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O Convidado (Conto), de Murilo Rubião

by Lucas Gomes

No conto O Convidado, o autor, Murilo Rubião, tem 3 objetivos:
anunciar o fato; deixar o leitor perplexo diante do fato e fazer com que o leitor
se acostume ao fato – seja ele estranho ou não.

A intriga gira em torno do percurso da personagem central Alferes, que preocupado
em chegar a uma misteriosa festa de fantasia para a qual é convidado,
não mais consegue se desvencilhar dela, nem achar o seu caminho de volta.
A festa apresenta-se como uma verdadeira encenação, onde um grupo
social espera por alguem que, além de não se saber quem é,
também não aparece.

Personagens

José Alferes – protagonista.
Faetonte – motorista.
Astérope – convidada da festa.
Débora – moradora do hotel.

Enredo

José Alferes mora na cidade há apenas quatro meses, seus laços
de amizades eram muito curtos, limitando-se aos funcionários do hotel
onde morava e a outra pensionista que morava no mesmo andar – Débora.

Naquele dia chegou para ele um convite para uma festa. Nada estava mencionado:
data, horário e local. Achou estranho. Pensou que era um trote; depois,
pela caligrafia feminina, atribuiu a Débora. O fato é que, sem
os referenciais de festa, decide-se por averiguar isto. Inicialmente, procura
na loja de aluguel de roupas, onde lhe dão uma resposta evasiva.

À noite, vestido para a tal festa, procura por Faetonte (taxista que
sabia de toda a vida noturna da cidade), para o levar. Ao chegar, três
senhores afirmam que o verdadeiro convidado ainda não tinha chegado,
podendo José provocar certa confusão nas pessoas presentes, achando
que era ele. Daí a necessidade de se desfazer possíveis equívocos.

Embora todos tenham sido cordiais com José Alferes, este se sente meio
isolado, pois em todas as rodas de conversa o assunto é único:
“a criação e corridas de cavalo”. Encontra-se com uma
linda mulher – Astérope. Saem dali e ele não consegue entender
o porquê daquela mulher estar esperando “o convidado” para
deitar com ele.

Não suportando mais nada disso, retorna ao táxi para ir embora.
O motorista se recusa, alegando estar à disposição dos
organizadores da festa. José tenta ir só, retorna machucado de
alguns tombos que levara. Implora, tenta o suborno, mas nada disso motiva o
taxista, até surgir Astérope e conduzi-lo para a festa.

Análise

O tempo da narrativa é cronológico. Embora não seja definida
a data, toda ação se passa no transcorrer de alguns dias.

O espaço é o perímetro urbano de uma cidade não
nomeada (onde o protagonista transita entre o hotel, a loja de aluguel de roupas
e o local da festa).

Neste conto, o protagonista é inserido em uma situação
um tanto absurda: ser convidado a ir a uma festa e não poder se desvincular
desta situação.
Como é comum o “Realismo Simbólico” na obra de Murilo
Rubião, este conto trabalha alegoricamente uma alusão à
Inconfidência Mineira. Nesta ótica, José Alferes seria uma
representação simbólica de Tiradentes, sendo levado a uma
situação sem retorno, onde demonstra um caráter passivo.

O conto de Murilo Rubião “O Convidado” é
narrado em terceira pessoa, onisciente, e o fantástico nesta história
se rotiniza na medida em que o protagonista, no
caso, o “falso convidado” Alferes, é uma pessoa comum que
está hospedada num hotel, por algum motivo que não é esclarecido
(e também não importa para o leitor), mas que, concretamente,
recebe pelo correio um convite para ir a uma recepção.

A partir daí, a história vai acontecendo, aparentemente dentro
de um cotidiano “real”, se não fosse pela sucessão
de fatos “estranhos” que vão surgindo no enredo
da narrativa, como por exemplo o fato de no convite não constar a data,
hora e local da festa e ainda, tampouco sabe-se quem está promovendo
o evento. Mesmo assim, percebe-se que o autor-narrador, procura dar certa “naturalidade”
ao que está acontecendo e, nesses termos, improvisa algumas situações,
como por exemplo o fato do motorista saber o local da festa, já que “costumava”
levar personagens ilustres para divertimentos noturnos e até mesmo o
fato do auto-convencimento de Alferes para ir à solenidade achando que
o convite poderia ter partido de alguém que admirava e portanto, naquele
momento – em que ele precisava sentir algo mais concreto para aceitar o imprevisto
– a lembrança da colega era motivo suficiente para a sua ida.

No momento em que a incerteza começa a tomar conta de Alferes o leitor
também hesita. Percebe-se que algo está sendo ocultado tanto de
Alferes quanto do
leitor, que passa a ser seu cúmplice. A dúvida surge e permanece.
Desafia-se a razão. O estar no mundo de Alferes é visto como uma
experiência quase sem
solução.

Tal incerteza é típica das narrativas “fantásticas”,
nas quais o elemento “misterioso” intervém no curso normal
dos fatos, provocando uma ruptura, um “suspense”. Daí, parte-se
para o desvendamento do mistério, o que pode ou não ocorrer no
final do conto. No caso das narrativas de Rubião, a ambigüidade
costuma
permanecer até o final da história, deixando que o leitor faça
a dedução dos fatos finais, geralmente implícitos.

O final sugere que aquela mulher misteriosa (Astérope), provavelmente
é a tal convidada que se espera, no caso, a morte – que veio buscar Alferes,
ao que parece – seu convidado. Isto é apenas uma sugestão, as
pistas levam o leitor a pensar e extrair outros sentidos.

Percebe-se que o dado “sobrenatural” é um artifício
da imaginação para remeter a conflitos originários da própria
realidade, desvendando dramas da existência humana, no caso, a angústia
que os eventos sociais provocam fica bem retratada, assim como o artificialismo
e a ausência de sentido, para alguns, das cerimonias sociais.

Uma figura sutil e ao mesmo tempo dúbia nesse conto é Faetonte,
motorista de táxi. Um personagem da mitologia grega de mesmo nome, filho
do sol, que ao
conduzir o carro divino, inexperiente, passou muito próximo da terra
e incendiou-a e Zeus fulminou-o com um raio. “Aqui jaz Faetonte, cocheiro
do carro paterno; se não pode dirigi-lo, pelo menos morreu por ter tentado,
corajosamente, um grande feito
” (Públio Ovídeo Nasão,
1983, p. 35). Faetonte é relacionado a tudo que brilha, uma vez que o
incêndio que provocou iluminou o mundo. No conto, é um chofer experiente,
conhece o trajeto e o local a que deve levar o convidado. Não parece
em nada com o cocheiro inexperiente que dirigiu o carro divino. Uma aura de
mistério envolve Faetonte como se algo fosse acontecer. Nega-se a trazer
Alferes de volta, a despeito dos insistentes pedidos que recebeu e nem tampouco
se incomoda com a inquietação daquele passageiro. Mantém-se
indiferente, apenas cumprindo o seu dever de motorista.

Trata-se de um “fantástico” moderno, uma vez que nenhuma
explicação “convincente” é dada aos fatos estranhos
e o final da história é inconcluso e ambígüo. Próximo
ao mito, onde vive e sobrevive o insólito, tudo pode acontecer, mesmo
as coisas mais absurdas, deixando sempre aquela interrogação:
o “fantástico” ainda está aí ou já se
desvanceu? O leitor, quando percebe, ainda está envolto pela nevasca
que soprava da leitura.

Fontes: Colégio Pró Campus | Profª Ms. Terezinha
de Jesus Lopes Ferreira Leite
, Unicamp.

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