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Os negros (Conto), de Monteiro Lobato

by Lucas Gomes

O conto “Os negros”, de Monteiro Lobato, é
o mais longo da coletânea “Negrinha“. Contém
vinte e seis páginas e está dividido em vinte e dois capítulos.
Conta a trágica história de amor entre a filha de um fazendeiro
e um empregado português.

O narrador e seu amigo Jonas param no meio de uma viagem a cavalo pelo interior,
na casa de Adão, um negro ex-escravo, que lhes oferece pouso. Sem espaço
em seu barraco, todos vão dormir na casa grande da fazenda, abandonada
e amaldiçoada. Durante a noite, Jonas é possuído pelo espírito
do jovem Fernão, um português pobre, funcionário da fazenda
no tempo da escravidão, e que teve um namoro escondido com a filha do
patrão, o temível Capitão Aleixo. Isabel, a filha do capitão,
acabou mandada para a corte e enlouqueceu, longe de seu amado. A escrava Liduína,
que ajudou o casal, foi morta a relho. O jovem Fernão foi emparedado
vivo. Depois do transe, Jonas de nada se lembrava, de modo que ficou só
na memória do narrador a história da tragédia dos jovens
amantes.

Esta narrativa, semelhante o conto “Negrinha”, é
digno de nota porque mostra a discordância do autor em relação
à discriminação racial e denunciam o aviltamento dos negros
no Brasil, fruto de nossa história escravagista.

O conto reúne diversos estereótipos. Um dos estereótipos
mais recorrentes nesse texto talvez seja o do negro rude cativo do campo, desprovido
de qualquer vestígio de inteligência. O destaque maior é
dado à idéia de que o negro foi feito para obedecer, submeter-se,
uma vez que tem a alma servil. Os trechos a seguir dão a dimensão
dessas características:

– Há de morar aqui por perto algum urumbeva, disse eu.
Não existe tapera sem lacraia.
– Pai Adão, viva!
– Vassumcristo! Respondeu o preto.
– Era dos legítimos…
– Tio Bento, pra servir os brancos.
O excelente negro sorriu-se, com a gengiva inteira à mostra…

No texto aparece reforçando o vazio social do negro: sem família,
sem bens próprios, ele se assemelha aos bichos do mato, conforme citou-se:

O melhor é acomodar-nos na casa grande, que isto cá não
é casa de bicho-homem, é ninho de cuitelo…
E fomo-nos à casinhola do preto engulir o café e arrear os animais.
Morreu tudo, meu branco, e fiquei eu só. Tenho umas plantas na beira
do rio, palmito no mato e uma paquinha lá de vez em quando na ponta do
chuço.
Como sou só…

Há que se ressaltar o estereótipo da submissão, do negro
bom e trabalhador, fiel ao branco e disposto a qualquer sacrifício para
agradar o mesmo, como se pode observar:

Contente de ser-nos útil, Tio Bento sobraçou a quitanda e
deu-me a levar o candieiro.
Era mau, meu branco, como deve ser mau o canhoto. Judiava da gente à
toa pelo gosto de judiar.
Ninguém, entretanto, estranhava aquilo. Os pretos sofriam como predestinados
à dor. E os brancos tinham como dogma que de outra maneira não
se levavam os pretos.
O sentimento de revolta não latejava em ninguém…

Na penúltima transcrição, vê-se a figura do negro
digno de compaixão, indefeso e sem nenhuma ação concreta
de auto-defesa, como se os castigos recebidos por ele pertencessem à
ordem natural das coisas, de forma que, assim, ele os compreendia.

A personagem Liduína, uma crioula muito viva que desde bem criança
passou da senzala para a casa grande, como mucama de Sinhazinha Zabé,
encarna exaustivamente os estereótipos já assinalados. Ela também,
como os outros personagens negros, aparece desprovida de vida própria;
suas atenções estão voltadas para a sua Sinhá, como
demonstração de subserviência e lealdade. Além disso,
seus movimentos e atitudes estão mais próximos dos animais:

Amor? Respondeu a arguta mucama em quem o instinto substituía a
cultura.
Bobagens, muxoxou a mucama, trepando à pitangueira com agilidade de macaco.
Pois Sinhazinha não sabe que sou mais sua amiga do que sua escrava?

Conforme se pode observar, a personagem Liduína vem apenas reforçar,
dentre outros, o estereótipo da submissão e do servilismo do negro.
Suas atitudes também servem para escamotear e dissimular os conflitos
da escravidão.

Crédtos: Prof. Manuel, Colégio Sagrado Coração
de Jesus, Marília, SP | Elizamari Rodrigues Becker, Doutora
em Literatura Comparada, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRSG) |
Enio Passiani, Mestre em Literatura, Unicamp, SP | São Paulo
– Educando pela diferença para a igualdade
– UFSCar – Mód.
2.

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