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Perdas e Ganhos, de Lya Luft

by Lucas Gomes

Perdas e Ganhos

, de Lya Luft, foi publicado em 2003. Neste livro a
autora alia memórias a uma delicada e sensível visão sobre
o processo de envelhecimento da mulher. Busca dar um testemunho pessoal sobre
a experiência do amadurecimento. Convoca o leitor para ser seu amigo imaginário:
cúmplice e companheiro de reflexões que vão da infância
à solidão e à morte, ao valor da vida e à transcendência
de tudo.

Lya divaga, discute e versa, com ímpeto, compaixão, e muitas
vezes bom humor, sobre velhice, amor, infância, educação,
família, liberdade, homens e mulheres, gente de verdade… e conclui
que o tempo passa mas as emoções humanas não mudam, revelando
que é preciso reaprender o que é ser feliz.

Em Perdas e Ganhos, a autora diz que uma boa parcela dos sofrimentos
entre pessoas nasce do desencontro e da incomunicabilidade. No fundo, é
um circulo vicioso. Mas, acima de tudo, a dificuldade de comunicação
acaba provocando a maioria dos desencontros. Temos muita dificuldade de nos
abrir, de escutarmos o outro. E isso causa desencontro. A comunicação
sofre muitos ruídos, sofre muitas interferências, sofre muita rigidez
e muita frivolidade. As pessoas têm muito medo de se entregar, têm
muita pressa, muita superficialidade. Então, às vezes há
desencontros quando poderia haver encontros importantes, e diálogos de
amizades, diálogos amorosos, diálogos de família.

A autora falando da obra: “Mas esse livro não tem gênero.
Não é ensaio, não é memória, não é
nada. É realmente uma conversa no ouvido do leitor. Estava há
anos com esse material, sem achar o tom do texto. Só consegui achá-lo,
quando desisti de procurar por ele. Aí o tom se encontrou por si mesmo.
Acho que a gente também tem que se reinventar assim. De repente, você
pensa: “Puxa, estou vivendo num tom tão melancólico, num
tom tão agressivo… O que eu posso fazer para mudar, para viver num
outro tom?

Ao ler o livro, vê-se que Perdas e Ganhos é um monólogo
da autora e uma reflexão compartilhada com amigas imaginárias,
que estão vivendo o seu tempo. Seus ensinamentos começam pela
auto-estima. A família é sua base. A carga fica muito grande sobre
a figura de pai e mãe. O primeiro olhar é deles, deixa marcas
e define o amor por si mesmo. É o principal tema dos consultórios
de psicologia. Os grupos de homens e mulheres puderam pensar e discutir essa
“herança” do olhar dos pais, a morte, pensar no que se perdeu
inicialmente, pensar na raiva (após 3-4 encontros). O trabalho mais árduo
foi desconstruir as raivas. Essas mágoas deixam buracos na alma. Pode-se
preenchê-los com alguma coisa positiva e a situação será
anistiada (não usa a palavra perdão por sua conotação
religiosa). Sugere que se comece por anistiar a si mesmo. A grande maioria dos
nós da alma fica mais leve com o falar. O valor da palavra diminui o
fantasma, e pode-se controlá-lo.

Na questão das mulheres, chama a atenção para a gueixa
que toda mulher tem dentro de si. Muito treinada para escutar, tolerar, para
não ficar sozinha. Muitas se submetem a relações criminosas
para não ficarem sozinhas. Mulheres que não se sentem completas
precisam da presença de um homem. Desconhecem que a completude vem da
partilha e não da servidão e da necessidade de ser validada. Quem
não se sente inteira sozinha não se fará acompanhar.

Quanto aos homens, é comum não perceber a dimensão da
solidão deles. A mulher tem uma ligação com a vida mais
cheia de opções. Os homens falam pouco de si e de seus sentimentos.
E têm muito medo de perder a potência sexual e financeira, perder
o seu lugar de “capaz de prover”. Os desejos e os medos dos homens
são muito parecidos com os das mulheres. No entanto, homem e mulher têm
que percorrer uma enorme distância para se fazerem compreender na intimidade.
E, se combinam, é porque procuram e tentam com afinco, pois todos têm
questões existenciais semelhantes.

O desejo fundamental de todo ser humano é ter companhia, saúde,
alegria, segurança, amor e morte. Amor é uma mistura de amizade
com sinceridade. Homens e mulheres precisam equilibrar seus femininos e masculinos
para tornar o encontro mais completo, mais saudável. Isso é maturidade.
O amadurecer dá o direito de errar e de fazer diferente. Na juventude
tem de mostrar serviço. Até 30 anos está enterrado em deveres
e afazeres. Perto dos 40 anos parece que fica possível repensar.

Seria importante que mais cedo pudesse pensar em nos excessos que são
cometidos. A maioria das coisas pode ser dividida entre tragédias e chateações.
É importante passar tudo pela lente do humor. O excesso de exigências
e a necessidade de autocensura devem ser temperados com o humor e a docilidade.
Não importa em que idade. Mesmo aos 80 anos se pode mudar o cotidiano.
Exigir demais de si é falta de perspectiva do tempo e da vida. As pessoas
precisam desenvolver uma melhor noção da transitoriedade de tudo.
O conceito de velhice se aplica a quem tem mais de 85 anos. Antes disso é
maturidade.

A velhice não quer dizer que não poderá tomar o vinho,
vestir qualquer roupa, ficar com um sofá velho. Árvores velhas
não se desplantam. Por que mudar de casa quando se fica viúva?

Como a velhice é vista como uma coisa ruim e chata, tem-se medo dela.
É claro que o velho pode instaurar uma ditadura e que o convívio
pode ser chato e penoso. É preciso que o velho tenha algo de interessante
para possibilitar a convivência agradável. O que salva a velhice
é um mínimo de sabedoria e bom humor. O humor ajuda muito. O velho
tem a sua beleza e encanto. É um outro tipo de beleza. A experiência
de quem viveu uma vida da qual se orgulha por ver nela a expressão de
sua própria dignidade, somada ao bom humor, gera sabedoria.

Se envelhecer sem afeto, é o responsável por isso. Afetos se
cultivam todos os dias. Não podemos nos deixar endurecer pelas mágoas
ou decepções. Não podemos descuidar de nossas relações
de afeto. Mas, mesmo assim, diante da perda você está sozinho.
Se dentro de você existe uma árvore frondosa você se agarra
a um galho e vai em frente. Se só tem um arbusto, fica difícil,
mas há possibilidade de reconstruir. Deve-se aprender a valorizar a passagem
do tempo, dedicando menos tempo aos afazeres e mais tempo ao propósito
de ser mais humano. Não fazer nada. Apenas usufruir o que ela chama de
vagabundagem lírica: ficar sentado contemplando o espaço, pensar,
ouvir música, olhar o tempo…Cultivar afetos. O afeto é o que
há de mais sagrado pois nos faz transcendentes e espirituais. A espiritualidade
suaviza o envelhecer, mas, no mínimo é preciso ser ético
– sermos pessoas justas, amorosas e respeitosas.

Se fosse possível dar conselhos para se relacionar com o envelhecer
seria: ter um mínimo de bom senso; rever os seus próprios conceitos
e, principalmente, seus preconceitos; e ter bom humor, muito bom humor. Ria
de si mesmo com a certeza de que tudo passa. Para finalizar contou uma história:
o homem mais rico do mundo procura o velho mais sábio do mundo com a
pergunta do que há de mais valioso na vida. Sobe vários montes,
bate e aparece um velho que o manda voltar daí a três dias. Ele
volta e o velho entrega-lhe um simples anel, pede que ele coloque no dedo e
tire quando chegar em casa. Foi para a sua casa e lá chegando, ao tirar
o anel, viu que estava escrito: “tudo passa”.

A intenção de Lya Luft é de que o Perdas e Ganhos
seja um começo de reflexão para sermos mais felizes. Ser
feliz significa ter projeto e afeto. Temos a ilusão de que ser feliz
é uma coisa extraordinária e não é. É, sobretudo,
uma construção de amorosidade por pessoas e coisas que fazemos
e temos.

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