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Nenhum, nenhuma (Conto de Primeiras estórias), de Guimarães Rosa

by Lucas Gomes

No conto Nenhum, Nenhuma, a indefinição do espaço se articula com a questão do tempo,
na medida em que todas as referências a espaços indefinidos misturam-se à memória perdida
que o narrador tenta recuperar; o que ele talvez resuma da seguinte forma: As lembranças
são outras distâncias…
.

A narrativa inicia com o trecho: Dentro da casa-de-fazenda, achada, ao acaso de outras
várias e recomeçadas distâncias, passaram-se e passam , na retentiva da gente, irreversos
grandes fatos – reflexos, relâmpagos, lampejos – pesados em obscuridade.

A procura pelos fatos da infância que “passaram e passam-se” constitui uma tentativa de
descobrir uma verdade misteriosa e inacessível, que se articule e modifique o presente,
lançando novas luzes ao futuro.

O narrador do conto narra em primeira pessoa, com a cumplicidade explícita de sua memória,
uma das personagens principais dessa história, tentando também compreender os dilemas que
envolvem a aproximação da morte.

O narrador rosiano caminha como se estivesse perdido no labirinto de suas lembranças,
encontrando as saídas após um árduo e doloroso esforço. Ao longo de sua odisséia, ele
enfrenta a tensão entre a memória e o esquecimento, no resgate do passado, que não retorna
em sua pureza original, mas é fruto de uma singular seleção dos fatos lembrados.

O narrador faz um enorme esforço de memória, que tanto pode ser entendido com a
recuperação de um sonho, ou uma regressão psicanalítica ou até terapia de vidas passadas.

Tudo o que consegue relatar, de forma nebulosa, imprecisa e fragmentada, é que
está de visita em uma casa, em que havia um moço e uma moça que se amavam. Havia
também uma velha de idade tão avançada que nem havia mais noção de como chegara
ali. Essa idéia é o motivo dos dois jovens não poderem ficar juntos, pois a moça
precisa cuidar dela.

Desfeito o relacionamento, o menino é levado para sua casa pelo moço. O garoto
vê o sofrimento do jovem. É um amor forte. Chegando a sua casa, o pai fala do
muro novo que está sendo construído. A mãe está preocupada em ver se a roupa do
filho estava em ordem. O garoto, indignado, berra com os pais, dizendo que eles
não sabiam nada do amor, preocupados que estavam com questões tão insignificantes.
Percebeu que o pai e mãe se suportavam e tinham transformado seu casamento em
um desastre confortável.

Do ponto de vista da composição, o conto Nenhum, nenhuma apresenta dois eixos bem distintos:
o passado e o presente.

Portanto, relembrando: neste conto, apresenta-se um narrador-personagem que se
esforça em relembrar uma experiência de sua infância, mas que não consegue compor
integralmente todas as cenas, os detalhes dessa vivência e, por isso, só tem contato
com elementos esgarçados de memória, o que cria uma atmosfera de imprecisão e
de incertezas, próprias de quem se esforça por recuperar momentos longínquos do
passado. Esse esforço determina dois planos na narrativa: o do passado (infância)
e o do presente (memória) que são diferenciados inclusive tipograficamente, no
texto impresso.

Quando criança, o Menino estivera hospedado por vários dias numa fazenda e vira
um casal de namorados ter que se separar porque a moça não podia abandonar uma
velhinha que parecia teimar em viver, a despeito de sua velhice e doença. Observando
os olhares apaixonados desse casal, o garoto encanta-se com a beleza da moça,
sentindo até mesmo raiva e ciúmes do namorado. Aquele amor tão intenso que percebia
no jovem casal o fazia pensar que deveria ser perpetuado nas relações e não abrandado
pelas tarefas diárias, como parecia ter ocorrido com o amor que outrora unira
os seus pais. Todas essas percepções contribuem para que o Menino descubra a diversidade
do sentimento amoroso, ampliando pela experiência o seu conhecimento sobre a vida,
e promovem aprendizagem, amadurecimento.

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