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O tesouro de Chica da Silva (Peça da obra A Revolta da Cachaça), de Antonio Callado

by Lucas Gomes

O tesouro de Chica da Silva

, em 2 atos, é uma peça de fundo histórico,
escrita em 1958.

A escrava Chica da Silva é a principal figura, cercada por suas mucamas, também
negras, que formam uma espécie de coro. Além delas, há outras personagens
importantes que com elas atuam, o seu amante, contratador de diamantes, João
Fernandes, o Conde de Valadares, anti-herói, e outros brancos e negros que
fazem parte do ambiente do Arraial do Tijuco (hoje, Diamantina) no século XVIII,
tempo em que se passa a história.

Quando a peça começa, Chica é a amante do contratador e vive muito feliz com ele.
Mas encontra-se no Tijuco o corrupto Conde de Valadares, governador da Capitania,
embaixador do Rei de Portugal e do temido Marquês de Pombal. Ele está encarregado
de fazer uma devassa que irá provocar a ruína de Chica e de João Fernandes. Na
peça, Chica tenta primeiro comprar o conde, mas ele sempre quer mais.

Como ela não tem um tesouro em pedras preciosas que lhe havia prometido, ele ordena
a prisão do contratador e a devolução de Chica para a senzala, para que volte a
viver como as outras escravas. Aí ocorre o inesperado: o filho do Conde, D. Jorge,
que não era publicamente reconhecido como tal, apaixona-se por Chica e, por amor,
mata o capitão enviado pelo conde para levá-la à senzala. O tesouro prometido por
Chica se converte então, para surpresa final do conde e do público, no filho
deste, que ela lhe presenteia adormecido em sua cama, quando descansava do stress
sofrido por matar o capitão. Como o conde não quer que o crime se divulgue e muito
menos seu autor, o que o desmoralizaria, rende-se e faz o que Chica quer. Propõe-se a
soltar o contratador que estava preso, mas Chica lhe ordena que ainda o deixe dormir
na prisão uma noite, para que aprenda a ser mais corajoso, já que ela o condena por
deixar-se vencer tão facilmente pelo conde. Como se vê, Chica domina a cena,
apresentando-se como mulher forte, ao contrário do passivo contratador.

Um aspecto importante a assinalar nessa peça é que a rusticidade mal disfarçada de
Chica serve freqüentemente para revelar a pseudo-cultura de uma elite de brancos
tão ou mais ignorantes do que ela. O contraste se obtém ainda contrapondo elementos
da cultura branca a elementos da cultura negra, como na música, por exemplo, onde o
lundu africano aparece ao lado da música austríaca, apreciada pelos nobres portugueses.
Mas também se evidencia a capacidade de os negros, representados por Chica e seus
companheiros e companheiras, se apropriarem da música estrangeira e da música de
brancos, valorizando, entre outras, a modinha de origem portuguesa.

Aqui, como em Pedro Mico, estão presentes os mitos afrobrasileiros. Além de Zumbi,
são mencionados os Orixás, a quem Chica sempre recorre nos momentos difíceis, ficando
com fama de feiticeira.

A personagem Chica da Silva reproduz também, tal como Pedro Mico, a figura do negro
esperto e sedutor. No caso, trata-se da mulata com toda a sua ambiguidade de caráter,
postada entre os poderosos detentores da riqueza produzida pela mineração, e um
séquito de mulatas que a servem. Aqui, o enredo se presta a uma alegoria de escola
de samba. É a mulata por quem os portugueses se entregam, a exemplo do Contratador
de Diamantes João Fernandes e do jovem D. Jorge, filho do Conde de Valadares. A
lendária história da amante do contratador não conhece limites para a mulata herdeira
de grandes fortunas em jóias, propriedades e escravos, que quase perdeu seus privilégios
com a intervenção do temível Conde de Valadares, na figura do Governador da Capitania e
Embaixador d’El Rei D. José e do Marquês de Pombal.

Ao contrário de Pedro Mico, a astúcia, simplesmente, não seria suficiente para livrar
Chica da Silva e o companheiro das malhas do fisco português que tencionava tirar o
máximo proveito das riquezas minerais produzidas na colônia, à custa de condenações
rigorosas, usando toda a violência possível. Foi graças à providencial aparição do
apaixonado D. Jorge que Chica e o Contratador se livram da ruína anunciada, como se
constata no desfecho cômico, com a sedutora mulata encontrada pelo furioso Conde, na
cama, nos braços de D. Jorge, após o assassinato pelo próprio filho do Capitão da
Guarda. Com a família envolvida no escândalo e a garantia de vantagens pessoais o fiel
vassalo do rei bate em retirada e silencia sobre os desmandos morais da colônia
degenerada e os desvios de riquezas entre gente desclassificada, conforme julga o
Governador.

A representação da personagem Chica da Silva já não nos remete ao “negro heróico”,
como paradigma de uma história da resistência, que sofre a perseguição e a morte
para afirmar-se. Chica da Silva possibilita uma atrevida convivência com os poderosos,
com todos os riscos que esta parceria pode provocar, ao reproduzir a relação da
senhora com o seu séquito de mucamas, prestes a servir, felizes a colaborar.

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