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História da Mecânica: 8. A Mecânica Pós-Newton

by Lucas Gomes

As idéias desenvolvidas por Galileu, Huyghens e Newton apresentavam aos cientistas, até o final do século XVII, pontos que não
estavam perfeitamente claros e concatenados.

Houve, a partir do século XVIII, um trabalho de organização dessas contribuições, que levou a uma melhor compreensão dessas idéias
e permitiu também o desenvolvimento de novas formulações da teoria da mecânica. Essas formulações constituem a chamada mecânica
analítica ou mecânica racional. Em linhas muito gerais, pode-se dizer que elas partem de princípios estabelecidos como gerais no
universo físico, sobre os quais repousa a teoria da Mecânica Clássica, e se desenvolvem de forma coerente e matematicamente rigorosa.
Não se trata de outra teoria no sentido de que nela se chega às mesmas equações básicas do movimento, mas o ponto de partida e o
desenvolvimento matemático que leva às equações básicas do movimento é diferente na teoria apresentada nos “Principia” e nas
formulações da chamada mecânica analítica.

Além disso, a teoria newtoniana era universal mas foi focalizada na descrição do movimento do ponto material, que na visão
mecanicista é o constituinte básico de qualquer matéria que se movimente. Os sistemas físicos reais são compostos de muitos pontos,
sejam eles corpos rígidos, onde estes pontos têm distâncias fixas entre si, seja nos movimentos de sistemas ou meios fluidos, como
os líquidos, onde os muitos pontos que os compõem podem ter distâncias entre si variáveis no tempo. Tanto a teoria para descrever o
movimento dos corpos rígidos quanto a teoria dos “meios contínuos”, que descreve o movimento dos fluidos foram construídas a partir
do século XVIII, com base na teoria para um ponto material.


Jean Bernouilli

Para se ter uma pequena idéia da evolução da mecânica após Newton, basta comparar
a formulação das leis básicas da mecânica nos considerados bons textos atuais
de nível básico com a formulação dos “Principia” de Newton. Uma primeira leitura
pode dar a impressão de que os textos atuais e os “Principia” tratam de assuntos
distintos. Este aspecto já foi mencionado quando foi transcrita parte da formulação
newtoniana. Estamos admitindo aqui que o leitor conhece um pouco a atual formulação
da mecânica devida a Newton.

Para mencionar algumas das inúmeras e importantes contribuições para a mecânica
pós-Newton, citamos o Princípio dos Trabalhos Virtuais estabelecido por Jean Bernouilli,
em 1717. Com este princípio é estabelecido o conceito de conservação de energia
de forma mais geral do que havia sido feito anteriormente. Esse fato está aqui
citado porque a energia se torna uma grandeza central na formulação da mecânica
clássica no período pós-newtoniano.


Euler

Outra contribuição que cabe mencionar deveu-se a Euler (1707 – 1783). Euler trabalhou
em diferentes aspectos da mecânica. A ele se deve o conceito de força como entendido
hoje, ou seja, a força (que ele denominava de potência) é a grandeza responsável
pela mudança do estado de movimento de uma partícula. Euler propôs um esquema
de decomposição de força, que é o precursor do método atual de decompor a força
em componentes: “se num corpo atuam várias forças, podemos imaginar o corpo dividido
em igual número de partes de tal forma que cada uma das forças atua sobre uma
dessas partes”.

O seu trabalho de 1736 “Mechanica sine motus scientia analytice exposita
é apontado por alguns autores como o primeiro merecedor do nome de mecânica racional.
Por isso talvez tenha sido o primeiro a empregar a Análise matemática – o cálculo
diferencial e integral na formulação da mecânica. Embora o cálculo diferencial
e integral tenha sido criado, quase que simultaneamente, por Newton (com o nome
de fluxons) e Leibnitz, nos “Principia”, Newton fez uso apenas do aspecto geométrico
do cálculo.

Em 1760, Euler publicou a Theoria motus corporum solidorum seu rigidorum,
onde define um corpo rígido com precisão a partir da conservação das distâncias
entre quaisquer dois pontos no corpo, além de definir o centro de massa e o momento
de inércia dos corpos rígidos.

Euler estudou o movimento de um corpo rígido em torno de um eixo fixo e esclareceu o conceito de eixos principais de inércia. Estudou
ainda o movimento de um sólido qualquer, decompondo-o em um movimento de translação do centro de massa e um movimento de rotação
em torno do centro de massa. Estabeleceu, assim, as equações básicas do movimento do corpo rígido.


Louis de Lagrange

O trabalho iniciado por Euler de racionalizar a mecânica teve na contribuição
de Louis de Lagrange (1736 – 1813) o seu momento alto. Em seu famoso trabalho
Mecanique Analytique, publicado em 1788, a mecânica é apresentada numa
nova formulação, hoje conhecida como formalismo lagrangeano. Esse formalismo,
devidamente estendido, foi utilizado em muitos dos desenvolvimentos teóricos do
século XX.

Lagrange analisou com profundidade e objetividade os trabalhos de seus antecessores e contemporâneos e enriqueceu o seu próprio
trabalho também como referência histórica de tudo que havia sido construído até a sua época. Esse conhecimento permitiu que sua
teoria de mecânica fosse capaz de eliminar as contradições ou falta de articulação dos trabalhos de seus antecessores. Sua
preocupação primordial parece ter sido o fundamento dos princípios da teoria, a perfeição da linguagem matemática e o desenvolvimento
de um método analítico geral capaz de chegar à solução última de questões de movimento, ou seja, de solução de problemas de mecânica.
Nas preliminares de seu trabalho Lagrange detalha seus principais objetivos da seguinte forma:

reduzir a teoria de mecânica e a arte de resolver problemas associados a ela a uma formulação geral, de forma que a sua simples
utilização forneça as equações necessárias para a solução de cada problema.

E mais:

unir e apresentar, de uma forma clara, os diferentes princípios que fundamentam a teoria de modo que auxiliem na solução de
problemas de mecânica; mostrando sua dependência mútua e julgando sua validade e interpretações possíveis.


Fermat

Um dos princípios básicos da mecânica clássica no tratamento de Lagrange é o chamado “princípio de mínima ação”, que foi
estabelecido dentro de uma grande polêmica entre os pesquisadores da época. Esse princípio na mecânica se inspirou no princípio
estabelecido em 1622, por Fermat, segundo o qual a luz escolhe o caminho que minimiza o tempo de seu percurso em qualquer meio
onde se propague; o que explicava os fenômenos de reflexão e de refração da luz.

O “princípio de mínima ação” da mecânica minimiza uma grandeza chamada ação, que não discutiremos neste texto. Ele foi inicialmente
introduzido por Maupertuis e foi desenvolvido também por Euller, antes de Lagrange, e por Hamilton, posteriormente a
Lagrange.


Maupertuis

Em relação ao interesse de Lagrange quanto ao aspecto puramente matemático de seu trabalho declarou: não serão encontrados
diagramas neste trabalho. Os métodos apresentados não requerem construção geométrica nem argumentos mecânicos, mas apenas
operações algébricas inerentes a um processo regular e uniforme. Aqueles que apreciam a Análise (matemática) apreciarão ver a
mecânica se tornando um novo ramo dela e serão gratos a mim por ter ampliado esta área.

Em dois trabalhos publicados em 1834 e 1835, Hamilton apresenta o seu formalismo para resolver um problema geral de mecânica, hoje
conhecido como formalismo hamiltoniano. Ele usou o seu profundo conhecimento e contribuições no estudo da óptica para avançar na
racionalização da mecânica. Uma extensão do formalismo de Hamilton para os questões de movimento de sistemas de dimensões
atômico-moleculares ou menores, conhecida como mecânica ondulatória, foi desenvolvida neste século por Schrödinger, sendo das
mais utilizadas na chamada física quântica.


Coriolis

De grande relevância para entender o movimento do ponto de vista de um referencial acelerado foi o trabalho de Coriolis. Ele
realizou estudos sobre a lei da composição das acelerações. Nas suas palavras, seu objetivo era “descrever o movimento de qualquer
máquina na qual certas partes se movem de uma certa forma”. Com isto, em 1831, pôde estabelecer a necessidade de somar às forças de
interação as chamadas forças inerciais para determinar o movimento observado no sistema acelerado. Uma destas forças é conhecida
como força de Coriolis. O fato de a Terra ser efetivamente um sistema em rotação em relação ao seu próprio eixo, além de executar um
movimento de rotação em torno do Sol, dá uma idéia da importância de se saber descrever o movimento de referenciais acelerados.


Foucault

Em 1851, Foucault (1819 – 1868) publicou um artigo em que demonstra, através de medidas experimentais do real movimento de um pêndulo,
que a Terra tem um movimento de rotação em torno do seu eixo. Foucault constatou o deslocamento angular do plano de oscilação de um
pêndulo; e a medida deste deslocamento se mostrou compatível com o esperado pelo efeito da rotação da Terra em torno de seu eixo com
um período de 24 horas.

Outra área bastante desenvolvida na fase pós-newtoniana foi o movimento dos fluidos, que é conhecido como dinâmica dos fluidos ou
hidrodinâmica.


Daniel Bernoullius

Em 1738, Daniel Bernoullius publicou um trabalho que abordava a estática (situação
de equilíbrio) e a dinâmica (situação de movimento) de fluidos. Ele resolveu uma
enorme gama de problemas que desafiavam o conhecimento na época. Esse trabalho
ainda é a base para a hidrodinâmica atual.

Não se pode deixar de mencionar que D’Alembert e Euler também deram contribuições
importantes nesta área.

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