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O pintor que escrevia, de Leticia Wierzchowski

by Lucas Gomes

Duas pessoas apaixonadas e um pecado que transforma suas vidas são os protagonistas de O pintor que
escrevia
, sexto livro de ficção da autora Leticia Wierzchowski, em quatro anos de carreira. O livro
gira em torno de um caso incestuoso.

Letícia é uma das raras escritoras brasileiras a perceber e a traduzir, em palavras, a personalidade, o
sentido e o poder de ação de personagens e cenários brasileiros.

Neste novo romance, ela conta a história de Marco Belluci, pintor italiano que se refugiou no Brasil e
suicidou-se sem explicações. O judeu Marco Belucci fugiu da Itália na época da Segunda Guerra e veio
para o Sul do Brasil para amar sua Amapola. Um dia, o artista plástico, inexplicavelmente, suicida-se. O
enigma começa a ser desvendado quando a viúva chama o marchand Augusto Seara para avaliar pinturas que
passaram duas décadas intocadas. Atrás das telas, Belucci contava sua história, como num livro. São
textos escritos atrás de cada tela, que revelam um amor que custa crer que tenha existido

A vida de Marco Belucci – e uma inacreditável história de amor – são reveladas aos poucos. A cada tela e
a cada página, segredos e confidências do pintor que escrevia aparecem – a história de uma paixão, de um
pecado e de um segredo que pode acabar com um casamento.

Trecho do livro – Páginas 51 e 52

Zeca aquiesceu, sem entender bem as palavras de Augusto. Disse que iria para o quarto, descansar um
pouco. Augusto prometeu procurá-lo mais tarde, e desceu as escadas que levavam à cozinha. Sua alma ia
cheia de espanto. Que amor era aquele que deixava suas pegadas atrás de uma tela? Sentia-se um eleito e,
ao mesmo tempo, um bisbilhoteiro. Claro que estava naquela casa com o consentimento de Amapola Maestro,
mas ele pensava era em Marco Belucci, o homem que pintara aquelas telas, escrevendo-lhes no verso a sua
vida, numa espécie de desabafo. A que olhos, a que alma eram destinados aqueles textos?

Quando Augusto Seara chegou à copa, a mesa estava posta com louças finas e copos de cristal. Para ao lado
da mesa, Ana esperava por ele, cheia de subserviência. Augusto Seara ocupou seu lugar e ficou mexendo nos
talheres de prata, ainda com o espírito atarantado por demais para que pudesse prestar atenção à sua fome
ou ao cheiro bom que subia das terrinas.

Amapola azul.

Augusto leu o nome do quadro com os olhos ávidos. Sentiu a excitação espumar dentro dele. A expectativa
do que iria encontrar escondido naquela tosca caixa de madeira encheu-o de euforia.

– Vamos abrir logo isso, Zeca!

Era uma caixa grande, 150 x 200.

– Ele gostava de grandes telas – disse Zeca, forçando a madeira com um pé-de-cabra.

– E ele tinha grandes segredos, meu amigo.

(Havia-se decidido por contar a Zeca sobre a narrativa de Marco Belucci que estava na parte de trás da
Abazzia di San Fruttuoso, e deliciara-se com o espanto no rosto do rapaz ao ler para ele a carta que
Belucci deixara escrita no verso da tela.)

Zeca fez um pouco de força e a madeira cedeu com um estalido seco, revelando o papel que envolvia o
quadro. Em poucos segundos, com a ajuda de Augusto, Amapola azul estava encostada à parede do estúdio,
recebendo, depois de tantos anos de escuridão, a claridade dourada que entrava pelas clarabóias.

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