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Roque Santeiro, de Dias Gomes

by Lucas Gomes

Análise da obra

A peça O berço do herói (mais tarde Roque Santeiro)
deveria ter sido encenada pela primeira vez em 1965, mas o Brasil passava pela
ditadura militar e, duas horas antes da estréia, a peça foi proibida pela
censura. Isso aconteceu devido ao fato da peça abordar o tema do mito (herói
militar), desconstruindo esse mito.

Temos no livro dois enfoques da história: a real – Roque foi
um covarde e fugiu da guerra – e a ideal – Roque foi um herói e deu a vida pelo
país.

A obra trata da necessidade do brasileiro de criar figuras
maravilhosas. Para isso, expõe a carência das pessoas ao crerem em alguém que é
o ser humano ‘ideal’, dotado de virtudes que não temos. A partir disso, aqueles
que são mais espertos passam a explorar essa imagem e o mito se consolida.
Depois de consolidado, entretanto, aqueles que o criaram acabam perdendo o
controle sobre ele e ele passa a ter uma importância que ultrapassa até o bom
senso. O mito é também incorporado ao progresso.

Roque precisava morrer, porque ele era um ‘herói’ e essa
imagem é mais importante do que a realidade. A personalidade verdadeira do Cabo
Roque é totalmente diferente da do herói Roque. O primeiro é um covarde, egoísta
e o segundo é cheio de virtudes, como a coragem e o nacionalismo. O que complica
tudo isso é o fato dele ser um herói militar, de quem se espera bravura. Ele ter
fugido da guerra acaba com a idealização em torno das Forças Armadas.

Tempo

A história acontece no período da Segunda Guerra Mundial e
Roque retorna à Asa Branca quinze anos depois do final da guerra, quando o governo
concedeu anistia aos desertores. Porém, é claro que Dias Gomes utiliza esse
tempo passado, como forma de se referir ao tempo em que o livro foi escrito,
na ditadura militar da década de 60. Por falar de um herói militar, Dias Gomes
tentou criticar o comportamento das Forças Armadas e só pôde fazer isso através
de uma história fictícia, deslocada do tempo real, ao qual ele se referia.

Espaço

A cidade de Asa Branca acaba se transformando em uma metonímia
do Brasil.

Linguagem

A linguagem do livro é muito coloquial e simples. Dias Gomes
inclui em seu texto palavras do linguajar popular, utilizando até mesmo palavra
chulas. Além disso, há em diversos fragmentos ressonâncias das cantigas populares
do Brasil.

Personagens

As personagens, em grande parte, são caricaturas de tipos que
articulavam o poder em nosso país.

Os militares são vistos, através do general, como
autoritários. Além disso, queriam manter o que estabeleciam como verdade, mesmo
que isso não fosse verdade. A morte de Roque era tida como verdade, então
precisava ser, ou seja, Roque vivo precisava morrer para que a palavra do
exército não fosse desmoralizada, custasse isso qualquer o preço.

A Igreja por sua vez, tem dois ângulos no livro. Tem um lado
crítico, que rejeita omito progresso, que esconde falsos valores, mas também
manipula beatas. Dias Gomes deixa bem clara sua opinião: no período da ditadura
foi omissa e muitas vezes conivente com os abusos. Sua preocupação era em manter
a falsa moral e não a verdade.

Os políticos como Florindo, o prefeito, demonstram que,
segundo Dias Gomes, o poder político não estava com quem tinha sido eleito pelo
povo, mas sim com aqueles que detinham o poder econômico, como o Sinhozinho
Malta. Malta é também o retrato do que ocorre nas cidades do interior do Brasil,
onde os poderosos amedrontam e dominam o povo.

Por outro lado, o capitalismo selvagem é analisado através de
quem explora a ingenuidade do povo, vendendo medalhas de um falso herói, como é
o caso de Zé das Medalhas. Diante de tudo isso, o povo (representado no livro
por Toninho Jiló) nunca conhece a verdade e acaba sempre sendo levado por aquilo
que os poderosos querem que ele acredite.

Dias Gomes questiona um conceito muito interessante do herói.
No lugar de simplesmente desconstruir essa figura, apresentando o anti-herói, o
autor procura demonstrar como o herói é construído.

Cabo Roque – Natural de Asa Branca, foi convocado a
participar da Segunda Guerra Mundial, contra os nazistas. No meio da guerra,
fugiu e se refugiou cerca de 15 anos na Europa. Antes de ir para a guerra,
porém, prometeu à Mocinha que voltaria para buscá-la. Anos depois, quando os
desertores receberam anistia do governo, voltou para ver Mocinha e encontrou sua
estátua na praça e percebeu que tinha se transformado em herói devido a uma
confusão. Sua fuga foi interpretada como um ato de coragem e ele foi tido por
toda a cidade como herói de guerra morto. Asa Branca enriqueceu às custas desse
mito, tornou-se uma cidade do progresso e Porcina, uma empregada que teve um
caso rápido com Roque, ganhou status de viúva de herói. Além dela, Chico Malta,
Zé das Medalhas e muitos outros exploravam a imagem e, por isso, se interessavam
em manter o mito.

Porcina – Uma mulher de 35 anos, muito vulgar e
despudorada. Morava em Salvador, onde era arrumadeira e se envolvia com os
soldados que iam ficar na hospedaria em que ela trabalhava. Foi assim que se
relacionou por uns dias com Roque. Um dia, conheceu Chico Malta, morador de Asa
Branca e se apaixonaram. Chico decidiu levá-la para Asa Branca, mas tinha medo
de ter problemas, porque era casado. Para resolver tudo, ambos inventaram a
estória de que ela era a viúva do falecido Cabo Roque que morrera lutando na
guerra. Assim, ela ficou rica e respeitada na cidade toda.

Sinhozinho Malta (Chico Malta) – Fazendeiro rico e
chefe político de Asa Branca. Corrupto e sem caráter, enriqueceu explorando o
mito de Roque Santeiro.

Florindo Abelha – Prefeito de Asa Branca, sem
personalidade, é o homem de confiança de Chico Malta, pois depende de seu
prestígio e se submete a ele. Tenta ser um administrador moderno, mas não manda
em nada.

Dona Pombinha – mulher do prefeito e mãe de Mocinha.
Sua religiosidade se aproxima do fanatismo.

Mocinha – Filha de Dona Pombinha e Florindo. Foi a
primeira namorada de Roque e depois que ele foi para a guerra e espalhou-se a
notícia de sua morte, decidiu ser casta. Tem um temperamento marcado pela
frustração sexual. Encarna a figura da ‘virgem abandonada’. É desencantada com o
amor, porque acha que Roque a traiu, casando-se com Porcina.

Padre Hipólito – Figura contraditória (representa a
contradição da Igreja no período militar). É a única pessoa da cidade que possui
uma visão crítica sobre o desenvolvimento desigual da cidade. Combate também as
prostitutas da cidade.

Zé das Medalhas – É o mais bem-sucedido de todos os
moradores da cidade. Enriqueceu fabricando medalhinhas do herói Roque. Monopoliza
esse comércio e quer expandir seus negócios para o exterior.

Matilde, Ninon e Roseli – Prostitutas da
cidade, Matilde é a proprietária do bordel. Querem construir uma boate chamada
Sexual, porém são impedidas pelo padre e pelas beatas.

Toninho Jiló – Representa o povo. É manipulado pelos
políticos e figurões da cidade.

General – Representa os militares. Ao ser comunicado
por Chico Malta sobre a volta de Cabo Roque, vai à Asa Branca atrás dele e não
admite que o exército passe pelo vexame de ter reverenciado um covarde, que
fugiu da guerra.

Enredo

Primeiro Ato

Primeiro Quadro – A peça tem início com uma batalha.
Soldado Roque, que carregava em uma das mãos um fuzil e na outra a bandeira
brasileira, foge da trincheira, com medo. Sua fuga é interpretada como um ato
corajoso , como se ele tivesse decidido enfrentar o exército inimigo sozinho, e
tivesse sido metralhado. Essa morte trágica encoraja os outros soldados, que
avançam em massa e derrotam as tropas nazistas na Itália. (Essa é a versão que
se espalhou por toda a cidade. Na verdade Roque, fugiu no meio de um bombardeio
e não morreu).

Segundo Quadro – Toninho Jiló (o povo) inicia esse
quadro cantando: Vamos, minha gente, vamos / melhorar nossa cultura / o ABC
de Cabo Roque / A estória que vão ler / se passou lá nas Oropa / e demonstra que
na guerra / brasileiro não é sopa / quando entra numa briga / não teme sujar a
roupa
.

Nessa parte, o autor passa a demonstrar a vida da cidade de
Asa Branca. Percebemos que o suposto feito heróico do cabo Roque elevou sua
cidade à categoria de berço do herói. O lugar passou a ser visitados por muitas
pessoas e ali foi construída uma estátua de Roque. Além disso, faziam festas
para comemorar data de nascimento, data de morte, data da primeira comunhão e
outras mais, tudo isso para explorar a figura do herói. Foi feito até um filme
contando sua história e medalhas eram vendidas por todos os lados.

Terceiro Quadro – A história praticamente começa nesse
quadro, pois Porcina está em casa com seu amante, Chico Malta. Conversavam sobre
o lucro que Roque dava àquela cidade, até pensavam em uma maneira de
transformá-lo em santo. Malta demonstra preocupação em esconder seu envolvimento
com Porcina, pois ele é casado. Ressalta que ela precisa ser vista por todos
como a viúva do morto, uma mulher virtuosa. Enquanto conversavam, Matilde, a
dona do bordel, bate na porta e Sinhozinho Malta sai pela porta dos fundos.
Matilde comenta com Porcina sua vontade de abrir uma boate e entrega dinheiro
para Porcina levar à igreja. Matilde convida Porcina a ir no bordel e ela
responde: Oxente, eu sou a viúva de Cabo Roque, viúva de um herói. Tenho que
manter a dignidade.

Quarto Quadro – Zé das Medalhas vai visitar o bordel e
leva medalhas de ouro de Roque para as meninas. Nessa quadro, o autor localiza o
leitor no estilo de vida dos moradores ilustres da cidade, todos os que viviam
em função do mito.

Quinto Quadro – É o início da complicação, pois chega
na cidade um rapaz de uns trinta e cinco anos, com uma maleta de viagem nas
mãos. Surpreso, pára diante da estátua aonde está escrito: “O povo a seu herói”.
Ao cruzar com Matilde na praça, pergunta o que é aquilo e ela explica que é o
herói da cidade, que fazia de Asa Branca um lugar importante. Acrescenta ainda
que Seu Chico Malta era quem cuidava de tudo. O rapaz decide procurá-lo e vai á
casa da viúva Porcina, pois Matilde indica esse lugar.

Sexto Quadro – Porcina abre a porta e quando encara o
rapaz, grita: Meu Deus!… Não, não pode ser! Tou vendo a alma de um
defunto… Como é que eu podia esquecer?
Roque… Diante dessa situação,
responde: …Nunca poderia esperar encontrar você, tanto tempo depois, na
primeira casa em que eu entro. Como veio parar aqui? Me disseram que aqui mora
uma viúva… É a sua patroa?

Na verdade, Roque se dirigiu à casa de Porcina, sem saber que
ela era a viúva dele. Eles se conheceram na época em que ele foi convocado para
o exército. Porcina era a empregada de uma pousada e eles chegaram a ter um
romance rápido.

Roque e Porcina relembram os velhos tempos e Porcina procura
omitir muita coisa, com medo da situação. Começa a seduzi-lo e o leva para
dentro. Cansado da viagem, Roque acaba dormindo.

Sétimo Quadro – Sinhozinho Malta chega na casa de
Porcina e se espanta com a história. Vai ao quarto dela, onde Roque dorme e
verifica que realmente é ele:

Malta: Ninguém deve saber. É preciso que ele não saia
daqui, que não apareça a ninguém. Até eu decidir o que vamos fazer. Não é só o
seu caso. A volta desse rapaz vai criar muitos casos.

Depois dessa conversa, Malta vai embora desesperado e ambos
prometem pensar rapidamente em uma solução.

Oitavo Quadro – Roque acorda cedo, antes de Porcina, e
vai passear pela praça onde encontra o padre Hipólito. O padre não o reconhece,
mas ele insiste: Não se lembra mais de mim? Fui seu coroinha… seu aluno de
catecismo. O padre finge lembrar, mas sai apressado para sua caminhada. Logo em
seguida, Porcina vem correndo e pede que ele não saia de casa, para que a cidade
não descubra que ele voltou e está vivo. Sem entender nada, Roque pensa que ela
se refere ao fato de ele ter abandonado a guerra, pensa que foi tido como
desertor. Percebendo isso, Porcina explica que a estátua da cidade era para ele
e que, para todos de Asa Branca, ele morreu lutando, dando a vida pela pátria, o
primeiro soldado brasileiro que morreu pela democracia. Roque se espanta ao
descobrir que é um herói.

Malta chega e Roque conta como fugiu da guerra, no meio de um
bombardeio, ficando apenas ferido no ombro. Confessa que foi um covarde e
completa: Talvez tenha feito coisas ainda piores pra não morrer. No meio dessa
constatação, percebendo a chegada de alguém, Roque se esconde. É o padre
Hipólito que veio buscar o dinheiro que a prostituta Matilde deu à Porcina e
aproveita para comentar com Malta o encontro na praça. O padre explica que
lembrou quem era depois e que era o Roque. Além disso, afirma que já comentou
com o prefeito e com Zé das Medalhas. Logo em seguida, chegam os dois
apavorados. Diante da comprovação, procuram o que fazer. Todos chegam à
conclusão que se o povo descobrir a verdade, Asa Branca vai acabar e com ela a
fonte da riqueza de todos ali. Resolvem então chamar Roque e propor que ele
volte à Itália. Diante da negação dele, Malta decide ir ao Rio denunciá-lo ao
exército.

Nono Quadro – (encenação) todos cantam: À sombra
dessa estátua / uma cidade cresceu / cresceu, cresceu, cresceu / à sombra dela
cresceu / E agora que fazer / Que a estátua virou / virou, virou, virou / de
novo gente virou
.

Segundo Ato

Décimo Quadro – O autor começa descrevendo a praça,
que está toda enfeitada com faixas e cartazes: Bem-vindo Cabo Roque – A cidade
recebe com orgulho seu heróico filho. O comentário geral é que Roque sobreviveu
á guerra e que está voltando para sua cidade.

No meio dessa confusão Chico Malta volta do Rio com um
general e fica surpreso diante da decoração do lugar. Porcina o chama e explica
que na ausência dele, todos decidiram contar para a cidade que ele está vivo e
inventaram a história de que ele ia chegar com todas as glórias que merece.
Malta gosta da idéia, chama o general e explica que Roque é um herói militar e
por isso merece as honras do exército. O general entretanto, não aceita ser
cúmplice dessa mentira e diz que essa decisão é incompatível com a dignidade
militar.

11º Quadro – Mocinha desconfia que Roque Santeiro já
estava em Asa Branca e entra na casa de Porcina escondida. Encontra Roque na
sala. A moça o questiona, inconformada porque acha que ele realmente é casado
com Porcina. Roque se surpreende com essa informação, mas não tem tempo de se
explicar para o seu grande amor, porque Porcina chega e a menina sai correndo.
Ele descobre finalmente, porque chamam a mulher de viúva: ela é viúva dele.
Porcina conta para Roque essa invenção de Malta para levá-la à Asa Branca sem
despertar a desconfiança da mulher do Sinhozinho. Entretanto, se oferece para
ser sua mulher de verdade, mas ele não aceita, alegando que é ele quem decide
sua vida. Porcina acaba deixando escapar que o general está na cidade e Roque
decide fugir para o bordel.

12º Quadro – As prostitutas o recebem e querem saber o
que ele fez durante todos esses anos. O autor se utiliza dessa cena para fazer
algumas reflexões sobre a questão do herói militar.

13º Quadro – Sinhozinho Malta procura Roque na casa de
Porcina e ela fala que ele fugiu. Malta começa a pensar em dar um fim nele,
crendo que essa é a melhor solução. Para a cidade que espera sua volta devido às
faixas espalhadas por todos os lugares, eles falariam que era um louco que se
fez passar por Roque. Porcina pede que o deixe fugir, mas Malta acha melhor não.

14º quadro – Chico Malta, Florindo e o general
procuram o fugitivo e vão ao bordel. Lá, o general passa a questioná-lo e ele
confirma ser o Cabo Roque. Isso deixa o militar com raiva, porque Roque era da
sua tropa na guerra. Além disso, havia um batalhão do exército que tinha o nome
dele. Percebendo que sua vida estava por um fio, o Cabo pergunta se eles querem
que ele volte para a Itália, porém, o general responde que não, pois ele pode
querer chantagear o exército e a honra militar não pode ficar nas mãos de um
canalha. Malta deixa os dois discutindo e sobe para conversar com Matilde e
promete patrocinar sua boate se ela der uma bebida envenenada a Roque. A
proposta é aceita e todos decidem ir embora. Roque fica sem entender nada, mas
fica bebendo com as meninas do bordel. Começa a sentir seu corpo cambalear e
cai. Isso coincide com a chegada das beatas à porta do bordel para protestarem
contra a abertura da boate, jogando pedras lá dentro.

15º quadro – Essa cena tem início com o corpo de Roque
estendido no bordel, com um lençol acima e velas em volta. Matilde explica que
uma das pedras jogadas pelas beatas atingiu a cabeça dele e isso foi fatal.
Pouca gente fica sabendo do ocorrido, pois nem sabiam da presença de Roque lá
dentro.

A culpa do homicídio recai sobre o padre e as beatas,
principalmente Mocinha que se sente culpada por também ter jogado pedras. Devido
a isso, o padre é obrigado a aceitar a boate na cidade. Malta propõe abafarem o
caso, alegando que se ele pudesse escolher, preferiria ter morrido na guerra.

16º quadro – As prostitutas conseguem abrir a Boate
Sexus. Na abertura o prefeito discursa.A peça termina com uma fala de Malta:
Assim, senhoras e senhores / foi salva a nossa cidade / Com pequenos sacrifícios
/ de nossa dignidade / com ligeiros arranhões / em nossa castidade / e algumas
hesitações / entre Deus e o Demônio / conseguimos preservar / todo o nosso
patrimônio.

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