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O tesouro da casa velha, de Cora Coralina

by Lucas Gomes

O livro O tesouro da casa velha é póstumo, e não contou com a seleção final da própria autora,
Cora Coralina. Os contos selecionados não constituem meras reproduções histórico-sociais, pois possuem
transcendência e uma peculiaridade narrativa das mais interessantes, resgatando uma linguagem já perdida, mas que na sua voz ganha
autenticidade. Seus contos versam sobre a vivência e as mágoas do passado de 96 anos e não apresenta
qualquer mudança de estilo.

A obra traz histórias que retratam a preocupação da poetisa pelos personagens marginalizados por uma
sociedade feroz. São narrativas de leitura fácil, em linguagem simples, com poucos termos regionais, sem
o rebuscamento dos escritores da época.

A coletânea é de poemas que viraram contos, personagens que mudaram de nomes, girando em ciranda ao
redor da “Casa Velha da Ponte” e dos “Becos encantados da velha Goiás”, às vezes pelo interior do Estado
de São Paulo, onde Cora recolheu sua melhor vivência telúrica e que resultou em páginas belíssimas. São
imagens que se sucedem, a cada vez enriquecidas de novos detalhes, novas óticas, de tom sempre lírico,
mesclado com pitadas de humor e severas críticas de costumes, através dos seguintes títulos:

1. Contas de dividir e trinta e seis bolos
2. A menina, as formigas e o boi
3. O tesouro da Casa Velha
4. Das coisas bem guardadas e suas conseqüências
5. O capitão-mor
6. As capas do diabo
7. As almofadas de dona Lu
8. Zé Sidrach e Dico Foggia
9. Candoca
10. Medo
11. As cocadas
12. Última impressão
13. O corpo de delito
14. Minha irmã
15. O boi balão
16. Sequeira versus Siqueira
17. Ideal de moça
18. Quem foi ela?

Um dos contos traz o testemunho comovente da educação de um jovem oprimido pela palmatória; outro, traça
um retrato divertido sobre o excesso de cuidados em se deixar coisas fora do alcance de crianças. A
autora ainda escreve sobre achar um tesouro e não compartilhá-lo com ninguém, apesar do receio de uma
maldição, entre outros temas.

Cora Coralina ainda conta com nostalgia e compaixão a história do seu primo Zezinho, a quem um velho tio
ensinava a ler e a contar, à força de bolos de palmatória, uma história dura e triste que acaba bem, mas
donde se desprende uma insinuada revolta contra a humilhação de uma criança que gostava de observar os
pássaros e os bichos da Fazenda Paraíso enquanto fazia contas de patacas e tirava provas dos nove, no
alpendre de um velho moinho. Fazia sombra nessa construção primitiva, um abacateiro enorme sempre
com frutos pendentes se esborrachando na caída e um velho e esgalhado jambeiro onde trilavam todos os
beija-flores da terra e dobravam o canto inigualável os velhos sabiás de peito vermelho, nas longas
tardes de outubro
.

O tesouro da casa velha constitui mais uma fatia de um todo que se manteve coerente durante a
existência da poetisa, da poesia feita de memória, o que ela chamou de “minha força tribal” e que já se
constitui na sua marca. Cora tinha a sabedoria à flor da pele, fazia poesia ao reproduzir a linguagem
bruta do interior goiano, encontrando o melhor de sua expressão literária, mas só teve seu primeiro
livro publicado em 1965, aos setenta e seis anos de idade, embora desde moça já escrevesse.

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