Home EstudosLivros Nada e a nossa condição (Conto de Primeiras estórias), de Guimarães Rosa

Nada e a nossa condição (Conto de Primeiras estórias), de Guimarães Rosa

by Lucas Gomes

Conto com narrador em primeira pessoa (testemunha), cujo personagem central é Tio Man’Antônio, mais um dos loucos iluminados de Guimarães Rosa.

O lugar (espaço) é uma utopia: … cuja sede distava de qualquer outra talvez mesmo dez léguas, dobrava-se na montanha… É a instauração do espaço ficcional.

Tio Man’Antônio, depois de casado resolve doar quase tudo que tem àqueles que trabalham com ele. É a iluminação: os haveres materiais de nada valem para ele.

Um dos recursos de linguagem utilizados: aliterações – …leigos, ledos, lépidos…, …dobrada dobadura, a derrubarem mato….

Nada e a nossa condição aproxima-se fortemente de As margens da alegria e Os cimos (respectivamente, primeiro e último contos da obra Sagarana) ao focalizar os pólos opostos dos elementos aéreo e terrestre, encenando a complementariedade do supreno e do inferno.

Neste conto, Tio Man’Antônio, é tão rico e bom como os reis dessas histórias tradicionais.

A narrativa inicia-se com o enterro da esposa da personagem principal, que, a partir desse instante, começa a realizar um movimento de desapego em que se esvazia das posses e abastece seus próximos. Desfaz o jardim predileto de sua falecida, o que dá a impressão de estar-se desfazendo das lembranças dela.

Em Nada e a nossa condição, tio Man’Antônio, que vive em uma fazenda da qual é proprietário, tem família constituída, com tia Liduína e suas filhas, mas desde o início da narrativa, ele é mostrado como um ser diferente, estranho em seu comportamento, segundo o paradigma do povo à sua volta.

Morre tia Liduína, há luto na casa, mas naquele dia, Tio Man’Antônio abre portas e janelas, certo de que a narrativa se constrói por um fazer, vários ou muitos.

Transitoriante, Tio Man’Antonio dá curso à vida em que o rompimento é pura aparência: muda o espaço, derruba árvores em volta da casa grande da fazenda, reconstrói a fisionomia do lugar e, quando uma das filhas, por não entender o pai, lhe pergunta se aquilo está certo, ouve dizer: Faz de conta, minha filha, faz de conta, velha maneira de lidar com a dor, relação reflexiva que o sustenta e tenta sustentar a relação com o outro, os outros que precisam entendê-lo para aceitá-lo.

Tio Man’Antônio, na situação inicial da história, parece um sujeito indiferente ao que acontece à sua volta a partir da perda da esposa Liduína, mas é sua maneira de enfrentar a dor, não fazendo com que ela, a dor, seja obstáculo para a continuidade da narrativa.

Há nesse percurso narrativo tempo de festa: vieram os moços, as filhas noivaram e casaram e mudaram-se para longe. Tio Man’Antônio, sozinho, mas não triste, dá curso à sua trajetória: os empregados continuam seu trabalho, a terra se agita em produção. Afinal, ao fim de forte pensar toma uma decisão, não contrária ao que já fizera: a distribuição de terras aos colonos, ficando ele na casa grande; a necessidade de partilhar corresponde à desconfiança de quem ainda não consegue entender o propósito de suas atitudes.

E chega um dia, como em toda narrativa, que é preciso pôr, até que aparentemente, um ponto final: morre o protagonista, os empregados vislumbram castigo de um plano transcendente. A casa, espaço em que ele está sendo velado (e estando sozinho), incendeia-se, faz-se pó; e como pó, volta à terra, à gleba tumular.

Neste conto, temos, de um lado Tio Man’Antônio, indivíduo superior, que se distingue dos demais por sua concepção elevada acerca da existência, bem como por suas atitudes, invariavelmente nobres. De outro, seus agregados, que não chegam a identificar outra relação a não ser a de subserviência.

A morte de Tio Man’Antônio provoca uma mudança de atitude por parte dos agregados, pois esses são tomados pelo medo. Se antes o desprezavam, depois de sua morte passam a envolvê-lo numa aura de santidade. Isso ocorre porque temem a justiça divina quer, para castigá-los por seu ódio infundado, poderia alterar sues destinos, fazendo com que desgraças se abatessem sobre eles.

A execução do ritual de adoração tem duplo objetivo: obter o perdão divino e restituir-lhes a paz de espírito.

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