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O Rio Comanda a Vida, de Leandro Tocantins

by Lucas Gomes

Lançado em 1952, O rio comanda a vida é obra do regionalista
e escritor Leandro Tocantins. É considerada até hoje um clássico
entre os trabalhos sobre a região amazônica, e oferece subsídios
sobre a paisagem amazônica da várzea, o modo de vida, os costumes
e as características do homem amazônico.

A obra, como o próprio título revela, trata da importância
do regime das águas dos rios amazônicos sobre o modo de vida dos
povos da floresta. Leandro Tocantins sintetiza o domínio das águas
sobre os modos de vida na Amazônia em sua obra quando afirma:

O rio, sempre o rio, unido ao homem, em associação quase
mística, o que pode comportar a transposição da máxima
de Heródoto para os condados amazônicos, onde a vida chega a ser,
até certo ponto, uma dádiva do rio, e a água uma espécie
de fiador dos destinos humanos. Veias do sangue da planície, caminho
natural dos descobridores, farnel do pobre e do rico, determinante das temperaturas
e dos fenômenos atmosféricos, amados, odiados, louvados, amaldiçoados,
os rios são a fonte perene do progresso, pois sem ele o vale se estiolaria
no vazio inexpressivo dos desertos. Esses oásis fabulosos tornaram possível
a conquista da terra e asseguraram a presença humana, embelezaram a paisagem,
fazem girar a civilização – comandam a vida no anfiteatro amazônico.

(2001, p.278)

Os 28 capítulos que compõem a obra podem ser lidos aleatoriariamente,
sem prejuízos de compreensão para o leitor, uma vez que cada um
deles possui temáticas diferentes e independentes, embora, seja necessário
ressaltar que o livro forma um todo coerente, sob o prisma de dois ângulos:
o do seu substrato sociológico e histórico, e o da sua projeção
para o futuro. O primeiro capítulo denomina-se “A água doce
que entra no mar” e trata basicamente dos descobridores do caudaloso e
imponente Rio Amazonas. E finaliza o livro o texto “O rio comanda a vida”
que aborda a dinâmica dos rios na vida dos povos amazônicos. Em
edições posteriores à primeira, o autor achou por bem incluir
alguns apensos, isto é, conferências por ele pronunciadas.

Nesta obra, o autor não trata diretamente apenas das comunidades rurais
e ribeirinhas de Manaus, mas da Amazônia como um todo, como já
citado. Ele argumenta que as figuras de folclore regional dos povos são
erigidas a partir de personagens da floresta e dos rios; que aspectos da arquitetura
amazônica são espaços reificados para devoções
e folguedos; que a contingência geográfica modela a consciência
extrativista dos pescadores e que, historicamente, a devastação
causada pela retirada da borracha no início do século XX criou
um mundo de desigualdades operantes na Amazônia, sendo a industrialização
é uma perspectiva possível para o desenvolvimento.

Leandr Tocantins verifica situações em que o homem se vê,
de certo modo, condicionado a entender a realidade à sua volta formando
crenças a partir do meio ambiente que o cerca, de acordo com ressalva
de André Vidal de Araújo, contribuinte da temática na mesma
corrente do paraense autor de O rio comanda a vida, Araújo destaca
que quando se tenciona compreender o homem a partir de sua afinidade com o meio
ambiente natural, tem-se uma perspectiva mais apurada sobre o cotidiano.

Tocantins destaca a retratação da Amazônia por parte dos
moradores da região como sendo, primordialmente, uma descrição
da natureza social, que está imbricada na alma das relações
entre sujeitos.

O livro pretendeu ser, na época em que foi escrito, uma evocação
e um testemunho de alguém que conheceu tradições, lendas,
viu panoramas, observou fatos sociais. E como ressalta o próprio autor,
no primeiro momento, a obra nasceu a partir de “impressões
pessoais, pesquisas históricas e geopolíticas, trajetórias
humanas, idéias e fatos, a que procurei dar forma e vibração,
sem me afastar do real, da verdade, no intuito de fazer conhecida honestamente
a Amazônia e chamar a atenção dos poderes governamentais
para os problemas do vale e as necessidades de seu povo
”. Nesse sentido,
o livro nasceu de um sentimento brasileiro de integração da Amazônia
no processo social e econômico do país.

Nas palavras do escritor, a unidade do livro se justifica na ideia de que a
natureza absorve e prende o homem em suas malhas, apesar do lento e continuado
esforço para humanizá-la. Daí o rio – uma das mais
poderosas forças do meio – dominar a vida, que ainda é,
nesta época de revolução técnica, marcada profundamente
pelos fatores geográficos.

O que O Rio Comanda a Vida pretendeu foi interpretar algumas partes
integrantes da área cultural luso-cristã, área que se distingue
no extremo norte pela marca da exploração humana ditada pelo extrativismo
e profundamente influída, no seu processo sócio-econômico,
pela água e pela floresta. Interpreta alguns aspectos regionais, apresentando
um conjunto de sugestões para a caracterização da vida
amazônica.

Muitos dos anseios projetados pelo autor em seu livro, hoje, são uma
realidade. Sua obra abriu novas perspectivas para Amazônia ao chamar a
atenção para a importância da integração amazônica
conciliando desenvolvimento e preservação, numa conquista ampliada
pelo desenvolvimento social e econômico da região, alertando as
autoridades para a cobiça internacional pelo qual vinha sofrendo a Amazônia
e colocando-a não só na pauta nacional, mas em discussão
a nível internacional.

A viagem sentimental que está fortemente presente ao longo de todo o
livro, fica claramente assinalada pelo fato de que O Rio Comanda a Vida
é dedicado ao pai do autor, e por extensão, às experiências
vividas no mundo da família. O pai foi para ele uma espécie modelo
de homem empreendedor da região e muito do que está nessas páginas,
o leitor perceberá sem muito esforço, envolve essas experiências
do universo familiar.

O Rio Comanda a Vida une a virtude literária de expressão
clara e atraente ao honesto saber histórico, à acuidade na interpretação
sociológica. O autor de Casa Grande e Senzala não diria
essas palavras ao acaso. Portanto, ressoa mais como convite do que como testemunho,
pois penetrar em estudos profundos e sérios acerca da Amazônia
é semelhante a penetrar em sua própria selva.

Créditos: Allan Soljenítsin Barreto Rodrigues, professor
do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal
do Amazonas (Ufam), mestre em
Sociedade e Cultura na Amazônia pela UFAM e doutorando na mesma área
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