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Os tambores silenciosos, de Josué Guimarães

by Lucas Gomes

Em Os tambores silenciosos, de Josué Guimarães, o autor constrói a imaginária Lagoa
Branca, pequena cidade gaúcha situada num ponto qualquer entre Passo Fundo e Cruz Alta.

Josué Guimarães realiza uma síntese feliz entre narrativa de costumes interioranos e sátira política,
situando a ação do romance na conflituosa década de 1930. Em Os Tambores Silenciosos o
humor é direcionado às classes dominantes, ou seja, o patriarcado, os grandes senhores de
terra e o poder político instituído.

Um dos personagens da obra, o “conselheiro do prefeito da imaginária cidade de Lagoa Branca”,
que se assemelhava a um conselheiro do Tribunal de contas de Porto Alegre.

A história transcorre na Semana da Pátria, em 1936, época que antecede a implantação
do Estado Novo por Getúlio Vargas. O prefeito, um ditador empenhado em tornar seu
povo “feliz”, proíbe a distribuição de jornais e a posse de aparelhos de rádio,
além de censurar a correspondência dos cidadãos. Afinal, como ter paz de espírito
com tantas notícias sobre fuzilamento, miséria e epidemias?

O prefeito simplesmente “fechou” a cidade para o resto do mundo. Os mendigos, ele os
empacotava e os jogava no rio, os jornais eram confiscados na madrugada e não havia notícia
ruim que ganhasse as suas páginas e o conhecimento público.

O ficcionista volta a se servir do cômico e do fantástico para narrar os episódios ocorridos
durante a semana da pátria de 1936, na pacata Lagoa Branca, comunidade imaginada entre o
Planalto e a Serra a julgar pelos citados limites com Cruz Alta, Passo Fundo, Rio Pardo e
Taquari.

A trama gira em torno do coronel João Cândido, que tem planos de instituir a sua comunidade
ideal. Para tanto, proíbe a circulação dos jornais que chegam de Porto Alegre e recolhe todos
os aparelhos de rádio. As restrições do coronel, nas mãos de seu aparato policial (sobretudo
um capitão da Brigada e um inspetor de polícia) logo servem para que se inicie uma dissimulada
escala de violência, que vai do espancamento de jovens estudantes ao extermínio em massa dos
mendigos da cidade.

O clímax ocorre entre o 6 e o 7 de setembro, quando pássaros negros infestam os ares e
uma sucessão de boicotes e denúncias expõem as fragilidades dos defensores da ordem pública,
levando ao fracasso de seus planos, enquanto o coronel ditador, louco, se suicida.

Os sete dias de terror tornam mais intensas as características dos típicos habitantes: as
intrigas de João da Lagoa, o sacristão; as bajulações do Dr. Lúcio, uma mistura de político
e intelectual; as perfídias do inspetor Paulinho. O rolo cresce e o caos aumenta, até que os
pássaros de pano construídos por Maria da Glória, a mais jovem das irmãs Pillar, pressagiam
a descoberta da farsa e desvelam a força de denúncia sugerida pela obra.

Ao contrário das tradicionais epopéias gaúchas, não há nenhum gesto heróico em Os tambores
silenciosos
. As personagens presentes são políticos medíocres e dominados pela ambição,
mulheres infiéis e policiais violentos.

Através de um par de binóculos, o leitor vai acompanhar o olhar de sete curiosas
solteironas, penetrando em recantos de alcovas e no gabinete da prefeitura. Com humor e
cinismo, qualidades próprias para compor a caricatura de um sistema autoritário, Josué
Guimarães aniquila essa microditadura e constrói uma obra perfeita, na melhor linhagem do
realismo fantástico.

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