Home EstudosLivros Mênon, de Platão

Mênon, de Platão

by Lucas Gomes

Mênon

é um dos
diálogos menores de Platão. Nele o autor coloca Sócrates dialogando com o estudante
Mênon, o qual pretende que Sócrates lhe explique o que é a virtude, se pode
ser ensinada. Em uma certa passagem do diálogo Mênon pede ao mestre que lhe
explique o por que de sua opinião sobre o aprendizado. Pois Platão, através
de Sócrates, propõe que nada aprendemos, mas apenas nos recordamos de conceitos
que já sabíamos através de nossa alma. O Sócrates de Platão passa a demonstrar
essa afirmação usando conceitos matemáticos.

No diálogo ele mostra que um escravo não precisa aprender sobre a verdade da
matemática para resolver uma questão. O importante seria como esse conhecimento
é retirado do próprio saber de alguém. O filósofo grego, por meio de algumas
indagações, faz lembrar no escravo algo nunca ensinado. Essa passagem marcante
no pensamento ocidental resgata uma preocupação antiga, mas extremamente atual
se a nossa atenção estiver voltada para um certo tipo de sociedade, que, para
Platão, deve ter a participação de seus habitantes. O discípulo de Sócrates
entendia que o ideal de educação é formar um indivíduo cidadão atuante na sua
comunidade, que não seja apenas centrado em si mesmo.

No Mênon, a discussão que Platão propõe sobre a virtude não chega
a um termo. Mas, com isso, ele quer mostrar a dificuldade que envolve a questão.
A preocupação inicial de Mênon, quando pergunta a Sócrates se a virtude pode ser
ensinada ou adquirida pelo hábito, será convertida gradualmente numa questão
central e anterior a todas aquelas apresentadas pelo Mênon, ou seja, o que é a
virtude. Platão, no entanto, prefere deixar a questão em aberto, alertando para
o ponto principal de qualquer investigação, isto é, é preciso antes de mais nada
que se defina a coisa de que se está falando. Assim, não basta dizer que há
várias virtudes, mas é preciso que se encontre uma definição que valha para
todas as virtudes.

O diálogo

Mênon: – Seja, Sócrates! Entretanto, o que é que te
leva a dizer que nada aprendemos e que o que chamamos de saber nada mais é do
que recordação? Poderias provar-me isso?
Sócrates: – Não faz muito, excelente Mênon, que te
chamei de habilidoso! Perguntas se te posso ensinar, quando agora mesmo afirmei
claramente que não há ensino, mas apenas reminiscência; estás procurando
precipitar-me em contradição comigo mesmo!
Mênon: – Não, por Zeus, caro Sócrates! Não foi com
essa intenção que fiz a pergunta, mas apenas levado pelo hábito. Todavia, se te
é possível mostrar-me de qualquer modo que as coisas de fato se passam assim
como o dizes, demonstra-mo, pois esse é o meu desejo!
Sócrates: – Não é uma tarefa fácil o que pedes;
fá-la-ei, entretanto, de boa vontade, por se tratar de ti. Chama a qualquer um
dos escravos que te acompanham, qualquer um que queiras, a fim de que por meio
dele eu possa fazer a demonstração que pedes.
Mênon: – Com prazer. (Dirigindo-se a um de seus
escravos moços): Aproxima-te!
Sócrates: – Ele é grego e fala grego?
Mênon: – Sim; nasceu em minha casa.
Sócrates: – Então, caro Mênon, presta bem atenção, e
examina com cuidado se o que ele faz com meu auxílio é recordar-se ou aprender.

Mênon: – Observarei com cuidado.
Sócrates: – (Voltando-se para o escravo ao mesmo tempo
que traça no solo as figuras necessárias à sua demonstração): Dize-me, rapaz:
sabes o que é um quadrado?
Escravo: – Sei.
Sócrates: – Não é uma figura, como esta, de quatro
lados iguais?
Escravo: – É.
Sócrates: – E estas linhas, que cortam o quadrado pelo
meio, não são também iguais?
Escravo: – São.
Sócrates: – Esta figura poderia ser maior ou menor,
não poderia?
Escravo: – Poderia.
Sócrates: – Se, pois, este lado mede dois pés e este
também dois pés, quantos pés terá a superfície deste quadrado? Repara bem: se
isto for igual a dois pés e isso igual a um pé, a superfície não terá de ser o
resultado de uma vez dois pés?
Escravo: – Terá.
Sócrates: – Mas este lado mede também dois pés;
portanto a superfície não é igual a duas vezes dois pés?
Escravo: – É.
Sócrates: – A superfície por conseguinte mede duas
vezes dois pés?
Escravo: – Mede.
Sócrates: – E quanto iguala duas vezes dois pés? Conta
e dize!
Escravo: – Quatro, Sócrates.
Sócrates: – E não nos seria possível desenhar aqui uma
outra figura, com área dupla e de lados iguais como esta?
Escravo: – Sim, seria.
Sócrates: – E quantos pés, então, mediria a sua
superfície?
Escravo: – Oito.
Sócrates: – Bem; experimenta agora responder ao
seguinte: que comprimento terá cada lado da nova figura? Repara: o lado deste
mede dois pés, quanto medirá, então, cada lado do quadrado de área dupla?
Escravo: – É claro que mede o dobro daquele.
Sócrates: – (A Mênon): Vês, caro Mênon, que nada
ensino, e que nada mais faço do que interrogá-lo? Este rapaz agora pensa que
sabe quanto mede a linha lateral que formará o quadrado de oito pés. És da minha
opinião?
Mênon: – Sou.
Sócrates: – Mas crês que ele de fato saiba?
Mênon: – Não, não sabe.
Sócrates: – Mas ele está convencido de que o quadrado
de área dupla tem também o lado duplo, não é?
Mênon: – Está, sem dúvida.
Sócrates: – Observa como ele irá recordando pouco a
pouco, de maneira exata. Responde-me (disse voltando-se para o escravo): tu
dizes que uma linha dupla dá origem a uma superfície duas vezes maior?
Compreende-me bem: não falo de uma superfície longa de um lado e curta de outro.
O que procuro é uma superfície como esta, igual em todos os sentidos, mas que
possua uma extensão dupla, ou mais exatamente, de oito pés. Repara agora se ela
resultará do desdobramento da linha.
Escravo: – Creio que sim.
Sócrates: – Será, pois, sobre esta linha que se
construirá a superfície de oito pés, se traçarmos quatro linhas semelhantes?
Escravo: – Sim.
Sócrates: – Desenhemos então os quatro lados. Esta é a
superfície de oito pés?
Escravo: – É.
Sócrates: – E agora? Não se encontram, porventura,
dentro dela estas quatro superfícies, das quais cada uma mede quatro pés?
Escravo: – É verdade!..
Sócrates: – Mas então? Qual é esta área? Não é o
quádruplo?
Escravo: – Necessariamente.
Sócrates: – O duplo e o quádruplo são a mesma coisa?

Escravo: – Nunca, por Zeus!
Sócrates: – E que são, então?
Escravo: – Duplo significa duas vezes; e quádruplo,
quatro vezes.
Sócrates: – Por conseguinte, esta linha é o lado de um
quadrado cuja área mede quatro vezes a área do primeiro?
Escravo: – Sem dúvida.
Sócrates: – E quatro vezes quatro dá dezesseis, não é?

Escravo: – Exatamente.
Sócrates: – Mas, então, qual é o lado do quadrado da
área dupla? Este lado dá o quádruplo, não dá?
Escravo: – Sim.
Sócrates: – A superfície de quatro pés quadrados tem
lados de dois pés?
Escravo: – Tem.
Sócrates: – O quadrado de oito pés quadrados é o dobro
do quadrado de quatro e a metade do quadrado de dezesseis pés, não é?
Escravo: – É.
Sócrates: – E seu lado, então, não será maior do que o
lado de um e menor do que o de outro desses dois quadrados?
Escravo: – Será.
Sócrates: – Bem; responde-me: este lado mede dois pés
e este quatro?
Escravo: – Sim.
Sócrates: – Logo, o lado da superfície de oito pés
quadrados terá mais do que dois e menos do que quatro pés.
Escravo: – Tem.
Sócrates: – Experimenta, então, reponder-me: qual é o
comprimento desse lado?
Escravo: – Três pés.
Sócrates: – Pois bem: se deve medir três pés,
deveremos acrescentar a essa linha a metade. Não temos três agora? Dois pés
aqui, e mais um aqui. E o mesmo faremos neste lado. Vê!, agora temos o quadrado
de que falaste.
Escravo: – Ele mesmo.
Sócrates: – Repara, entretanto: medindo este lado três
pés e o outro também pés, não se segue que a área deve ser três pés vezes três
pés?
Escravo: – Assim penso.
Sócrates: – E quanto é três vezes três?
Escravo: – Nove.
Sócrates: – E quantos pés deveria medir a área dupla?

Escravo: – Oito.
Sócrates: – Logo a linha de três pés não é o lado do
quadrado de oito pés, não é?
Escravo: – Não, não pode ser.
Sócrates: – E então? Afinal, qual é o lado do quadrado
sobre que estamos discutindo? Vê se podes responder a isso de modo correto! Se
não queres fazê-lo por meio de contas, traça pelo menos na areia a sua linha.

Escravo: – Mas, por Zeus, Sócrates, não sei!
Sócrates: – (Voltando-se para Mênon): Reparaste, caro
Mênon, os progressos que a sua recordação fez? Ele de fato nem sabia e nem sabe
qual é o comprimento do lado de um quadrado de oito pés quadrados; entretanto,
no início da palestra, acreditava saber, e tratou de responder categoricamente,
como se o soubesse; mas agora está em dúvida, e tem apenas a convicção de que
não o sabe!
Mênon: – Tens razão.
Sócrates: – E agora não se encontra ele, não obstante,
em melhores condições relativamente ao assunto?
Mênon: – Sem dúvida!
Sócrates: – Despertando-lhe dúvidas e paralisando-o
como a tremelga, acaso lhe causamos algum prejuízo?
Mênon: – De nenhum modo!
Sócrates: – Sim, parece-me que fizemos uma coisa que o
ajudará a descobrir a verdade! Agora ele sentirá prazer em estudar este assunto
que não conhece, ao passo que há pouco tal não faria, pois estava firmemente
convencido de que tinha toda razão de dizer e repetir diante de todos que a área
dupla deve ter o lado duplo!
Mênon: – É isso mesmo.
Sócrates: – Crês que anteriormente a isto ele procurou
estudar e descobrir o que não sabia, embora pensasse que o sabia? Agora, porém,
está em dúvida, sabe que não sabe e deseja muito saber!
Mênon: – Com efeito.
Sócrates: – Diremos, então, que lhe foi vantajosa a
paralisação?
Mênon: – Como não!
Sócrates: – Examina, agora, o que em seguida a estas
dúvidas ele irá descobrir, procurando comigo. Só lhe farei perguntas; não lhe
ensinarei nada! Observa bem se o que faço é ensinar e transmitir conhecimentos,
ou apenas perguntar-lhe o que sabe. (E, ao escravo): Responde-me: não é esta a
figura de nosso quadrado cuja área mede quatro pés quadrados?
Escravo: – É.
Sócrates: – A este quadrado não poderemos acrescentar
este outro, igual?
Escravo: – Podemos.
Sócrates: – E este terceiro, igual aos dois?
Escravo: – Podemos.
Sócrates: – E não poderemos preencher o ângulo com
outro quadrado, igual a estes três primeiros?
Escravo: – Podemos.
Sócrates: – E não temos agora quatro áreas iguais?
Escravo: – Temos.
Sócrates: – Que múltiplo do primeiro quadrado é a
grande figura inteira?
Escravo: – O quádruplo.
Sócrates: – E devíamos obter o dobro, recordaste?
Escravo: – Sim.
Sócrates: – E esta linha traçada de um vértice a outro
da cada um dos quadrados interiores não divide ao meio a área de cada um deles?

Escravo: – Divide.
Sócrates: – E não temos assim quatro linhas que
constituem uma figura interior?
Escravo: – Exatamente.
Sócrates: – Repara, agora: qual é a área desta figura?

Escravo: – Não sei.
Sócrates: – Vê: dissemos que cada linha nestes quatro
quadrados dividia cada um pela metade, não dissemos?
Escravo: – Sim, dissemos.
Sócrates: – Bem; então quantas metades temos aqui?
Escravo: – Quatro.
Sócrates: – E aqui?
Escravo: – Duas.
Sócrates: – E em que relação aquelas quatro estão para
estas duas?
Escravo: – O dobro.
Sócrates: – Logo, quantos pés quadrados mede esta
superfície?
Escravo: – Oito.
Sócrates: – E qual é seu lado?
Escravo: – Esta linha.
Sócrates: – A linha traçada no quadrado de quatro pés
quadrados, de um vértice a outro?
Escravo: – Sim.
Sócrates: – Os sofistas dão a esta linha o nome de
diagonal e, por isso, usando esse nome, podemos dizer que a diagonal é o lado de
um quadrado de área dupla, exatamente como tu, ó escravo de Mênon, o afirmaste.

Escravo: – Exatamente, Sócrates!

Posts Relacionados