Home EstudosLivros Os melhores contos de Osman Lins, de Sandra Nitrini

Os melhores contos de Osman Lins, de Sandra Nitrini

by Lucas Gomes

No livro Os melhores contos de Osman Lins, seleção de Sandra Nitrini,
encontram-se contos cuja obra revela um narrador dos mais seguros e fortes da
moderna ficção brasileira, revelando, igualmente, o mais importante representante
da ficção nordestina atual.

Lins não incorporou a tradição ficcional regionalista, sendo Lisbela e o Prisioneiro o
exercício dramatúrgico que carrega no sotaque nordestino.

Os contos escolhidos para a seleção de Sandra Nitrini reúnem dois momentos diferentes
da carreira de Osman.

Alguns contos foram extraídos da obra Os Gestos, seu segundo livro, publicado
em 1957, no qual ele já fugia de temas que podiam acorrentá-lo ao rótulo
regionalista (em Osman, a ação costuma ocorrer de dentro para fora). Esses contos
abordam temas como a perda, o conflito de gerações, a falta de afeto, a passagem
do tempo, a transição da infância para a adolescência e a busca da liberdade.
São eles: “Os Gestos”, “Reencontro”, “A Partida”, “Cadeira de Balanço”, “O Vitral”
e “Elegíada”.

Outros contos foram tirados da obra Nove, Novena, publicada em 1966, quando
o autor dava pistas do caminho de experimentações radicais que iria gerar o livro
Avalovara. Esses contos são: “Os Confundidos”, “Conto barroco Ou Unidade
Tripartida”, “Pentágono de Hahn”, “O Pássaro Transparente”, “Pastoral” e “Retábulo
de Santa Joana Carolina”.

Os contos pertencentes ao livro Nove, Novena diferenciam-se dos contos
de Os gestos pela quebra da ilusão da realidade com a rarefação e a dispersão
do enredo, por novos processos de composição da personagem e por alta dose de
reflexão sobre o texto, o que lhes permite representarem um momento de decisiva
modernidade na Literatura Brasileira na década de 70.

Por linhagem machadiana, a organizadora Sandra Mitrini aponta o fato de Osman sempre
investigar o universo interior das suas personagens. Muitas delas, dentro daquela
elástica classificação de excluídos, flagrados em situações cotidianas, banais à
primeira vista.

Confinados no espaço doméstico, vivenciando relacionamentos familiares tensos e
opressores, as personagens, flagradas em instantâneos do cotidiano, em alguns casos,
com maior, em outros com menor densidade dramática, impõem-se pela consistência e
complexidade de sua fisionomia interna, sempre traçada com firmeza.

Em Osman, todos os detalhes e objetos servem como complemento da narrativa, nada
está ali em vão. Tudo é calculado. Em “A partida”, do livro Os gestos, por exemplo,
o arrastar dos chinelos da avó, o tique-taque do relógio, o ranger das janelas servem
como trilha sonora do amor opressor em que vive a personagem, que deseja largar a
família para conhecer e demarcar o mundo.

Seus livros entrelaçam narrativas paralelas e lançam mão de símbolos gráficos que
permitem ainda mais interpretações. A incomunicabilidade das personagens está presente
em muitos textos. O protagonista do conto “Os Gestos”, por exemplo, o velho André, está
fisicamente enclausurado, encarando a impossibilidade das palavras e ambigüidade dos
gestos incompreendidos.

Vejamos a seguir, observações sobre alguns dos contos que compõem essa seleção de
Sandra Nitrini.

No conto “A partida”, Osman Lins narra o momento em que ele saiu da casa de sua
avó. Leia
mais

Em “Os confundidos”, um casal soterrado pelo cotidiano, pelo ciúme, mistura
identidades e tempos verbais. Cada um é si próprio e também o outro em um caminho
que parece sem volta – Quero sair disto, não foi de modo algum para este sofrimento
que meu corpo reagiu à morte. Mas como, se perdi a identidade e não sei mais quem
sou? Somos como dois corpos enterrados juntos, corroídos pela terra, os ossos
misturados. Não sei mais quem eu sou.

O conto “O pássaro transparente” ou o conto “Os confundidos”, por envolver um
único conflito dramático para cuja resolução se encaminha de pronto o fio fabular,
pode ser visto como conto, embora não-linear.

Nos monólogos interiores de “O pássaro transparente”, misturam-se em ziguezague o
passado e o presente do protagonista, um homem de meia-idade bem posto na vida,
mas existencialmente frustrado, ao passo que sua ex-namorada acaba por realizar o
sonho de juventude de ambos: partir para a Europa e lá desenvolver suas aptidões
artísticas. A condensação de sentidos possibilitada por essa montagem descontínua
de flagrantes temporais, com dinamizar a forma do conto, ameaça romper os limites
que a separam da forma da novela.

Aliás, em matéria de condensação de sentidos, “Os confundidos” vão às últimas conseqüências.
Por permutação e confusão, as terminações verbais ora separam em dois, ora fundem
num só “eu” os dois interlocutores da narrativa, ele a acusá-la de infidelidade,
ela a defender-se do seu ciúme doentio. Esses amantes a girar obsessivamente um
em torno do outro são passíveis de várias e igualmente ambíguas leituras como
figurações da fusão amorosa (“transforma-se o amador na coisa amada”), da fenomenologia
do ciúme (caçador e caça confundidos na entreperseguição) ou da paixão imaginária
(o “eu” esquizofrenicamente desdobrado em “ele” e “ela”).

Por sua vez, o conto “Retábulo de Santa Joana Carolina”, tem narrativa longa e, embora
esteja centrada na biografia de sua protagonista, narra-a numa sucessão de células
dramáticas, cada uma delas com começo, meio e fim, entremeadas de trechos digressivos,
pelo que fica bem caracterizada a forma de novela.

Embrião de romance ou micro-romance, pela sua pluralidade de ações e vozes monologantes
ou dialogantes, é uma narrativa como a do conto “Pentágono de Hahn”. Há nela um
núcleo singular, típico do conto, a emocionante chegada de Hahn, uma elefanta
de circo, à cidade de Vitória, em Pernambuco, e a sua partida de lá dias depois.
Só que esse núcleo, em si e por si, nada tem de dramático. Serve apenas de agente
catalítico para desencadear reações de vária espécie no íntimo de alguns dos moradores
da cidade. Mais precisamente, em cinco deles, de cujas reações tomamos conhecimento
através de seus monólogos interiores, agrupados em torno da figura central da
elefanta, à maneira de um pentágono.

Nesta narrativa de Osman Lins, os diversos monólogos interiores focalizam na elefanta,
figuração do exótico, seus desejos de fuga para longe da mesquinharia e da repetitividade
de um cotidiano onde os sonhos jamais se poderão realizar.

Cada um dos monologantes de “Pentágono de Hahn” é identificado por um sinal gráfico
específico, que lhe encabeça toda vez as ruminações ou falas consigo mesmo. Sinais
que fazem lembrar as cifras, abreviaturas ou símbolos astrológicos, alquímicos
e musicais, sendo que a lembrança destes últimos tem pertinência mais próxima:
com a sua polifonia de mudas vozes autodialogantes, o texto de certas narrativas
de Nove, Novena semelha uma partitura musical que se lê em silêncio, como
os músicos de profissão.

Posts Relacionados