha a pena conhecer sua própria descrição do seu equipamento de trabalho:

Há alguns meses chegou aos nossos ouvidos o rumor de que um instrumento ótico havia sido elaborado por um holandês, com a ajuda
do qual objetos visíveis, embora muito distantes do olho do observador, eram distintamente vistos como se estivessem perto, e
algumas histórias sobre esse efeito maravilhoso circularam, às quais alguns deram crédito e outros negaram. O mesmo me foi
confirmado alguns dias depois por uma carta enviada de Paris pelo nobre francês Jacob Badovere, o que constitui finalmente a
razão para que eu me dedicasse inteiramente em buscar a teoria e descobrir os meios pelos quais eu pudesse chegar à invenção de um
instrumento similar, objetivo que atingi um pouco mais tarde, pela consideração da teoria da refração; e preparei pela primeira vez
um tubo de chumbo em cujas extremidades fixei duas lentes, ambas planas de um lado, sendo uma esfericamente convexa, a outra
côncava do outro lado.

Com as observações experimentais, Galileu ampliou o conhecimento astronômico em vários aspectos:

1.
verificou que a Lua tem uma superfície irregular como a da Terra:
a
superfície da Lua não é perfeitamente lisa, livre de desigualdades e exatamente
esférica, como uma grande escola de filósofos considera com relação à Lua e a
outros corpos celestes, mas, pelo contrário, é cheia de desigualdades, áspera,
cheia de cavidades e protuberâncias, como a superfície da própria Terra, que varia
por toda parte por elevadas montanhas e vales profundos;

2. estabeleceu que os planetas são esféricos: os planetas apresentam os seus discos perfeitamente redondos,
exatamente como se fossem descritos com um compasso, e aparecem como muitas Luas pequenas, completamente iluminados e de forma
globular
;

3. e que existem estrelas que não podem ser vistas a olho nu: as Estrelas fixas não são visíveis a olho nu como
se estivessem limitadas por uma circunferência circular, mas, antes, como labaredas de luz lançando raios para todos os lados e
muito lampejantes, e com o telescópio eles aparecem com o mesmo formato como se fossem vistas simplesmente olhando-se para elas
.

4. Observou que Júpiter tem satélites: há estrelas nos céus movendo-se em torno de Júpiter, como Vênus e Mercúrio
em torno do Sol
;

5. e que Vênus e Mecúrio são planetas: Vênus e Mercúrio giram em torno do Sol, como o fazem também todos os
demais planetas. Uma verdade em que na realidade acreditavam a Escola pitagórica, Copérnico e Kepler, mas jamais provada pela
evidência de nossos sentidos, como o é agora no caso de Vênus e Mercúrio.

6. E ainda entendeu o que é a via Láctea: …nada mais do que uma massa de inúmeras estrelas plantadas juntas em
aglomerados.

Poderá estar se questionando, o que teria de polêmico ou revolucionário
em usar um novo instrumento, descobrir que a Lua tem crateras, defender que as
trajetórias dos planetas têm o Sol como centro ou observar estrelas antes invisíveis?
Estas questões, hoje aparentemente independentes, não o eram para a filosofia
natural aristotélica, defendida na época não só pelos religiosos mas por grande
parte dos pensadores que se preocupavam com esses estudos.

No seu livro Diálogo sobre os Dois Principais Sistemas do Mundo, publicado
em 1632, em Florença, suas idéias são apresentadas como um debate entre três personagens
da cidade de Veneza. Um deles, Salviatus, defende as idéias do autor; Sagredus
é um leitor inteligente, e Simplicius um representante do pensamente aristotélico.
A própria escolha do nome do defensor das idéias aristotélicas indica a ironia
do autor. Parte desses diálogos tornou-se popular através da peça teatral de Brecht,
Galileu Galilei.

Talvez pela forma de Galileu argumentar sobre os fenômenos com análise quantitativa e cuidadosa, contrariando procedimentos e visão
de mundo que eram aceitos há séculos e defendidos, como dissemos, por setores poderosos, não só da Igreja mas também por cientistas
de prestígio, aliada ao seu estilo polêmico, apaixonado, e um tanto irônico quando se referia aos que defendiam idéias diferentes das
suas, ele sofreu um processo que o obrigou, para salvar sua vida, a abjurar seus “erros e heresias”. Como já mencionamos, a Igreja
em 1616 condenou a idéia do heliocentrismo num édito, ou seja, num documento público, por considerá-la herética (contrária à “verdade
divina”). Galileu foi acusado de estar contrariando uma verdade divina ao defender o heliocentrismo, e por isto foi julgado pelo
Santo Ofício da Igreja Católica. Para salvar a sua vida Galileu fez a seguinte declaração no dia 22 de junho de 1633:

Eu, Galileu Galilei, filho do falecido Vincenzio Galilei de Florença, com a idade de setenta anos (*), sendo trazido pessoalmente a
julgamento, e ajoelhado diante de vós, Eminentíssimos e Reverendíssimos Lordes Cardeais, Inquisidores Gerais da Comunidade Cristã
Universal contra a depravação herética, tendo diante de meus olhos o Sagrado Evangelho que toco com as minhas próprias mãos, juro que
sempre acreditei, e com a ajuda de Deus, acreditarei no futuro, em todo artigo que a Santa Igreja Católica Apostólica Romana mantém,
ensina e prega. Mas por ter sido ordenado, por este Conselho, a abandonar completamente a falsa opinião que mantém que o Sol é o
centro e imóvel, e proibido de manter, defender ou ensinar a referida falsa doutrina de qualquer maneira… Estou desejoso de remover
das mentes de nossas Eminências, e de todos Cristão Católico, essa veemente suspeita acertadamente mantida a meu respeito, portanto,
com sinceridade de coração e fé genuína, eu abjuro, maldigo e detesto os referidos erros e heresias, e, de modo geral, todos os
outros erros e seitas contrários à referida Santa Igreja; e juro que jamais no futuro direi ou asseverarei seja o que for, verbalmente
ou por escrito, que possa motivar uma suspeita similar de mim; mas que se eu souber de algum herético, ou de alguém suspeito de
heresia, denunciá-lo-ei a este Santo Conselho, ou ao Inquisidor ou Ordinário do lugar em que seu esteja. Juro, mais ainda, e prometo
que cumprirei e observarei plenamente todas as penitências que a mim tenham sido ou venham a ser impostas por este Santo Conselho.
Mas, caso aconteça que eu viole qualquer de minhas promessas, juramentos e protestos citados (que Deus evite!), eu me sujeito a todas
as dores e punições decretadas e promulgadas pelos sagrados cânones e outras constituições gerais e particulares contra delinqüentes
dessa descrição. Assim, que Deus me ajude, e Seu Sagrado Evangelho, que eu toco com as minhas próprias mãos; eu, o acima citado
Galileu Galilei, abjurei, jurei, prometi e me comprometo como acima; e, em testemunho do que, com a minha própria mão subscrevi
o presente escrito de minha abjuração, que eu recitei palavra por palavra.

Conta-se que, imediatamente após a “confissão” diante do Santo Ofício, Galileu teria dito: Eppur si muove!, ou seja, “Não
obstante, ela se move!”, referindo-se ao planeta Terra.

A “confissão” acima salvou-lhe a vida, mas Galileu foi obrigado a uma forma de
reclusão, parecida com a atual prisão domiciliar, e morreu em uma vila próxima
de Florença nove anos depois do citado processo. Nesse período, porém, ainda publicou
um trabalho referente à mecânica e resistência dos materiais. Nos últimos dois
anos de sua vida, já cego, ditou aos seus discípulos Evangelista Torricelli (1608
– 1647) e Vincenzo Viviani (1622 – 1703), suas últimas idéias sobre a teoria do
impacto. Esses dois matemáticos italianos fundaram em 1657 a Academia del Cimento
( Academia da Experiência), uma das primeiras instituições científicas do mundo
ocidental. Galileu faleceu em Arcetri, próximo de Florença, em janeiro de 1642.
Mas seu trabalho de revolucionar a visão de mundo até então vigente já havia sido
realizado.

Cumpre acrescentar que o Papa João Paulo II, em nome da Igreja, reconheceu o erro
cometido pela Igreja no processo contra Galileu.

Além de privilegiar a observação para o entendimento de um fenômeno natural, Galileu
introduziu a incorporação da linguagem matemática à ciência moderna, transformando
o conhecimento num saber ativo, isto é, que não se limita a contemplar a natureza,
mas consegue até transformá-la através da técnica. Por outro lado, no contexto
moderno, ao contrário do que ocorreu até a Idade Média, o conhecimento passa a
ser fragmentado em ciências particulares, produzindo uma visão parcial e especializada
do mundo.

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