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Política Internacional – O sistema de poder no Irã

by Lucas Gomes

O Irã tem suas origens no Império Persa, fundado em 539 a C.
por Ciro, o Grande. Os árabes conquistam a região em 642, e convertem
seus habitantes ao islamismo. É adotado o alfabeto arábico, paralelamente
ao idioma persa. O país sofre invasão dos turcos no século
6 e dos mongóis no século 8. Depois de recuperar sua independência,
é governado por várias dinastias (Safávida, Afjar, Kajar).

País com características únicas no Oriente Médio,
o Irã foi alvo de interferência internacional desde as primeiras
décadas do século 20. O movimento que levou ao poder o regime
islâmico de inspiração xiita quem comanda o país
desde 1979 fortaleceu-se na resistência nascida nas mesquitas à
ditadura do xá Mohammad Reza Pahlevi. Com apoio americano, o xá
tentou implantar no país um modelo de modernização ocidental,
em um governo marcado pela corrupção e a repressão aos
adversários.

A eleição presidencial iraniana mobilizou um número recorde
de eleitores, e a controversa reeleição de Mahmoud Ahmadinejad
em primeiro turno levou milhares de manifestantes às ruas, mas o cargo
de presidente é apenas uma – e nem mesmo a principal – das peças
que compõem a estrutura do Estado.

Instalado após a Revolução Islâmica que derrubou
o xá Mohamad Reza Pahlevi em 1979, o sistema tem em seu topo o líder
supremo, que comanda as Forças Armadas e espalha sua influência
por meio da indicação de ocupantes de postos-chave.



Há 30 anos não se via no Irã nada parecido com o que ocorreu
na semana passada. O
levante avassalador que surpreendeu o mundo em 1979 e resultou na Revolução
Islâmica, liderada pelo aiatolá Ruhollah Khomeini
, é
o único evento comparável às cenas vistas nas últimas
semanas. Marchas de protestos, com participação de milhões
de iranianos, tomaram conta do país após o anúncio da vitória
do presidente Mahmoud Ahmadinejad na eleição presidencial do dia
12. Estimulada por denúncias de uma fraude maciça na reeleição
de Ahmadinejad, a rebelião ocorreu nas ruas, mas também com uma
intensidade surpreendente na internet, por meio de redes sociais como o Facebook
e o Twitter e sites como o YouTube. Os protestos dão uma dimensão
das fissuras políticas na sociedade iraniana e apontam possíveis
mudanças na república clerical xiita, um dos regimes mais fechados
e opressores do mundo.

As consequências da crise iraniana, porém, podem atravessar as
fronteiras do país. Em certa medida, a própria paz no planeta
depende de seu desfecho. O Irã possui a segunda maior reserva de petróleo
do mundo, atrás apenas da Arábia Saudita. Com um território
enorme para os padrões do Oriente Médio e uma população
de 71 milhões de habitantes, o país é também o maior
reduto de muçulmanos xiitas do mundo, numa região onde a estabilidade
depende do equilíbrio de forças entre os dois principais ramos
do islã: xiitas e sunitas. Seu governo financia grupos extremistas, como
o Hezbollah, no Líbano, e o Hamas, na Faixa de Gaza – e está
num estágio avançado do programa nuclear que pode lhe dar uma
bomba atômica. O presidente Mahmoud Ahmadinejad professa um islamismo
ultraconservador. Já negou o Holocausto na tribuna das Nações
Unidas e, por diversas vezes, demonstrou hostilidade ao Estado de Israel.

A onda de protestos no Irã começou imediatamente após
a divulgação do triunfo de Ahmadinejad pela agência iraniana
de notícias, apenas duas horas após o fechamento das urnas. A
proclamação oficial do resultado da eleição deu
63% dos votos para Ahmadinejad, contra 33% para seu principal adversário,
o ex-primeiro-ministro Mir Hossein Mousavi, um oposicionista considerado pouco
carismático, mas que, ao longo da campanha, ganhou o apoio entusiasmado
de reformistas, jovens e mulheres de classe média dos grandes centros
urbanos. O resultado espantou, entre outros motivos, por causa da velocidade
da apuração, já que a participação de quase
40 milhões de eleitores em todo o território iraniano é
feita por meio de cédulas preenchidas à mão. O tempo gasto
para a apuração nas disputas anteriores era de dois a três
dias. Além disso, a larga vantagem obtida por Ahmadinejad contrariou
as expectativas de uma diferença pequena de votos, alimentadas por uma
campanha muito acirrada. Na contagem oficial, Ahmadinejad venceu com folga inclusive
nas áreas em que a etnia azeri, a mesma de Mousavi, é predominante.


A apuração rápida e a vantagem larga de Ahmadinejad levantaram
as suspeitas de fraude

 

Mousavi acusou o governo de cometer “irregularidades em massa”
e pediu nova eleição. Foi a senha para o país entrar em
convulsão. Multidões nas ruas gritavam “morte ao ditador”,
em repúdio a Ahmadinejad, palavra de ordem que em pouco tempo evoluiu
para “morte ao aiatolá”, em referência ao líder
supremo do país, o aiatolá Ali Khamenei, que ratificara rapidamente
a vitória do atual presidente como uma “bênção
divina”. No sistema político iraniano, o líder supremo é
o comandante em chefe das Forças Armadas e controla o Judiciário,
a mídia e o Conselho de Guardiães, um órgão de notáveis
com poderes de vetar candidatos e supervisionar as eleições. O
presidente cuida das questões administrativas e tem poderes sobre os
programas de gastos e investimentos do Estado.

Aos protestos, seguiu-se a reação. As marchas com centenas de
milhares de pessoas, durante toda a semana, foram seguidas de forte repressão
promovida pela polícia ou por integrantes de uma milícia islâmica,
a Basij, uma numerosa força paramilitar formada por voluntários
à paisana. Em uma semana, centenas de políticos oposicionistas
e manifestantes foram presos, jornais foram censurados, comícios foram
proibidos e universidades foram fechadas. O cerco à informação
começou com o bloqueio de sites e terminou com a não renovação
da autorização de permanência dos jornalistas estrangeiros,
o que praticamente fechou o país aos observadores.

ENTENDA O IRÃ

Conheça o quebra-cabeças de etnias, religiões, fontes
de energia e controvérsias deste país

GEOGRAFIA

PERSONALIDADES

DADOS COMPLEMENTARES

CRISE NO IRÃ VAI ALÉM DO RESULTADO DAS ELEIÇÕES


Oficialmente, Ahmadinejad foi reeleito
nas últimas eleições

A crise após as eleições presidenciais no Irã se
desenvolveu em uma velocidade tão vertiginosa que ainda é difícil
entender as suas possíveis implicações.

Até cerca de duas semanas atrás, o presidente Mahmoud Ahmadinejad
podia alegar que o Irã era um país “quase completamente livre”.
Já havia céticos então. Agora, a imprensa estrangeira no
país está sendo obrigada a trabalhar sob algumas das mais duras
restrições do mundo. Cabe perguntar onde esta crise pode chegar
e o que quer a oposição.

Até o momento, os manifestantes iranianos exigem apenas uma coisa: a
convocação de novas eleições, já que eles
acreditam que o opositor Mir Houssein Mousavi teria vencido o pleito da semana
passada, enquanto os resultados oficiais apontam para uma vitória de
Ahmadinejad.

Quando os manifestantes gritam nas ruas “morte ao ditador”, não
dizem a quem exatamente estão se referindo. Eles podem não apenas
estar se dirigindo ao presidente Ahmadinejad, mas também ao líder
supremo do país, o aiatolá Ali Khamenei. Mesmo assim, isto não
é um desafio aberto ao sistema islâmico que governa o país
desde a Revolução de 1979, pelo menos até agora.

As mulheres que participam dos protestos, por exemplo, ainda não estão
tirando os véus que cobrem suas cabeças, embora muitas não
gostem de ser obrigadas a usá-los. Os manifestantes também costumam
gritar “Deus é grande”, querendo ressaltar que eles são
tão religiosos quanto aqueles que apoiam o governo.

Dignidade e prisões

O governo reage aos protestos com uma exibição de dignidade ferida,
como se a ideia de que ele pudesse ter fraudado as eleições fosse
impensável, embora a oposição veja a fraude como bastante
evidente.

Embaixadores estrangeiros são convocados um a um e censurados até
mesmo por ousarem criticar a morte de manifestantes. Enquanto isso, as autoridades
enviam seus “brutamontes”, os Basijis – membros da milícia
pró-governo – para intimidar os oposicionistas.

Dormitórios estudantis são revirados, manifestantes são
detidos durante os protestos. Blocos de apartamentos de onde os iranianos gritam
palavras de ordem são invadidos e carros destruídos. A onda de
prisões chegou a um ponto em que até um dos mais próximos
assessores do aiatolá Khomeini, Ebrahim Yazdi, foi detido. Até
agora, nenhuma decisão foi tomada pelo governo para realmente controlar
a crise, mas isto deve acontecer cedo ou tarde.

Luta de gigantes


Khamenei apoiou a vitória de
Mahmoud Ahmadinejad no pleito

Enquanto isso, uma disputa de poder está acontecendo no topo do sistema
iraniano.

O aiatolá Ali Khamenei apostou sua carreira política no apoio
inequívoco à vitória do presidente Mahmoud Ahmadinejad
nas eleições. Khamenei tem muitas cartas nas mãos. Ele
é o comandante supremo das Forças Armadas, além de ser
apoiado fielmente pelo Conselho dos Guardiões, que está revisando
os resultados do pleito. Até agora, ninguém ousou questionar sua
autoridade, pelo menos não abertamente.

Mas, do outro lado, está o ex-presidente Akbar Hashemi Rafsanjani, que
tem apoiado as campanhas oposicionistas. Desde o início da campanha,
ficou claro que ele desejava se vingar de Ahmadinejad, que o venceu nas eleições
presidenciais de 2005. Além disso, há provavelmente uma rivalidade
mais profunda com o líder supremo do país. Rafsanjani apoiou Khamenei
quando ele sucedeu Khomeini, em 1989. Esta rivalidade veio à tona quando,
durante um debate televisionado, Ahmadinejad acusou a família de Rafsanjani
de corrupção.

Muitos iranianos acreditam que as acusações podem ser verdadeiras,
mas maneira como foram feitas por Ahmadinejad causaram escândalo. A acusação
fez com que Rafsanjani escrevesse uma carta sem precedentes para o líder
supremo, pedindo que ele agisse a respeito e fazendo ameaças.


Rafsanjani tem divergências com
Ahmadinejad e Khamenei

Rafsanjani escreveu que, se nada fosse feito, “os vulcões que queimam dentro
de peitos flamejantes aparecerão na sociedade, como vemos nas reuniões a que
assistimos nas ruas, praças e universidades”. Estas “chamas”, disse Rafsanjani
na carta, podem se “espalhar pelas eleições e além delas”.

Akbar Hashemi Rafsanjani também tem armas poderosas. Ele é o líder da Assembleia
dos Especialistas, o grupo de clérigos responsável por eleger, supervisionar
e até substituir o líder supremo do país. Uma ação do grupo contra Khamenei
seria inédita. Mas Rafsanjani recentemente foi reeleito para o cargo com uma
grande maioria.

Além disso, Khamenei também tem muitos inimigos entre os clérigos. Rafsanjani
também lidera o Conselho de Discernimento, que é responsável por mediar as disputas
entre os órgãos do governo. Além disso, a conhecida riqueza de Rafsanjani não
pode ser subestimada.

Futuro

Pode ser que existam partidários do governo que estejam ficando encorajados
pelas manifestações, mas há também muitos que têm uma adoração genuína por Ahmadinejad.
Entre os oposicionistas, a crise após as eleições fez com que anos de frustração
contra o sistema viessem à tona.

Os dois lados podem estar discutindo agora a questão das eleições. Mas a verdadeira
discussão é sobre o futuro do Irã. Esta é uma batalha importante, gigantesca,
cujo resultado ninguém pode prever.

Fontes: Revista Veja | Jornal O Estado de S. Paulo | Jornal
Folha de S. Paulo | Revista Época | BBC Brasil

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