Trigésimo nono poema de O guardador de rebanhos, de Alberto
Caeiro, heterônimo de Fernando Pessoa.
O sujeito poético neste poema, ao comparar-se com a árvore e
com o rio, pretende realçar a sua tese de não haver mistério
nas coisas.
Alberto Caeiro afirma-se um poeta onde diz que a realidade é apenas
o que é, e por isso não tem mistérios a desvendar, contrariando
tudo aquilo que as outras pessoas pensam sobre as coisas, acreditando que elas
contêm algo mais para além daquilo que é visível.
Vê-se também neste poema qual o assunto que toma a maior parte
de toda obra do poeta e faz-se presente em boa parte dos versos: o desaparecimento
da ilusão metafísica.
Poema na íntegra:
O mistério das cousas, onde está ele?
Onde está ele que não aparece
Pelo menos a mostrar-nos que é mistério?
Que sabe o rio disso e que sabe a árvore?
E eu, que não sou mais do que eles, que sei disso?
Sempre que olho para as cousas e penso no que os homens pensam delas,
Rio como um regato que soa fresco numa pedra.
Porque o único sentido oculto das cousas
É elas não terem sentido oculto nenhum,
É mais estranho do que todas as estranhezas
E do que os sonhos de todos os poetas
E os pensamentos de todos os filósofos,
Que as cousas sejam realmente o que parecem ser
E não haja nada que compreender.
Sim, eis o que os meus sentidos aprenderam sozinhos: –
As cousas não têm significação: têm existência.
As cousas são o único sentido oculto das cousas.