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Ode ao burguês (Poema de Paulicéia Desvairada), de Mário de Andrade

by Lucas Gomes

Ode ao Burguês é o nono poema da obra Paulicéia desvairada, de Mário de Andrade. Foi lido durante a Semana de Arte Moderna de 1922, para o espanto da platéia, alvo evidente dos versos:

Eu insulto o burguês! O burguês-níquel,
o burguês-burguês!
A digestão bem-feita de São Paulo!
O homem-curva! O homem-nádegas!
O homem que sendo francês, brasileiro, italiano,
é sempre um cauteloso pouco-a-pouco!

Em Ode ao Burguês, Mário de Andrade atacou as elites retrógradas. O poema caracteriza uma fase do Modernismo marcada pelo empenho na destruição de um passado literário, político e cultural que mantinha a sociedade brasileira atada a modelos e comportamentos que vigoraram em fins do século XIX.

No contexto revolucionário do modernismo, o termo “burguês” tem um campo semântico bem caracterizado. Com ele designa-se geralmente o inimigo, ou seja, o indivíduo que, indiferente às propostas de modernização estética e social, permanece preso ao passado. O próprio de seu comportamento é isolar-se do mundo por não querer se sujar. Insensível aos clamores da vida, o burguês refugia-se numa redoma asséptica e ali permanece, contemplando narcisicamente o próprio umbigo – “satisfeito de si”. Note-se quanto essa imagem evoca-nos a repleção, a auto-suficiência do personagem que Mário de Andrade desanca neste poema intitulado, significativamente, Ode ao burguês (Ódio ao burguês).

A atmosfera de tédio, monotonia e pobreza espiritual, frequentemente acompanhada pela denúncia social, chegou a um ataque agressivo à mentalidade pequeno-burguesa, em Ode ao burguês:

Eu insulto o burguês-funesto!
O indigesto feijão com toucinho, dono das tradições!
Fora os que algarismam os amanhãs!
Olha a vida dos nossos setembros!
Fará Sol? Choverá? Arlequinal!
Mas à chuva dos rosais
O êxtase fará sempre Sol!

(“Ode ao burguês”)

O universo do poeta opõe-se, radicalmente, ao conforto, luxo e opulência do mundo burguês; seu espaço está fora das quatro paredes, sua moradia é a rua, onde, no meio da massa amorfa, coloca-se ao lado dos desprotegidos, pobres e humildes.

A sátira em Ode ao burguês é coerente na medida em que seu alvo é o outro; é o burguês rico, ignorante, preocupado com o dinheiro, com as aparências e sem fé cristã. Não se pode, então, ver a crítica, a sátira dos modernistas em Ode ao burguês como caracterizadora de uma postura antiburguesa, uma vez que as
idéias desses modernistas não se chocavam com o burguês intelectualizado, ela se restringia ao burguês urbano e não ao burguês rural

O poema na íntegra:

Eu insulto o burguês! O burguês-níquel
o burguês-burguês!
A digestão bem-feita de São Paulo!
O homem-curva! O homem-nádegas!
O homem que sendo francês, brasileiro, italiano,
é sempre um cauteloso pouco-a-pouco!
Eu insulto as aristocracias cautelosas!
Os barões lampiões! Os condes Joões! Os duques zurros!
Que vivem dentro de muros sem pulos,
e gemem sangue de alguns mil-réis fracos
para dizerem que as filhas da senhora falam o francês
e tocam os “Printemps” com as unhas!

Eu insulto o burguês-funesto!
O indigesto feijão com toucinho, dono das tradições!
Fora os que algarismam os amanhãs!
Olha a vida dos nossos setembros!
Fará sol? Choverá? Arlequinal!
Mas as chuvas dos rosais
O êxtase fará sempre Sol!

Morte à gordura!
Morte às adiposidades cerebrais!
Morte ao burguês-mensal!
Ao burguês-cinema! Ao burguês-tiuguiri!

Padaria Suíssa! Morte viva ao Adriano!
_ Ai, filha, que te darei pelos teus anos?
_ Um colar… _ Conto e quinhentos!!!

_ Más nós morremos de fome!

Come! Come-te a ti mesmo, oh! Gelatina pasma!
Oh! Purée de batatas morais!
Oh! Cabelos na ventas! Oh! Carecas!
Ódio aos temperamentos regulares!
Ódio aos relógios musculares! Morte á infâmia!
Ódio à soma! Ódio aos secos e molhados
Ódios aos sem desfalecimentos nem arrependimentos,
sempiternamente as mesmices convencionais!

De mãos nas costas! Marco eu o compasso! Eia!
Dois a dois! Primeira posição! Marcha!
Todos para a central do meu rancor inebriante!
Ódio e insulto! Ódio e raiva! Ódio e mais ódio!
Morte ao burguês de giolhos,
cheirando religião e que não crê em Deus!
Ódio vermelho! Ódio fecundo! Ódio cíclico!
Ódio fundamento, sem perdão!
Fora! Fu! Fora o bom burguês!…

Notas:

Mário de Andrade goza os burgueses, que ampliam suas barrigas à proporção que murcham o cérebro. A rebeldia social encontra correspondência estilística: em lugar de adjetivos são usados substantivos com função adjetiva (“homem-curva”, “homem-nádegas”). O Futurismo preconizava o abandono do adjetivo e da pontuação regular.

Em profundo desabafo pessoal, o poeta denuncia a mesquinhez, o pão – durismo dos imigrantes bem – sucedidos.

Atendendo à técnica do verso harmônico, proposta no “Prefácio Interessantíssimo”, Mário de Andrade joga com a rima em diferentes posições, no mesmo verso ou em versos seguidos, daí as assonâncias alcançadas em zurros – muros – pulos.

Faz referência sarcástica aos hábitos colonizados de falar o Francês e participar da onda de “ pianolatria”.

É uma sátira aos que cultivam a ideologia da “caderneta de poupança”, tão empenhados em assegurar o futuro, que se esquecem de viver o presente.

Pessoas que têm banha, sebo na cuca, retardando o andamento de suas células cerebrais.

Colocando este verso após o diálogo mercantil entre o pai burguês e a filha pianólatra, o poeta se posiciona num socialismo emotivo e intenso.

Bronca contra o comportamento previsível daqueles que se deixam marcar pela repetição dos mesmos hábitos, sem perceber o quanto a rotina asfixia e aprisiona o cérebro e as sensações.

“giolhos”: joelhos; agressão aos “papamissas” que fazem do compromisso de ir à igreja muito mais um hábito social do que, efetivamente, um ato de fé.

Os adjetivos “vermelho”, “fecundo” e “cíclico” são aplicados contra a expectativa da norma. Geram nonsense. No verso seguinte reaparecem as antimerias: substantivos com função adjetiva.

Ode ao burguês é o poema mais famoso do autor. O título em si, parecia indicar um canto de triunfo (como eram as odes gregas) à burguesia, mas, na realidade, quando lido, revela sua intenção crítico – agressiva, pois o que se entende, ao pronunciá-lo é “Ódio ao Burguês”, o que o texto, efetivamente, é.

Repetindo a mesma técnica de composição fragmentária do poema, este poema é quase inteiriçamente, uma violenta declaração de ódio à aristocracia e à burguesia paulistanas, por causa de sua incapacidade de sonhar, de dar o verdadeiro valor às coisas do espírito. Este tipo de crítica vinha se desenvolvendo desde o romantismo, mas alcança neste texto, que é quase um panfleto político, um momento destacado. Nele o artista que aí se vinga o mundo da opressão burguesa e aristocrática, nos é apresentado como alguém capaz de humanizá-lo, pois tem o poder de produzir “o êxtase” que fará sol!”

No poema o tom agressivo e exclamativo, sugere os gritos e revolta; a irreverência contra a estrutura social; o uso do verso livre; e a substantivação dupla.

É um poema rebelde de Mário de Andrade, mostrando o ódio e insulto ao burguês, a mesmice do cotidiano artificial da burguesia citadina. Ódio ao burguês – níquel (dinheiro) que tem digestão em quanto muitos passam fome, as formas, as curvas, as nádegas, as preocupações com o corpo. Que tem sempre algo de francês italiano.

A subjetividade do poeta insulta a cautela o cuidado a aristocracia e critica os barões lampiões, donos de terra que são verdadeiros donos de bandos, jagunços, os condes joões, nobres com nomes populares e origem humilde e os duques zurros (vozes de burro) esses burgueses que vivem dentro de seus domínios (seus muros) e não coragem para mudar (pular o muro) chorando alguns mil – réis gastos com aulas de francês para as filhas.

O insulto ao burguês que diz ser mantenedor das tradições mas acha indigesto o feijão com toucinho, os que contam o amanhã autor pede morte à, gordura, a gordura cerebral, o burguês mensal dia – dia que freqüenta o cinema com carruagens. O burguês que se vê obrigado a dar de aniversário da filha um cola 1500 réis mesmo que tenha de morrer de fome.

O burguês come a si, ele é um purê de batatas morais. Ódio ao comportamento regular, normal, as rotinas (o relógio muscular) hora de almoço, jantar … ódio a soma (o capitalismo) ao comércio, a quem não se arrepende a quem não desmaia, as convenções sociais. Morte a falsa religião. Ódio vermelho, alusão ao comunismo, contra o burguês, sem perdão ao burguês.

Créditos: Zuzana Burianová, Departamento de Literatura e Artes, Universidade de Palacky, República Tcheca | Prof. Chico Viana | Prof. Jonildo Lima, professor de Literatura e Leituras Obrigatórias em cursos pré – vestibulares

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