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Os Descobrimentos: 3. Os descobridores do Novo Mundo

by Lucas Gomes


Liu Gang e o mapa

Chineses no Brasil? Vikings na América? Exploradores fenícios?

No outono de 2001, em uma pequena loja de antiguidades na cidade portuária de
Xangai, na China, estava pendurado na parede, entre outras relíquias, um velho
mapa-múndi acumula poeira. Os olhos atentos de Liu Gang, um dos mais respeitados
advogados corporativos da China e colecionador de antiguidades nas horas vagas,
examinando o achado, logo notou algo estranho. O mapa estava coberto de anotações
em caracteres chineses e uma delas continha a data em que foi desenhado – 1763.
Mais abaixo, lia-se: “O cartógrafo Mo Yi Tong copiou este mapa a partir de
um original de 1418
“. A informação era um contra-senso – pelo menos no que
dizia respeito à história que se aprende nas lições escolares. Porque o mapa mostrava,
com riqueza de detalhes, as Américas e a Austrália. Ou seja, todo o “Novo Mundo”,
supostamente descoberto por exploradores europeus a partir de 1492, na aventura
de conquista que ficou conhecida como Era dos Descobrimentos.

Liu Gang pagou US$ 500, uma pechincha no mercado de antiguidades chinesas, e levou
o mapa para casa. Durante os 3 anos seguintes, ficou se perguntando se o documento
não seria uma farsa. Até que um dia leu o livro 1421 – O Ano em Que a China
Descobriu o Mundo
, do ex-oficial da Marinha britânica e historiador diletante,
Gavin Menzies (escrita em 2002, a obra também foi lançada no Brasil). Embora nunca
tivesse ouvido falar do mapa de Liu Gang, Menzies defendia uma tese que lhe caía
como uma luva. A partir de uma pesquisa feita ao longo de 14 anos em diversas
partes domundo, o ex-marinheiro concluiu que aquilo que os historiadores ocidentais
diziam há centenas de anos estava errado: foram os chineses os primeiros exploradores
a alcançar o Novo Mundo – e isso quando Cristóvão Colombo nem era nascido.

Revelado à comunidade científica em janeiro de 2006, o mapa do honorável Liu Gang
incendiou manchetes e controvérsias ao redor do mundo. Para alguns, não passava
de farsa; para outros, era mais uma entre muitas chibatadas no velho mito dos
descobrimentos europeus. Hoje, evidências arqueológicas comprovam que pelo menos
uma parte do Novo Mundo já tinha sido descoberta pelo menos 500 anos antes de
Colombo – e isso sem falar nas lendas e documentos que falam de viagens transatlânticas
na Antigüidade. Mas antes de se voltar na história e analisar cada uma das possíveis
descobertas, recapitule a história oficial, contada pelos cristãos europeus, brancos
e “civilizados”, que desbravaram e colonizaram o globo entre a metade do século
15 e fins do século 18.

A Idade dos Descobrimentos


Cristóvão Colombo

Até os últimos anos da Idade Média (que acabou em 1453 com a queda de Constantinopla),
a geografia era quase um gênero de literatura fantástica. Em sua maioria, os mapas
feitos na Europa repetiam as idéias dos antigos gregos e romanos: o mundo era
formado por apenas três partes – a Europa, a Ásia e a África – e dois mares
navegáveis, o Índico e o Mediterrâneo. Esse era o Velho Mundo, que, bem ou mal,
estivera conectado durante 5 mil anos anteriores de história. Fora disso, o que
havia era trevas, superstição e dragões assassinos.

A invenção que abriu os mares aos exploradores europeus surgiu por volta de 1430: a caravela, obra-prima de marujos e
engenheiros portugueses. Até então, a maior parte das navegações ocorria perto do litoral ou em águas conhecidas e mapeadas
de antemão. Singrar oceanos e “águas nunca dantes navegadas” era perigoso demais: os barcos só flutuavam com segurança se
estivessem a favor dos ventos e uma súbita mudança na circulação do ar podia causar naufrágios e fazer até o comandante mais
exímio perder o rumo. A caravela era projetada exatamente para superar esse obstáculo. Tinha um sistema que rotacionava as
velas de acordo com a direção do vento e assim permitia a navegação mesmo quando o ar soprasse na direção contrária.

A primeira grande descoberta da era das caravelas não foi um continente, mas uma apavorante península de rochas, castigada
por tempestades e ondas gigantes. Era o Cabo das Tormentas, depois rebatizado de Cabo da Boa Esperança – o último limite no
sul da África, onde as águas do Atlântico e do Índico se encontram, que foi desbravado por Bartolomeu Dias em 1487. Estava
aberto o caminho marítimo entre a Europa e a Ásia, que logo se tornou uma movimentada rota comercial e deu origem ao primeiro
processo de globalização em larga escala.

Pouco a pouco, as sombras nos mapas antigos foram clareadas. Em 1492, o genovês Cristóvão Colombo, a serviço da Espanha,
atravessou o Atlântico. Sua missão era fazer a volta ao mundo pelo oeste e chegar à Ásia – já que a rota que contornava a
África pelo sul era dominada pelos portugueses. Em vez disso, Colombo deu com suas caravelas nas ilhas do Caribe – na época,
ninguém falou em descobrimento, já que o próprio Colombo acreditava ter chegado a algum arquipélago no leste asiático. E,
em 1500, como você já ouviu milhares de vezes, Pedro Álvares Cabral deparou “por acaso” com o monte Pascoal, no litoral da
Bahia – mero “desvio” no meio de uma viagem cujo destino oficial também eram os reinos opulentos do Extremo Oriente. A Idade
dos Descobrimentos continuaria por mais dois séculos: o último grande explorador dos mares foi o britânico James Cook, que
descobriu oficialmente a Austrália em 1771.

Tudo isso é o que todos aprendemos na escola – mas pesquisas modernas, muitas
delas baseadas em documentos bem antigos, mostram que todas as “descobertas” citadas
aqui são verdades relativas. Começando pelo “terra à vista” de 22 de abril de
1500.

Quem descobriu o Brasil?


Pedro Álvares Cabral

Verdade seja dita: nosso ilustre e oficial descobridor, o fidalgo Pedro Álvares
Cabral, até 1500, nunca tinha pilotado um navio (os detalhes técnicos da viagem
ficaram por conta de seus subordinados). Também há indícios de que não fosse um
sujeito dos mais brilhantes. E hoje, quase ninguém acredita que ele tenha sido
o primeiro navegador a chegar ao Brasil – e muito menos que ele o tenha feito
“por acaso”.

O maior concorrente de Cabral ao título de descobridor foi um personagem digno
de romances de aventura: o também português Duarte Pacheco Pereira. Ele ficou
famoso exercendo uma das profissões mais requisitadas da época, a de cosmógrafo,
mistura de geógrafo, matemático e marujo – desenvolveu cálculos que lhe permitiam
localizar melhor do que ninguém a posição de longitude da embarcação. Era também
um guerreiro famoso pela valentia no campo de batalha, como na ocasião em que
derrotou exércitos na Índia comandando um punhado de guerreiros. Celebridade lusa,
foi transformado em personagem de Os Lusíadas. Em 1498, o rei dom Manuel
encarregou esse marinheiro multifunção de uma missão ultraconfidencial: descobrir
se as terras encontradas por Colombo do outro lado do Atlântico faziam mesmo parte
da Ásia. Pacheco deveria navegar até a linha de Tordesilhas, fronteira diplomática
traçada por portugueses e espanhóis para dividir as terras recém-descobertas –
ou ainda por descobrir.

Durante séculos, ninguém soube por onde andou Pacheco. Até que, em 1882, foi publicado em Portugal o Esmeraldo de Situ
Orbis
, ou Tratado dos Novos Lugares da Terra, obra assinada pelo próprio Pacheco mas desconhecida até então.
No ano de Nosso Senhor de 1498, Vossa Alteza nos mandou descobrir a parte ocidental, passando a grandeza do Mar Oceano, onde
é achada e navegada uma vasta terra firme, grandemente povoada
“, relata o navegante, que diz ter avistado nas praias
desconhecidas uma multidão de “gente parda, mas quase branca”. “Mar Oceano” era outro nome para o Atlântico e a descrição
dos nativos bate com a tribo dos aruaques, que tinham pele parda, mas bem mais clara que a de povos considerados “escuros”
pelos europeus na época, como africanos, indianos – mesmo entre os indígenas brasileiros, os aruaques são considerados os
que têm a pele mais próxima do branco. Pesquisas arqueológicas feitas nos anos 90 revelaram que a tribo era muito numerosa
no século 15, o que explicaria também a menção a “terras grandemente povoadas”. Outro detalhe: os aruaques povoavam o litoral
do Maranhão, por onde passava o traço invisível do Tratado de Tordesilhas.

A tese de que Pacheco esteve no Brasil em 1498 foi defendida pelo português Jorge
Couto em A Construção do Brasil, de 1995 – na época, muitos historiadores
reclamaram que a teoria estava baseada em um punhado de frases ambíguas. Ainda
hoje, não há 100% de certeza quanto às andanças. “É plausível que Pacheco tenha
estado no Brasil antes de Cabral e que a Coroa Portuguesa tenha preferido manter
o achado em segredo
“, diz Leandro Karnal, especialista em História da América
Latina, da USP. “Os reis de Portugal mantinham em grande sigilo as navegações.
Divulgar rotas marítimas era crime punido com pena de morte
“.

Outro aventureiro famoso que pode ter lançado âncoras em nossas praias antes de
Cabral foi o geógrafo e marujo italiano Américo Vespúcio, que entrou para a história
ao desmentir as teorias de seu conterrâneo Colombo. Em 1504, Vespúcio publicou
um texto chamado Novus Mundus, garantindo que as terras no oeste do Atlântico
não eram parte da Ásia, mas um continente completamente desconhecido – “um novo
mundo”, como diz o título em latim. Você já deve ter notado que a região foi batizada
como América – e não, digamos, Colômbia – em homenagem a Vespúcio, o verdadeiro
descobridor do Novo Mundo para seus contemporâneos. Já Colombo jurou até o fim
da vida que havia chegado à China ou à Índia – a teimosia arruinou sua carreira
e ele morreu pobre, esquecido e amargurado.

O que pouca gente sabe é que o rival de Colombo pode ter desembarcado no Brasil em 1499. Pelo menos, é o que Vespúcio dá
a entender em uma de suas cartas – cujo conteúdo é questionado por alguns pesquisadores. Em 27 de junho daquele ano, ele
diz ter avistado “uma terra cheia de grandíssimos rios”, a 5 graus de longitude sul – ou seja, o litoral do Maranhão.
Outra viagem, a dos espanhóis Yanez Pinzón e Diego de Lepe, tem evidências mais sólidas – os dois marujos foram condecorados
pelo rei da Espanha por terem “descoberto o Brasil” em janeiro de 1500, dois meses antes de Cabral – empate técnico, portanto.
Em abril de 1500, o rei português teria simplesmente decidido tomar posse oficial das terras que muitos já sabiam existir.
Um “acaso” bem planejado, portanto.

Todas essas hipóteses datam a descoberta do Brasil em algum momento no fim do
século 15. Para o britânico Gavin Menzies, porém, a costa do país havia sido mapeada
80 anos antes. Vamos voltar para o ano 1421, quando a China dominava os mares.

A Armada do Dragão


Almirante Zheng He

No início do século 15, a China era, de longe, a nação mais avançada da Terra: seus exércitos já empunhavam armas de fogo
quando ingleses, portugueses e espanhóis ainda se espetavam com lanças e flechas. E o maior contraste entre o avanço da China
e o atraso europeu estava na engenharia naval. Por volta de 1400, Zhong Di, o imperador que levou a dinastia Ming ao seu auge
econômico, construiu uma frota de 300 ba chuan ou “navios de tesouro” – monstros náuticos com 150 metros de comprimento.
Relatos da época dizem que, ao serem lançados ao mar, os navios colossais pareciam uma cidade flutuante. Eram, sem dúvida, as
maiores e mais mortíferas embarcações já feitas pelo homem até então.

A armada fantástica fez várias viagens pelo oceano Índico, entre 1400 e 1430.
A mais famosa partiu de Nanquim no dia 3 de março de 1421, sob o comando do bravo
almirante Zheng He, chinês de família muçulmana e eunuco. Os relatos oficiais
dizem que o capitão eunuco navegou pela costa da África e deu meia volta nas proximidades
da Tanzânia, no leste do continente. Isso não é pouco: o percurso, de 16 mil quilômetros,
é praticamente o dobro da distância entre Brasil e Portugal. Mas, desde 2002,
quando lançou o livro 1421…, Gavin Menzies vem divulgando a teoria
de que a armada de Zheng He seguiu adiante e contornou o Cabo da Boa Esperança,
60 anos antes que Bartolomeu Dias fizesse o mesmo no sentido contrário. Dali,
os chineses teriam se lançado à descoberta do Novo Mundo.

Contornar o cabo não seria um desafio tão grande para o ba chuan. A travessia
ali é muito mais uma questão de força do que de jeito – não bastava ser um grande
navegador, mas era preciso ter uma embarcação capaz de suportar a força dos ventos
e das ondas nas “tormentas”. A partir dali, a jornada seria facilitada graças
à corrente de Bengala, que sobe pela costa da África, começando no Cabo da Boa
Esperança. “O navegante que chegasse ao cabo, vindo do leste, seria levado
pela corrente para o norte por 4 800 quilômetros
“, escreve Menzies. Nessa
altura, o navio pegaria carona em outra corrente marítima – a Sul-Equatorial,
que faz uma curva para o oeste e desemboca exatamente no norte do Brasil. Menzies
calculou que a armada chinesa tenha passado pelo litoral do Maranhão ou de Pernambuco
em setembro de 1421. Não há como saber se houve desembarque, mas Menzies apostou
que os chineses toparam com os índios brasileiros e inclusive ficaram bem íntimos
das índias: pesquisas feitas por geneticistas americanos no ano 2000 encontraram
semelhannças entre genes chineses e de tribos do Mato Grosso do Sul. Além disso,
sabe-se que tribos da Bacia Amazônica sofrem de uma doença chamada chimbere, que
causa marcas concêntricas na pele, parecidas com tatuagens. A doença só ataca
pessoas com predisposição genética, é passada de pai para filho, e o único lugar
onde a situação se repete é o leste da Ásia – lá, a enfermidade se chama tokelau.
O chimbere sul-americano e o tokelau asiático são provas de que houve contato
entre as regiões antes da chegada dos europeus
“, escreveu o geógrafo francês
Max Sorre em A Luta Contra o Meio, ensaio científico publicado em 1967
– bem antes de Menzies começar suas pesquisas.

Depois de espalhar seus genes pelo Brasil, os chineses teriam entrado no Pacífico
pelo sul da Argentina. Dali, foi só fazer a volta ao mundo. E ainda, bem no finzinho
da viagem, Menzies acreditou que eles desembarcaram na Austrália. Em 1965, exploradores
desenterraram um enorme leme de navio, com cerca de 12 metros da altura, no estado
australiano de Nova Gales do Sul. “Somente um ba chuan teria um leme tão grande“,
escreveu Menzies, que também apostou no encontro entre os descobridores chineses
e os nativos da Oceania. Tanto os aborígenes da Austrália quanto os maoris, povo
que vive na Nova Zelândia, contam lendas sobre um grupo de navegantes, “vestidos
em longas túnicas”, que teria desembarcado em suas terras antes dos europeus (por
sinal, há relatos chineses sugerindo que a Austrália já tinha sido descoberta
até antes de 1421).

Mas, se tudo isso aconteceu, então por que Brasil e Austrália não falam mandarim
e por que não comemos nossos pratos com a ajuda de pauzinhos? A resposta está
no amargo regresso de Zheng He à China em 1423. Zhong Di, patrono das navegações,
fora derrubado por uma rebelião – e o novo soberano decidiu que conquistar o mundo
estava onerando os cofres imperiais. A marinha chinesa foi praticamente desativada
e a maior parte dos documentos relativos à viagem de Zheng He foram queimados
pelos censores do novo imperador, que queria desestimular extravagâncias futuras
apagando os vestígios das passadas. A China desistiu de conhecer o mundo e decidiu
se voltar para dentro, transformando a figura de Zheng He num tabu nacional, representante
das tendências expansionistas e contrárias à idéia confuciana de que a China tinha
de ficar fechada à influência dos “bárbaros”. Abandonadas ao léu, as colônias
chinesas no Novo Mundo definharam, e sua memória se perdeu. Pelo menos até agora.

Os navegantes de Odin


Leif Eriksson

A teoria de Menzies não é muito popular entre historiadores profissionais – embora
nela tudo se encaixe, as provas concretas para apoiá-la são poucas, frágeis e
todas fortemente contestadas por historiadores. Mas, se for verdadeira, preencheria
muitas lacunas – entre elas, documentos inexplicáveis como o Planisfério de Fra
Mauro, desenhado por um monge italiano em 1459 e que repousa na Biblioteca Nazionale
Marciana, em Veneza. Nele, aparece a localização exata do Cabo da Boa Esperança
mais de 30 anos antes da descoberta oficial de Bartolomeu Dias. Menzies apostou
que o monge cartógrafo copiou uma carta náutica desenhada pela armada de Zheng
He no início do século 15.

Entre tantas dúvidas, há alguns consensos. Por exemplo: a primeira descoberta
da América aconteceu no século 9, séculos antes da dinastia Ming subir ao poder
na China. Era a época em que os vikings, antigos habitantes da Escandinávia, exploravam
o litoral da Europa e o norte do Atlântico. A Saga dos Groenlandeses, épico
viking escrito por volta do século 13, fala das navegações de Leif Eriksson, que
teria partido da Groenlândia por volta de 970 e fundado uma colônia no noroeste
do Atlântico – a Vinlândia. Conta a saga que o entreposto foi destruído por ataques
dos skraelingar – povo misterioso que “disparava flechas, vestia jaquetas
de couro e remava botes cobertos de peles
“.

A lenda da Vinlândia era bem conhecida na Europa na época dos descobrimentos,
mas durante séculos acreditou-se que o relato era pura mitologia – até que, em
1960, um grupo de arqueólogos desenterrou uma fazenda tipicamente viking na província
de Newfoundland, no litoral do Canadá. As casas estiveram soterradas por centenas
de anos, mas um rigoroso trabalho de recuperação arrancou da terra uma quantidade
assombrosa de vestígios. “A estrutura de madeira das construções, com pilastras
retangulares, é idêntica à de sítios arqueológicos na Islândia e na Groenlândia
– que eram colônias vikings
“, explica o historiador Johnni Langer, que há
anos pesquisa as viagens vikings às Américas. “Também foram encontrados vários
objetos de metalurgia, como pregos, alfinetes e fusos de tecelagem. E os indígenas
que habitavam a região não trabalhavam o ferro.
” A datação do carbono 14 (teste
químico que determina a idade de peças arqueológicas) revelou que tudo isso foi
produzido e construído por volta do ano 1000 – ou seja, a data bate com a história
da Saga. E os tais skraelingar são a cara dos indígenas beothuk, que viviam na
região nos séculos 10 e 11.

Uma questão permanece em aberto: será que os vikings exploraram o interior do continente ou ficaram só na pequena fazenda no
litoral? “Hoje, não resta a menor sombra de dúvida de que os vikings navegaram à América no século 10 e ficaram alguns anos por
lá. É uma questão de bom senso: seria estranho se não tivessem explorado terra adentro. Mas, por enquanto, faltam provas
“, diz
Langer.

Fenícios e celtas


Diodorus Siculus

As primeiras navegações confirmadas à América foram mesmo as dos vikings – mas séculos antes de Leif içar suas velas, já
circulavam no Velho Mundo lendas sobre grandes terras desconhecidas do outro lado do Atlântico. Contam historiadores antigos
que o primeiro povo a procurar esse continente remoto foram os fenícios – os maiores navegadores da Antigüidade, antepassados
dos libaneses. Na obra Bibliotheca Historica, escrita no século 1 a.C., o romano Diodorus Siculus conta que o capitão
fenício Himilcon singrou o “Oceano Ocidental” por volta de 500 a.C. e chegou a uma “grande terra, fértil e de clima delicioso”.
A descoberta foi mantida em segredo para evitar que outros povos explorassem o lugar – revelar sua localização era crime punido
com a morte.

No início da Idade Média, começaram a circular rumores de que o misterioso país
do ocidente era uma espécie de paraíso terreno, imagem do Éden descrito na Bíblia.
Entre os celtas da Irlanda, a terra encantada ganhou o nome de Hy Brazil. A palavra
céltica Brazil tem origens incertas, mas alguns acreditam que derive do termo
fenício “barzil”, que significava “ferro” – sabe-se que fenícios e celtas comerciaram
na Antigüidade e podem ter trocado vocábulos além de mercadorias. Outros tradutores
acham que Brazil vem do celta “bress”, raiz da palavra inglesa “bless” – abençoar.
A história oficial, como se sabe, conta que nosso país foi batizado em homenagem
ao “pau-brasil”, a madeira “da cor da brasa” que abundava no litoral do Nordeste
e cuja casca dava uma tintura vermelha, usada para tingir as vestes mais luxuosas
de Lisboa. Essa versão esquece, claro, que a palavra Brasil é mais antiga que
existência da própria língua portuguesa, cujos documentos mais antigos só surgiriam
no século 9.

Um descobridor alternativo das Américas pode ter sido um religioso celta em busca
do paraíso terrestre: A Navegação de São Brandão, obra escrita na Irlanda
por volta do ano 900, conta a história de um monge irlandês que em 556 teria partido
pelas águas do Atlântico em um currach – pequeno barco de madeira, coberto de
peles e usado por pescadores. Reza a lenda que São Brandão, com uma pequena tripulação
de monges-marinheiros, encontrou a fabulosa terra de Hy Brazil, “cheia de bosques
e grandes rios recheados de peixes
“, e voltou à Irlanda para contar a história.

Nenhuma evidência arqueológica confirma que fenícios ou celtas tenham estado no
Novo Mundo – mas a chance, segundo alguns pesquisadores, não é de desprezar. “Mesmo
na falta de provas definitivas, é ingênuo negar a possibilidade de que povos antigos
tenham navegado à América
“, diz Luiz Galdino, membro do Instituto Histórico
e Geográfico de São Paulo, que pesquisa as descobertas alternativas do Novo Mundo
há mais de 30 anos. Galdino aponta para a corrente Sul-Equatorial (a mesma que
pode ter trazido os chineses ao Brasil) como o caminho mais provável para exploradores
antigos. “Os fenícios tinham navios capazes de carregar mais mantimentos que
as caravelas portuguesas. Sabemos que eles navegaram pela costa da África até
o século 4 a.C. – e, se um de seus barcos tivesse entrado por acaso na corrente
Sul-Equatorial, iria diretamente para as praias de Pernambuco
“, diz Galdino,
que planeja lançar um livro sobre “as descobertas do Brasil”. “O mesmo caminho
pode ter sido seguido porceltas, romanos, árabes. O Brasil e as Américas foram
descobertos várias vezes ao longo dos séculos
“.

Novo Mundo ou fim do mundo?


James Cook

E Deus quis que o Novo Mundo fosse descoberto pelos reis cristãos e seus vassalos, e que eles aceitassem alegremente o
trabalho de converter e conquistar os idólatras. Bendito seja o Senhor!
” Assim o espanhol Gonçalo Fernandes de Oviedo
descreve o espírito de sua época, na obra Historia General de las Indias e de las Tierras del Mar Oceano, escrita em 1535.
Tempo em que os espanhóis invadiam e dominavam as terras descobertas por Colombo, “para maior Glória de Deus”. E foram os próprios
conquistadores que começaram a transformar sua aventura em história: Oviedo, um fidalgo que veio às Américas para colonizar,
foi o primeiro “cronista de Indias” da coroa espanhola – em outras palavras, historiador oficial encarregado de justificar e
glorificar a conquista. A “descoberta” foi descrita como uma vontade divina. Os índios eram infiéis sem civilização, como
os negros africanos: deviam se converter ou virar escravos.

Cronistas da época também esculpiram a versão de que nenhum outro povo “civilizado”
alcançara o Novo Mundo antes dos ibéricos. Não à toa: o dono, claro, era quem
chegou primeiro e a ele cabia o direito de ficar rico com isso. O mesmo raciocínio
foi adotado uns dois séculos depois pelos colonizadores ingleses da Austrália:
embora a ilha já tivesse sido avistada pelos portugueses em 1522, pelos holandeses
em 1614 e talvez pelos chineses bem antes disso, o “descobridor oficial” foi o
britânico James Cook, que tomou posse da terra em nome da Coroa inglesa. (De todos
os possíveis descobridores da Oceania, só os chineses vestiam “longas túnicas”,
como os misteriosos visitantes das lendas aborígenes e maoris).

No Brasil, a transformação de Pedro Álvares Cabral em herói só ocorreu no século
19. Até então, livros de história mal falavam nele. Em Portugal, também era pouco
lembrado: a casa que pertencera à sua família, na cidade de Santarém, ficou
abandonada por séculos e chegou a virar um prostíbulo, até ser restaurada em meados
do século 20. “Depois da Proclamação da República, em 1889, o país buscava
uma identidade nacional, precisava de um herói em suas origens
“, diz Leandro
Karnal, da USP. Colombo também permaneceu nas sombras por séculos e só foi reabilitado
em 1866, quando americanos de origem italiana inventaram o Columbus Day, ou Dia
de Colombo. O objetivo era sublinhar o papel da Itália na colonização da América
– truque ideológico numa época em que os imigrantes italianos eram desprezados
e até linchados pela elite anglo-saxã.

Com o tempo, a celebração da “descoberta” foi exportada para a América Central e do Sul e até hoje faz parte de muitos calendários
nacionais. É um bom exemplo de história contada pelos vencedores: europeus, brancos e cristãos. Se nossos livros tivessem sido
escritos pelos perdedores, talvez todos esses relatos não fossem contados como épicos, mas em tom apocalíptico. No México e no
Peru, sacerdotes indígenas decretavam que seus deuses nativos estavam mortos e anunciavam o fim da civilização. O que os
“descobertos” pensavam sobre a tal Idade dos Descobrimentos pode ser resumido em um verso, escrito por um poeta indígena do
México na aurora do Novo Mundo: “Oh meus filhos, em que tempos detestáveis vocês foram nascer!

Os primeiros moradores


Fóssil batizado de Luzia

Discutir se foram chineses, vikings ou espanhóis os primeiros a chegar ao Novo Mundo guarda um certo equívoco histórico.
Afinal de contas, as Américas já tinham sido descobertas havia pelo menos 15 mil anos – e a Oceania, há cerca de 46 mil!
Os pioneiros vieram da Ásia, quando os ancestrais dos portugueses ainda viviam na Pré-História.

Os primeiros australianos, ancestrais do povo que os colonizadores ingleses batizaram de aborígenes, eram caçadores e pescadores
de pele escura, originais do Sudeste Asiático. Chegaram à Oceania caminhando – naquela época, havia ligações por terra entre as
ilhas do Pacífico e o litoral da Ásia. O que pouca gente sabe é que os primeiros habitantes da América não foram os ancestrais
dos nossos índios de pele avermelhada e olhos puxados, mas parentes dos australianos antigos. Em 1999, o arqueólogo brasileiro
Walter Neves examinou um crânio feminino encontrado em Minas Gerais e descobriu feições aborígenes (ou “australo-melanésias”,
para usar o termo científico). O fóssil foi batizado de Luzia e data de 12 mil anos atrás – a primeira brasileira de que se tem
notícia. Os tataravôs de Luzia devem ter chegado à América vindos do Sudeste Asiático.

Já os ancestrais dos nossos tupiniquins, dos astecas mexicanos e dos apaches dos EUA só começaram a chegar ao Novo Mundo
há 12 mil anos. Vieram da Sibéria, atravessando o estreito de Bering e se espalharam para o sul. Como o interior da América
do Norte estava congelado na época, os prototupis teriam navegado até a América Central e, a partir daí, desbravado o interior,
chegando até os confins da Terra do Fogo, no extremo sul do continente. Segundo Walter Neves, devem ter entrado em conflito
com os australo-melanésios, na disputa por caça e território. “Não se sabe ao certo quando o povo de Luzia foi extinto, mas é
possível que alguns poucos ainda existissem na época do descobrimento português
“.

Como se enfrentava o mar bravio?
Currach
O pequeno barco irlandês feito de madeira era coberto com
peles animais e tripulado por até 10 pessoas. Em 1978, um britânico construiu
uma réplica do currach e viajou da Irlanda ao Canadá parando nas ilhas do
norte do Atlântico.
Knorr
O barco viking era comprido e esguio, com linhas de remos nas laterais
e uma única vela. Seu casco deslizava sobre ondas bravias em vez de perfurá-las
– um truque de engenharia náutica para driblar as tempestades do norte.
Caravela
Ao contrário de todos os barcos acima, a invenção portuguesa não tinha
velas quadradas, mas triangulares. Isso permitia navegar a “barlavento”
(quer dizer, na direção contrária aos ventos) com muito mais rapidez e segurança.
Birreme
O navio fenício era a melhor embarcação da Antiguidade. Tinha 2 ou 3
fileiras de remos – daí o nome birreme ou trirreme – e até 35 metros. Foi
copiado por gregos e romanos, que o usaram para dominar a navegação no Mediterrâneo.
Ba chuan

O navio chinês foi a mais potente embarcação construída até o século
20. Levava 200 toneladas de carga, o que garantia autonomia de 7 mil quilômetros
– o suficiente para cruzar o Atlântico sem paradas.
Histórias oficiais e histórias alternativas

Quem descobriu a América?

Aprende-se: Em 1492, Cristóvão
Colombo foi o primeiro navegante a chegar à América.
As outras versões: A grande armada
da China imperial teria descoberto a América em 1421. Mas arqueólogos afirmam
que vikings aportaram no Canadá por volta do ano 1000. E há relatos de que
fenícios descobriram uma “grande terra no Ocidente” por volta de 500 a.C.

Quem dobrou o Cabo da Boa Esperança?
Aprende-se: O navegador português Bartolomeu Dias foi
o primeiro navegante a contornar o promotório no sul da África, segundo
os relatos oficiais, em 1487.
As outras versões: De novo, a taça
seria dos chineses. Gavin Menzies disse que um ba chuan superou as fortes
ondas e ventos do cabo cerca de 60 anos antes de Dias realizar a façanha.

Quem descobriu o Brasil?

Aprende-se: Um mero acaso a caminho das Índias. Assim
Cabral descobriu o Brasil, em 1500.
As outras versões: Em missão secreta
Duarte Pacheco Pereira teria chegado em 1.498. Outros ibéricos a aportar
aqui antes de Cabral podem ter sido Américo Vespúcio, Yanez Pinzón e Diego
de Lepe. E há quem defenda que chineses não só estiveram aqui, como fizeram
filhos com as índias.

Quem descobriu a Austrália?
Aprende-se: Em 1771, o britânico James Cook mapeou a
Oceania, então último continente habitado e desconhecido.
As outras versões: O português Cristóvão
de Mendonça pode ter passado pela Austrália em 1522 – mas a primeira “descoberta”
confirmada foi a do holandês Willem Janszoon, em 1605. Menzies garante que
os chineses descobriram tudo em 1421.


Quem contornou o Estreito de Magalhães?
Aprende-se: O nome já entrega a história – a passagem
entre o Atlântico e o Pacífico foi encontrada em 1520 pelo português Fernão
de Magalhães.
As outras versões: Em 1421, a armada
chinesa teria navegado pela costa da América do Sul até a Patagônia e dali
seguiu rumo ao Pacífico.


Quem fez a primeira volta ao mundo?
Aprende-se: Após descobrir o estreito que leva seu nome,
Magalhães navegou o Pacífico e tornou-se o primeiro europeu a dar a volta
no globo. Morreu nas Filipinas, em combates com indígenas.
As outras versões: O circundamento
completo da Terra já teria sido feita sob o comando do navegador Zheng He
100 anos antes da expedição de Magalhães.

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