Poemas concebidos sem pecado
, é o primeiro livro de Manoel de Barros e foi publicado no Rio de
Janeiro, em 1937. Foi feito artesanalmente por 20 amigos, numa tiragem de 20 exemplares e mais um, que
ficou com ele.
Como o próprio nome diz, a ingenuidade de uma produção poética fincada nos anos juvenis e que indica, de
forma inequívoca, as feições das palavras em Manoel de Barros.
A obra quebra os padrões normais do poema inserindo recursos narrativos próprios da prosa (diálogo,
narrador, personagem etc.). É também já nesse livro que encontra-se uma escrita em que o passado flui para
o presente proporcionando um mergulho na experiência pessoal e uma prática de experimentação no campo da
linguagem.
Evidentemente essa articulação entre experiência e experimentação cabe numa possível definição de poesia:
inteligência sensível da existência, formulada através da linguagem.
Em Poemas Concebidos sem Pecados, já aparecem marcados essa inclinação para as coisas sem
importância na sociedade e o uso de uma sintaxe que se aproxima da modalidade da fala. Nessa obra
inaugural, o título traduz para o leitor a expressão de desejos na forma de poemas, num estado singular de
manifestação, driblando a tirania da educação ou dos bons princípios. Esse primitivismo na poesia de
Manoel de Barros não se confunde com ingenuidade ou bondade da alma humana. Trata-se antes da
espontaneidade do pensamento como artifício para ver o estado inominável das coisas.
Manoel de Barros apresenta um vocabulário ao gosto clássico, de influência parnasiana, entretanto numa
relação problematizadora do tradicional e canônico levada a efeito pela estética modernista. Nesse livro,
aparecem várias referências ao léxico parnasianista, como por exemplo, as palavras e expressões soneto,
Grécia de Péricles, hexâmetros, cítaras, éolicas harpas, Clitemnestra”, inspiração, lírica,
musa. Essas referências convivem com o vocabulário prosaico que o poeta busca nos simples e humildes do
pantanal. E, para cada uma daquelas construções eruditas o poeta contrapõe palavras da sua realidade
cotidiana e popular: para harpas, viola; para Clitemnestra, Petrônia lavadeira, mãe de Raphael
que não é o anjo, nem o pintor; o soneto é sonetos de dor de corno e a Musa sabe asneirinhas e está
muito mais para mulher da vida do que para uma realidade mitológica. E para finalizar, o poeta escreve que
nenhuma cidade disputará a glória de me haver / dado a luz, como acontecia, muitas vezes onomasticamente,
com os heróis clássicos.
A presença desse léxico elevado nesse primeiro livro de Barros, embora possa ser remanescência do
soneticista e do leitor dos parnasianos na juventude, consiste mais num jogo parodístico ao gosto dos
modernistas.
A predileção pela infância, que permeia toda a obra deste autor, está presente desde este primeiro livro.
Notadamente autobiográfico, nele o poeta traça a mitologia de um menino de sete anos, criado em Cuiabá, no
Beco da Marinha, e que parte para o Rio de Janeiro para estudar.
Em Cabeludinho, seu principal poema, o poeta narra fatos essenciais de sua vida, do nascimento à
mocidade.
Postais da Cidade e Retratos a Carvão marcam o distanciamento entre o poeta e seu mundo original.
O livro tem raízes no Modernismo e, como tal, recebe forte influência oswaldiana: verso prosaico,
construções coloquiais, excessivo uso de diálogos e de expressões erráticas. Segundo observações do critico
Miguel Sanches Neto, o peso da poética, nesse momento, é o exaustivo trabalho de modificação da língua.
Constata ainda que a infância e a cor local são o motor dessa obra.