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O sorriso do lagarto, de João Ubaldo Ribeiro

by Lucas Gomes

Sem perder uma essencial baianidade, como seu conterrâneo Jorge Amado,
João Ubaldo Ribeiro tanto enverga o solene fardão da Academia,
como espalha pelo mundo suas hsitórias de Itaparica, do Recôncavo
e do povo brasileiro, sem preder a leveza e o humor, às vezes cáustico,
do cronista que milita com assiduidade na grande imprensa do país.

A obra trata-se de um apanhado de situações-clichê (tem
até aquela cena clássica, imortalizada pelo cinemão hollywoodiano
e pelas novelas da televisão, da queda da escadaria provocando um aborto
providencial) muito bem encadeadas e recheadas de diálogos primorosos.

O Sorriso do Lagarto é um romance escrito na terceira fase
do Modernismo (Pós-Modernismo), publicado em 1989, e o autor se permite
beber de várias fontes dentre elas: o naturalismo; a degradação
do individuo; o cientificismo; o político que quando jovem era de esquerda,
depois compromete-se com a direita e o golpe militar de 1964 e, finalmente volta-se
para um partido liberal conquistando altos cargos; o homossexualismo; a engenharia
genética; o consumo de drogas por parte da elite; a degradação
da saúde; a igreja e os pobres; o comportamento sexual feminino.

Em O sorriso do lagarto, João Ubaldo Ribeiro sublimou em conflito
metafísico entre o Bem e o Mal a sua hostilidade orgânica contra
o estrangeiro em geral e, em particular, contra o capitalismo norteamericano:

O sorriso do lagarto é um livro que lida com a má
administração do tempo que a humanidade passa na Terra.
Acho que escrevi, sim, um romance sobre o mal, que fica transparente na
atitude de uma grande parte da classe dominante brasileira – ela detesta
nosso país, ela detesta o que nós somos e acoberta todas
as violências: a mortalidade infantil, a violência nas cidades,
a miséria. Quis escrever um livro sobre o aniversário (sic,
por adversário) que existe em cada um de nós, sobre a figura
de Satanás.
(LEIA, dezembro de 1989)

Esta obra não é um romance regionalista. É visivelmente
uma obra de olho no mundo moderno. Ao mesmo tempo em que se propõe a
ser um romance universal e contemporâneo, é também uma exteriorização
de desconfiança, uma denúncia e uma negação de certos
valores caros à universalidade e contemporaneidade. O livro apresenta
constante erotismo naturalista misturado a episódios de pescarias que
se somam a reflexões sobre Deus, a evolução, a ciência,
em uma narrativa ágil e cheia de surpresas.

O autor vale-se de outros narradores para enriquecer seu texto.O título
do livro esboça-se no início do romance, quando dois meninos trazem
um lagarto com dois rabos para João Pedroso. No sorriso maléfico
do réptil, João Pedroso percebe o presságio do medo e do
Mal. Ao longo da narrativa, confirma-se a suspeita de Pedroso: o Mal existe,
o Inimigo existe e parece rir da humanidade. A partir do título, forma-se
o tema básico do romance: a presença do Mal relacionada com o
poder da ciência e da política. Quem poderá dizer aonde
levará a manipulação de genes humanos por um cientista
amoral? João Ubaldo foi o primeiro, na literatura brasileira, a tratar
com profundidade, dessa perturbadora questão.

O Sorriso do Lagarto é o mais pessimista dos romances de João
Ubaldo Ribeiro. O Mal vence. O Diabo ri por último. O romance gira em
torno de um triângulo amoroso constituído por João Pedroso,
um biólogo excêntrico, solteirão e alcoólatra, que
abandonou a profissão para ser o proprietário de uma modesta peixaria
em Itaparica, Bahia; por Ângelo Marcos, um político corrupto ligado
à área da Saúde, que construiu sua vida pública
e sua fortuna às custas de falcatruas; e por Ana Clara, esposa de Ângelo
Marcos, que, com um casamento fracassado, mas do qual não abre mão
para não perder a estabilidade financeira, procura preencher seu vazio
interior fora da relação que a oprime. Há ainda uma outra
trama, tão importante quanto a do triângulo e a ela imbricada,
ligada a Lúcio Nemésio, um cientista que, associado a uma multinacional
se dedica a experiências genéticas, criando entre outras aberrações,
a mistura de humanos com chimpanzés.

A partir dos conflitos gerados pela cadeia de relações entre
as quatro personagens, João Ubaldo Ribeiro constrói um romance
absorvente, que dá continuidade à pesquisa sobre a identidade
nacional, particularmente sobre a questão da dialética entre o
dado local e o cosmopolita. Há todo um empenho, no romance, em não
limitar a discussão dos problemas ao contexto nacional, ainda que isso
seja valorizado, para abarcar as questões por uma visada universal, que
não se intimida frente a variados aspectos de ordem filosófica.

É um livro sobre a corrupção e o novo colonialismo. A
personagem Nemésio, que pertence à elite, detesta seu país.
O livro é sem dúvida, umas grande alegoria sobre o “Mal”,
e seu símbolo maior na narrativa é o lagarto que sorri indiferente
ou zombeteiro frente à condição humana, na sua arrogância
de espécie dominante. A alma humana é colocada em xeque, com suas
zonas de sombra e suas covardias a serviço do Mal, e mesmo a própria
noção de humanidade é posta na berlinda. “A partir
de que ponto um ser vivo pode ser considerado como ser humano? E que diferenças
separam um animal dotado de emoção de um homem?, são questões
pertinentes colocadas pela obra.

Não se pode deixar de destacar que um grande mérito do romance
é o desfecho sem concessões, na contramão do gênero,
com tudo para exercer grande impacto sobre o espírito tanto de um leitor
mais ingênuo, habituado aos tradicionais finais felizes dos best-sellers,
quanto, por sua contundência, sobre o espírito de um leitor mais
familiarizado com a visão desencantada da literatura moderna, particularmente
a do pós-guerra.

O próprio autor diz a respeito da obra O Sorriso do Lagarto:
“O título é uma metáfora, pois é claro que
não há prova científica de que existem lagartos que sorriem.
Um canadense, cientista, chegou a me procurar pensando que eu escrevia uma história
sobre a evolução dos dinossauros. ( .. ) Mas O Sorriso do
Lagarto
não se refere necessariamente a uma vingança dos
dinossauros e lagartos. E no romance o protagonista nem é o lagarto.
O Sorriso do Lagarto é um livro que lida com a má administração
do tempo que a humanidade passa na Terra. Acho que escrevi, sim, um romance
sobre o mal, que fica transparente na atitude de uma grande parte da classe
dominante brasileira – ela detesta nosso país, ela detesta o que nós
somos e acoberta todas as violências: a mortalidade infantil, a violência
nas cidades, a miséria. Quis escrever um livro sobre o adversárioque
existe em cada um de nós, sobre a figura de Satanás”.

ENREDO E PERSONAGENS

A obra traz uma belíssima descrição física e individualização
das personagens.

Após um longo percurso que somente o álcool aqueceu-lhe a existência,
João Pedroso, o protagonista e herói do romance, tem a sua sensibilidade
despertada por uma aberração da natureza. Pode um lagarto com
duas caudas passar despercebido? Existe uma explicação natural
e simples para tal espécie de fenômeno? Sendo um biólogo,
embora tenha renunciado à profissão para viver como um simples
vendedor de peixe na Ilha, João Pedroso ainda não esqueceu que
a explicação pressupõe a ocorrência de um novo fator
na história genética do calango. Por que um lagarto sorriria?
Seria fruto do alcoolismo crônico de João Pedroso? Acontece que
embora beba todos os dias, ele se mantém nos limites da lucidez e prefere
acreditar em seus olhos. Bêbado e afastado da biologia, Pedroso não
caiu no ateísmo. Se de vez em quando brigava com Deus, é porque
não perdeu de todo sua fé. E quem crê em Deus, deve crer
no Diabo. Por que um lagarto sorriria de modo hostil e zombeteiro senão
tivesse algo a ver com as hostes de Satã? Afinal, lagarto é dragão
em miniatura. E dragão é uma tradicional representação
do Diabo.

Para João Pedroso, biólogo, o fenômeno testemunhado só
pode ser fruto de uma intervenção genética artificial;
e como tal intervenção supõe um conhecimento muito avançado,
não há porque imaginar que tenha sido obra de amador, brincadeira
inconseqüente de algum aprendiz de geneticista? Do outro lado da racionalidade,
a intuição do crente adverte para a dimensão demoníaca
da experiência. Do contrário, por que o lagarto sorriria com aquele
ar de superioridade? O desenvolvimento do relato irá confirmar os temores
de João Pedroso. E Itaparica é apenas uma das provetas nas quais
cientistas de várias partes do mundo realizam uma experiência sem
precedentes no campo da genética. Suas conseqüências, avalia
o protagonista, podem ser funestas.

O autor avança sem precipitações, valendo-se quase todo
o tempo de outros narradores. Aproveita a lição que manda semear
as famosas “pistas falsas” para desnortear o leitor, impedindo-o
de descobrir, antes do tempo, o verdadeiro desfecho da história. Até
o final do segundo capítulo, O Sorriso do Lagarto transmite
a impressão de ser um romance de costumes. João Pedroso perambula
pelas praias de Itaparica, pesca em companhia de turistas endinheirados, encara
seu sorridente lagarto, belisca-se para ter a certeza de que não está
de porre nem delira.

Muito longe dali, o Dr. Ângelo Marcos, Secretário de Saúde,
faz um interminável toalete matinal, enquanto sua mente se divide entre
a próxima falcatrua que irá praticar e o discurso que logo mais
deverá pronunciar na inauguraçãode um hospital. Em outro
ponto da cidade, Ana Clara, a mulher de Dr. Ângelo conversa sobre sexo
e drogas com sua amiga Bebel, a rainha da futilidade.

A narrativa e os personagens crescem devagar. O Dr. Ângelo cresceu na
política à sombra de um velho cacique, ultrapassou-o rapidamente
na corrida aos dinheiros públicos, vive como um nababo, é cínico,
traz na ponta da língua as justificativas das suas radicais guinadas
partidárias. Mais tarde, ao ver-se diante da morte, pois fora acometido
de um câncer, e um regresso ao passado farão dele um personagem
complexo. Pode-se dizer o mesmo de Ana Clara, do médico-pesquisador Nemésio,
do Padre Monteirinho. João Pedroso sabe que fazer biologia é o
seu dom, e a razão básica de sua angústia é precisamente
a consciência de que abandonou, traindo, assim, o destino que Deus lhe
traçou ao alcançá-lo com sopro da vida.

Teologia é material forte na construção deste romance.
Ângelo Marcos, depois de submeter-se a um tratamento de câncer,
anda “morto de pena de si mesmo, mais dependente do que um filhote de
gato, e volta e meia cai em depressões abissais.” João Pedroso
se compara a Marmeladov, o bêbado e destrambelhado personagem da obra,
Crime e Castigo, de Dostoievski. Ana Clara se transforma em Suzanna
Fleischman. Tenta assumir a postura de Molly da obra Ulisses (James
Joyce) e as fantasias eróticas da heroína Lady Chatterley (D.
H. Lawrence). Com essa mutação, Ana Clara tenta denunciar a hipocrisia
ao seu redor.

O romance O Sorriso do Lagarto, tem sexo, experimentos genéticos
e cientistas malignos. Aborda, também, temas como Deus, o Homem, o Bem
e o Mal, a consciência, o sentido da vida. Tudo costurado no estilo sensual
de João Ubaldo. O escritor criou uma aura de malignidade e decadência
que permeia toda a ação. Seus personagens, inclusive o vilão,
o doutor Lúcio Nemésio, são dolorosamente reais, compreensíveis
e humanos. A trama caminha de forma inexorável para um final surpreendente
e melancólico. Em seu cerne, o romance conta que pescadores de Itaparica,
João Pedroso (ex-biólogo, vendedor de peixes e sociólogo
amador) e Padre Monteirinho descobrem, na Ilha, o envolvimento do médico-pesquisador,
Lúcio Nemésio, com a Engenharia Genética: criação
de monstros em laboratório. As cobaias humanas para as experiências
eram mulheres negras que geravam bebês-aberrações (meninos-macacos
que o ex-biólogo viu nas fotografias.) João Pedroso, o Padre Monteirinho
e o curandeiro Bará personificam as forças do Bem que lutarão
contra o Mal. O caso é denunciado, porém por falta de credibilidade
e provas é abafado.

João Pedroso envolve-se sexualmente com Ana Clara, mulher de Ângelo
Marcos. A mulher do médico engravida-se do amante, mas sofre aborto após
uma queda na escada. João Pedroso acaba sendo assassinado, com duas balas
calibre 45, disparadas por uma pistola com silenciador, que lhe atravessam o
coração, pelo matador profissional, Boaventura, encomendado pelo
marido traído.

Ao final da obra, tem-se um encontro entre o Padre Monteirinho e Lúcio
Nemésio. Trava-se uma luta entre o Bem e o Mal:

– Não quero discutir questões de fé com o senhor,
para mim isso tem importância, para o senhor não tem. Mas veja
o problema moral contido nisso, o problema político. O poder político
plasmando a Humanidade e a Natureza.

– Isso é inevitável. Quem chegou, chegou, quem não
chegou, não chega mais. O poder hoje dispõe de tais instrumentos
que se sedimentou definitivamente, jamais vai mudar realmente de mãos
e a tendência é isso se acentuar. Isso é bom. Isso significa
maiores possibilidades de controle racional. Não haverá revolução,
nem alteração radical na estrutura do poder, nem entre nações,
nem entre classes sociais, nesse sentido a História acabou. Sempre
digo que democracia é um mito supersticioso, assim como a igualdade
e outros chavões. Há muito tempo que a democracia não
é mais praticada em lugar nenhum, a não ser microscopicamente,
e temos que colocar essa situação a nosso favor, ou seja,
aperfeiçoar o homem de todas as formas possíveis.

– Para mim, isso é extinguir a Humanidade, tal como a conhecemos.
Para mim, é o homem se tornando inimigo do homem, deixando o adversário
que traz dentro de si vencer, fazendo com que se volte contra si mesmo.
É como se fosse a obra de Satanás.

– Sim, Satanás, ha-ha! Satanás quer dizer “inimigo”,
não é? Neste caso, eu seria Satanás, ou pelo menos
um satanás, pois creio que há controvérsia na própria
Igreja sobre a existência de um ou vários satanases. Engraçado,
desculpe-me por estar rindo, muito engraçado mesmo – Satanás.
Pois, olhe, eu aceito, e acho tecnicamente certa sua inferência. Eu
sou inimigo de Deus, sim, embora o considere um inimigo fictício,
vocês me arranjaram esse inimigo fictício, que eu preciso combater.
(…) Deus não existe e, se existe, é preciso tomar dele o
poder, ele não tem sido competente, para um onipotente tem um desempenho
muito pouco satisfatório. E então, diante do exposto, o senhor
tem razão, de fato eu sou Satanás, o senhor tem razão,
é mais do que lógico.

Vade retro, pensou Monteirinho (…) Aquilo tudo era terrível
mesmo, e mais terrível ainda por se passar daquela forma irresistível,
como Lúcio Nemésio dissera tão convincentemente. João
Pedroso tentara resistir e fora eliminado. Sim, fora eliminado, agora tinha
certeza, embora não pudesse provar, embora jamais pudesse dizer a
ninguém. Tinha certeza, certeza absoluta de que João fora
morto por obra de Ângelo Marcos, ao sedescobrir enganado – não
sabia como, mas fora. E, assim, esse agente do Mal cumpriu sua missão,
removeuum obstáculo. Tudo se encaixava, o Mal havia tido grande vitória.
Dedicaria à vida, tinha dito João, dedicaria a vida a lutar
contra aquilo. Mas apenas perdeu a vida, martirizou-se anonimamente.

PRINCIPAIS PERSONAGENS DA OBRA

João Pedroso –

Protagonista da obra, ex-biólogo,
peixeiro, amargurado. A partir do relacionamento com Ana Clara e da descoberta
das mutações genéticas, muda de atitude, torna-se um homem
resoluto. É morto a mando de Ângelo Marcos, pelo pistoleiro Boaventura.

Padre Monteirinho – (Olavo Bento) Amigo de João.
É transferido de Itaparica após o seu envolvimentocom Bará
e a denúncia das experiências científicas.

Dr. Lúcio Nemésio – Foi professor de Ângelo
Marcos. Era amigo de João Pedroso, mas se rompe com este após
revelar seu projeto científico, que tem apoio de estrangeiros e do próprio
Ângelo Marcos (que desconhecia tais pesquisas). O sobrenome Nemésio
deriva do grego nêmesis, significando “indignação,
desrespeito, ira, tornar-se mau.” Na conversa final entre o Padre Monteirinho
e o Dr. Lúcio, fica explícita a relação do médico
com Satanás: “Riu novamente, uma gargalhada que lhe sacudiu todo
o corpanzil e deixou Monteirinho achando que se tratava mesmo da voz das Trevas
e do Inimigo. (…) Vade reto, pensou Monteirinho…”

Ângelo Marcos – Político consagrado e
marido de Ana Clara. Depois que seu médico, Dr. Deraldo, comunicou-lhe
que estava com câncer, Ângelo pensou em se matar. Mas se recupera
e tem até chance de vir a ser governador da Bahia. Foi Secretário
da Saúde. Embora afirme detestar homossexuais (como Cornélio,
o cozinheiro) mantinha relacionamento sexual com o pistoleiro Boaventura. Mantinha,
também, relações com outras mulheres. Era infiel. Como
político, Ângelo foi da ARENA, partido da Ditadura Militar de 1964,
passando depois para o MDB. Ao fazer um exame de consciência, o médico-político
busca amenizar sua posição direitista, alegando ter ajudado amigos
subversivos que estavam na mira da Operação Bandeirantes (movimento
repressorda época da Ditadura Militar).

Bará da Misericórdia – Curandeiro. É
acusado de manter práticas que atentam contra a medicina e a saúde
pública. É obrigado a mudar de terreiro, mas não vai preso,
pois João Pedroso presta-lhe ajuda. Bará relaciona-se com o Bem.
Seu nome verdadeiro é Sebastião Boanerges da Conceição.

Ana Clara – Amante de João Pedroso. Apaixona-se
por ele e, depois de seu desaparecimento torna-se esquizofrênica, deixando
que a personalidade “Suzanna Fleischman” se apodere dela. É
uma burguesa frívola e fútil, assim como sua amiga Bebel, esposa
de Nando, traindo-lhe com seu ex-marido, Tavinho, dependente de droga (cocaína).

Boaventura – Pistoleiro que trabalhava para família
de Ângelo Marcos. Tornou-se amante do político.

TEMPO E ESPAÇO

O tempo predominante na obra é cronológico (gira em torno de
um ano), ainda que o tempo psicológico apareça nas muitas lembranças
dos personagens, principalmente de Ângelo Marcos. É o tempo cronológico
que dá mais ritmo e velocidade à narrativa. O romance inicia-se
na época da soalheira, calor insuportável, mormaço e termina
após uma chuva, com um céu azul.

A narrativa se passa, basicamente na Ilha de Itaparica, Bahia, que não
é mostrada como um paraíso perfeito, já que existem muitos
miseráveis e famintos, muita gente aleijada, como a família de
Mãozinha e todo tipo de morte.

– Aqui na ilha, se morre de tudo, não tem essa conversa de que
aqui não acontece certas mortes – disse Mero Doido, que desde
as cinco horas estava fazendo um levantamento dos mortos ligados ao Mercado
e das causas de suas mortes. – Você não diz uma doença,
inclusive das mais modernas, que alguém aqui não tenha morrido.
Até umas doenças que não são nem bem doenças
aqui se morre, como Galo Cego, que teve uma espinha no nariz que foi virando
câncer e comeu a cara dele toda e ele morreu fedendo e com a cara
toda comida. Isso de uma espinha. Filu foi de hidropisi, Nandá foi
derrame, Roque Feio foi diabete, Lazarão foi tifo, mosquete foi tuberculose,
Unha Grande foi doença de Chagas e Zoinho dizem que foi de Aids.
Até Aids já deu aqui, e Zoinho não era falso ao corpo,
pelo contrário. Aqui dá tudo. E agora o neto mais velho de
Quatinga morreu de tumor no cérego.

Há, também, referências a Salvador e São Paulo.
Na cidade grande, há violência, como narra Tavinho a respeito do
assalto em que sua namorada, Kátya, foi estuprada por ladrões.
Itaparica é o local onde prevalece o ócio, o lazer, a diversão,
os desregramentos sexuais, muita pescaria, praia, bebida. Por dentro daquela
pedra (a ilha) busca-se o elo perdido entre o homem e o macaco, entre o Homem
e Satanás.

FOCO NARRATIVO

O romance é escrito na terceira pessoa por um narrador onisciente que
nos leva a ver o mundo sob a ótica de alguns personagens. Há momentos
em que a narrativa apresenta-se sob o ponto de vista de um ou outro personagem
e nos diálogos. Nesses instantes, o discurso passa de terceira para a
primeira pessoa.

O autor utiliza-se bastante de intertextualidades no romance.

… respondera Deraldo com a mesma cara pétrea, e costumam causar
queda de cabelo também, embora eu ache que você está
cometendo uns certos exageros poéticos, você sempre foi meio
puxado a Castro Alves.
(Referindo-se a Ângelo Marcos)

..Não, tipo Lady Chatterley – como era mesmo o nome do
peru do amante dela? John Thomas, claro que sim, ela tinha até umas
três ou quatro anotações que falavam no John Tomas.

(Ana Clara comparada à personagem do famoso romance de mesmo nome,
do escritor D. H. Lawrence.)

…Meu ideal de vida é Marmeladov, de vez em quando eu pego
Crime e Castigo só para ler as partes emque ele aparece!
(João
Pedroso se comparando ao personagem de Dostoievski)

…Abraão também teve amante, para não falar em
Salomão. E o comportamento de David com Urias foi de uma escrotidão
inominável, mau caratismo absoluto. É como eu lhe disse e
lhe digo sempre: também já li o Livrão, você
não me engabela.
(João Pedroso se defendendo com o Padre)

…Creio até que sacrifício como o mencionado nem mesmo
é estranho à tradição cristã –
embora nisso não reivindique legitimidade, nem pretenda mais que
dar um exemplo e espicaçar uma lembrança –, pois, senão
me trai a memória que os anos já empanam, são abundantes
as referências ao assunto na Escrituras e – corrija-me o Reverendo
se laboro em erro – recordo que o começo do Levítico
estabelece regras para os sacrifícios ditadas por Deus, que até
menciona especialmente carneiros.
(Bará, o feiticeiro justificando
suas práticas religiosas)

A linguagem da obra é contemporânea (variada) em estilo que vai
do erudito – cientificismo; linguagem formal (a linguagem de Bará
é muito distante da linguagem popular) ao coloquial (gírias; estrangeirismos;
termos chulos; deformações lingüísticas, provérbios…).

Fontes: Prof. Ozório Duarte de Lacerda – Mega Concursos | Revista
Iberomania
(publicado no Jornal da Poesia)

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