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Venezuela – Populismo: 4. Hugo Chávez:

by Lucas Gomes

Maio/2004 – “O Estado sou eu” – Chávez quer cassar a cidadania de jornalistas
que criticam seu governo


Chávez: campanha para intimidar a oposição e
impedir o plebiscito para encurtar seu mandato

Irritado com críticas a sua atuação, o presidente pretendeu expulsar os jornalistas do país que lhe fazem oposição.
O pedido de retirada da cidadania foi aprovado pela Assembléia Nacional, onde o truculento presidente tem
folgada maioria, e encaminhado à Justiça. Como nasceram no exterior e se naturalizaram venezuelanos, os jornalistas
que foram ameaçados podem ser expulsos do país. O plano original de Chávez era incluir no pacote dois venezuelanos
natos – o popular comentarista político Napoleón Bravo e o empresário Gustavo Cisneros, dono da rede de TV
Venevision, a maior da Venezuela –, mas ele acabou dissuadido diante da dificuldade de retirar a cidadania
de pessoas nascidas no país.

O motivo alegado pelo governo foi “traição à pátria” – assim, como se o governante e a pátria fossem uma mesma
entidade. A acusação, escreveu um jornal venezuelano, só faria sentido se Hugo Chávez fosse o rei francês
Luís XIV, aquele que dizia “o Estado sou eu”. O presidente pareceu empenhado em elevar a tensão política e
intimidar a oposição. Chávez conseguiu aprovar uma lei na Assembléia Nacional que aumenta o número de juízes
da Suprema Corte de Justiça. Com a possibilidade de nomear novos juízes, ele praticamente assegurou as
vitórias do governo em decisões judiciais de última instância.

Um confuso episódio envolvendo um grupo de 100 colombianos detidos numa propriedade rural na periferia de
Caracas, no início de maio de 2004, também serviu de pretexto para Chávez fustigar a oposição. O governo
venezuelano alegou que os detidos eram mercenários contratados por oposicionistas para derrubar o governo. Não
foram encontradas armas com o grupo e o próprio governo admitiu que muitos dos supostos mercenários eram
agricultores recrutados na fronteira com a promessa de emprego. O episódio ainda estava sob investigação, mas
Chávez rapidamente denunciou uma “conspiração internacional” envolvendo os governos da Colômbia e dos
Estados Unidos. Logo em seguida, a polícia venezuelana invadiu residências de vários oposicionistas em busca
de provas, incluindo a do ex-presidente Carlos Andrés Perez. Insistindo na tese conspiratória, o presidente
venezuelano empenhou-se na criação de milícias populares para defender seu governo. Tratava-se da mesma
iniciativa adotada por Fidel Castro nos primeiros anos da Revolução Cubana. Chávez parecia ter buscado
inspiração em quem tem experiência para se eternizar no poder.

O clone do totalitarismo


O PATRONO
Fidel e Chávez: o dinheiro e o petróleo venezuelanos estão
permitindo a Fidel endurecer ainda mais a ditadura cubana

Hugo Chávez ameaça a estabilidade da América Latina com o financiamento e o apoio
a grupos radicais de países vizinhos, a formação de uma milícia civil, o uso do
petróleo para chantagear as repúblicas da América Central, a compra de armas e
a aliança com a ditadura cubana de Fidel Castro, de quem está se tornando um clone
malfeito e extemporâneo.

Confira
a geopolítica de Chávez

O único presidente de países americanos que é uma bomba de efeito retardado é Hugo Chávez que não pode ser
classificado como esquerdista. Ele não tem passado socialista ou marxista, nem teórico nem prático. Veio do
meio militar e tornou-se um populista autoritário e fanfarrão. Por três razões principais, Chávez hoje
representa perigo para a democracia e ameaça à estabilidade na América Latina. A primeira é que, claramente,
ele não se contenta em infernizar a vida do próprio venezuelano e começa a lançar pseudópodes por toda uma
crescente área de influência no continente americano. Segundo, porque tem a mover seu expansionismo o
dinheiro fácil dos petrodólares oriundos da riqueza do subsolo venezuelano. Terceiro, mas não menos preocupante,
Chávez está semeando insurreição e instabilidade em países que, embora nominalmente democráticos, ainda
lutam para solidificar suas instituições políticas e jurídicas e suas bases econômicas de progresso material.
A combinação das três razões acima faz de Chávez um risco novo e grande no horizonte da sofrida América Latina.

Nos últimos anos, desde que foi eleito, Chávez usou o cargo para iniciar a construção em seu país de uma
versão extemporânea do regime totalitário que existe em Cuba. O coronel ainda não atingiu a sofisticação
que garante a sobrevivência de Fidel Castro, este sim um esquerdista autêntico, que sobrevive em sua
ilha particular como um capataz magnânimo mas repressor. Chávez, porém, já atingiu o patamar de
comandante de um regime tipicamente autoritário, que compromete as liberdades essenciais. Curiosamente – mas
não surpreendentemente – a operação desmonte da democracia venezuelana foi feita pelo que se acredita ser
um dos meios mais democráticos de representação – os plebiscitos. Foram oito consultas populares durante esses
anos. Essa democracia direta passou por cima das instituições e permitiu ao chavismo reescrever a Constituição
e demolir os outros poderes da República. Depois de uma longa queda-de-braço com a oposição, o presidente
venezuelano venceu o plebiscito que pretendia encurtar seu mandato. Com a vitória, Chávez encheu-se de força moral
e partiu para a ofensiva para neutralizar qualquer desafio a sua autoridade.

Por cinco razões, alinhadas pelo cientista político mexicano Adrián Gurza Lavalle, da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, a Venezuela já não pode ser considerada um Estado democrático.

• A autonomia de poderes, princípio básico da democracia, foi suprimida. Chávez ampliou o número de juízes da Suprema Corte,
de vinte para 32, e preencheu os novos cargos com aliados políticos. Juízes de instâncias inferiores podem perder o
emprego caso assinem sentenças desfavoráveis ao governo.

• Numa democracia, se a oposição perde as eleições, ela continua a participar do jogo político. Na Venezuela a
oposição está sendo amordaçada. Um novo Código Penal, que acaba de entrar em vigor, torna ilegal qualquer forma de
crítica ao governo. No momento, 248 pessoas, entre jornalistas, sindicalistas, dirigentes políticos, professores
universitários e militares, já estão sendo processadas por esse motivo.

• A lei da mordaça obriga a imprensa a adotar a autocensura. Comentários ou notícias podem ser interpretados
como uma tentativa de desestabilizar o governo e dar origem a um processo. Outra legislação restringe os horários
em que o rádio e a televisão podem transmitir noticiários.

• As regras do jogo político e institucional mudam constantemente, uma vez que Chávez se investiu de poderes
extraordinários nos sete plebiscitos que convocou e venceu.

• Não há mais respeito pelas normas que regem o direito à propriedade privada. O governo começou seu projeto de
reforma agrária desapropriando uma fazenda que abriga o maior rebanho de corte do país.

A essas somem-se os ataques à liberdade econômica, como o perpetrado na semana passada, quando Chávez
ampliou o congelamento de preços da economia, tabelando também os juros bancários em no máximo 28% ao ano.

Uma novidade escandalosa do novo código penal da Venezuela é a revogação da presunção de inocência. O
conceito de que qualquer pessoa é inocente até prova em contrário, criado na Revolução Francesa, é uma das
bases do direito moderno. Abolir garantias individuais como essa foi justamente uma das primeiras penadas de
Fidel Castro quando chegou ao poder em Cuba. Chávez demonstra necessidade quase patológica de se exibir como
clone de Fidel Castro. Ambos se exibem em fardas militares e discursam por horas, misturando banalidades com
assuntos de Estado. Não estivesse Caracas claramente substituindo Havana como quartel-general da insurgência
revolucionária, tudo isso poderia ser mais uma risível patuscada de repúblicas bananeiras. Afinal, desde que
o Muro de Berlim despencou, em 1989, sobre as utopias armadas e desarmadas da esquerda, ninguém mais leva a
sério governos supressores da liberdade e centralizadores da economia.

A Cuba comunista nunca teve forças para se manter de pé sem a ajuda anual bilionária da extinta União
Soviética, cuja bizarra estrutura se desmontou em 1991 tragada pelos próprios pecados e ineficiências. Sem
a mesada que recebia da União Soviética, Cuba perdeu o fôlego para aventuras fora da ilha. Também já teria
desmoronado sem o auxílio financeiro de Chávez. Fidel idolatra o presidente venezuelano. Vê nele a última
tentativa de legar a seu povo uma herança menos amarga. Quase meio século depois da implantação do comunismo,
Cuba é um país bem pior do que era nos anos 50. Antes do furacão Fidel, a ilha ostentava a quarta maior
renda per capita da América Latina. Hoje tem a 15ª. Cuba era o terceiro de uma lista de onze países
latino-americanos com o maior consumo de alimentos por habitante, com média diária de 2.730 calorias.
Hoje a ilha ocupa o último lugar. A saúde e a educação melhoraram bastante. Mas muitos países, como Brasil,
México e Costa Rica, atingiram resultados semelhantes sem escravizar seu povo, sem paredões – nem presidentes
que vestem farda e fazem discursos de nove horas de duração.

No comando da quinta maior produção de petróleo, Chávez possui um caixa sem limites. Graças aos aumentos do
preço internacional do barril, a Venezuela arrecadou 200 bilhões de dólares com as exportações do produto.
“Chávez tem um objetivo claro: quer se tornar o grande líder de massas da América Latina”, disse à revista
VEJA o historiador venezuelano Manuel Caballero, o mais respeitado do país. Fidel tem no currículo uma
revolução fracassada, mas que inspirou uma geração. O ditador cubano também conta com o alicerce do discurso
marxista-leninista, que durante meio século deu as cartas em metade do planeta. Já o presidente venezuelano é
da categoria caudilho iluminado, típico da América hispânica, cujos sonhos revolucionários resultam de fantasias
muito próprias. “Chávez é um Fidel Castro sem cérebro e com petróleo”, definiu Andrés Oppenheimer, colunista
do jornal americano Miami Herald e respeitado especialista em América Latina.

Se não há coerência ideológica em Chávez, seu plano estratégico é concreto. Em resumo, são cinco as ações
externas mais identificáveis com que ele busca ampliar sua influência na América Latina.

• Primeiro, ele está usando o petróleo, abundante na Venezuela, para criar dependência nos países vizinhos.
Os mais suscetíveis a essa estratégia são as pequenas nações da América Central e do Caribe, todas muito
pobres, que importam da Venezuela até 80% do petróleo que consomem.

• Segundo, Chávez dá dinheiro e apoio político e técnico para movimentos de esquerda latino-americanos,
muitos dos quais têm – ou já tiveram – o projeto de tomar o poder à força para instalar uma ditadura socialista.

• Terceiro, a Venezuela substituiu a União Soviética como patrocinadora do regime castrista em Cuba, fornecendo
petróleo e abastecendo o país de bens de consumo industrializados, tudo a preço simbólico ou a fundo perdido.

• Quarto, o presidente venezuelano interfere nos assuntos internos de outros países de várias maneiras. Apóia
candidatos à Presidência, patrocina movimentos radicais. Na Nicarágua, por exemplo, ele pediu votos ao sandinista
Daniel Ortega e, no Peru, deu dinheiro a um grupo que tentou derrubar o governo com uma quartelada.

• Quinto, Hugo Chávez adotou um virulento discurso antiamericano, que soa como música aos ouvidos dos nostálgicos
da Guerra Fria – e eles são numerosos entre a esquerda latino-americana. Uma esquerda que sempre se caracterizou
por seguir caudilhos nacionalistas, bastando que eles tivessem um discurso antiamericano. Isso nasceu como estratégia
oportunista. O mais melancólico agora é que tenha se tornado a essência das esquerdas.

Por que Chávez insiste em comprar briga com os Estados Unidos? Ele diz a toda hora que os americanos querem
matá-lo ou estão prontos para invadir o país. Até agora, de real, o que se viu foi o governo de George W. Bush
evitar respostas às provocações. Muito ocupada com a confusão que arranjou no Oriente Médio, a Casa Branca
contava que países amigos de Chávez, mas com governos responsáveis, aconselhassem moderação ao coronel.
Enquanto isso, as empresas americanas na Venezuela passaram a ser tratadas a pão e água. Sem maiores explicações,
o governo de Caracas suspendeu um contrato que permitia à ConocoPhillips, a terceira maior companhia petroleira
americana, explorar um campo petrolífero no país. Há três meses, fechou as oitenta lanchonetes da rede McDonald’s
e as quatro fábricas da Coca-Cola que operavam em território venezuelano. À da batalha dos McDonald’s e da
Coca-Coca, acrescentou-se uma outra iniciativa: o anúncio em Havana, por Chávez e Fidel, da criação da Alba.
Vem a ser a resposta dos dois à Alca, a área de livre-comércio das Américas proposta pelos Estados Unidos.

Estima-se que a Venezuela esteja injetando em Cuba, a fundo perdido, o equivalente a 20% de todo o dinheiro
que entra na ilha. Isso é ruim para os cubanos, pois com essa folga de caixa Fidel se sentiu à vontade para
abortar qualquer vislumbre de abertura política e até mandou fechar os pequenos negócios particulares, como
restaurantes, que eram o ganha-pão de tantos cubanos. É irônico como a revolução gerou um Estado oficial de
mendicância: Cuba viveu durante décadas de mesada enviada por Moscou. Agora, sobrevive com donativos venezuelanos.

Os Estados Unidos dão mostras de que Chávez está conseguindo seu intento de ser notado. Uma reação parece
inevitável e está em curso uma campanha diplomática para isolar o regime de Caracas. E precisará ser uma
estratégia de longo prazo, pois Chávez tem boas chances de ganhar um mandato de mais seis anos. Uma das
preocupações americanas decorre de compras de armas em quantidade muito acima do que seria razoável num país cujo
Exército tem apenas 35.000 homens. De janeiro para cá, a Venezuela comprou mais de 7 bilhões de dólares em
aviões de combate, helicópteros, navios e sistemas de radares. O pacote russo inclui 100.000 fuzis AK-47.

Os fuzis preocupam mais do que tanques porque não podem ser rastreados por satélites. Aviões e navios não
têm utilidade para forças irregulares; fuzis AK-47, como os comprados pela Venezuela, são o armamento-padrão
da narcoguerrilha colombiana e de guerrilheiros em geral. Os russos também venderam aos venezuelanos uma
fábrica de munições. As Farc são bem armadas, mas têm grande dificuldade em obter munição. Chegam a pagar 2
dólares por uma bala para fuzil AK-47. Imagine que negócio dos sonhos é ter uma fábrica de projéteis logo do
outro lado da fronteira. Mesmo que Chávez não tenha a intenção de fornecer armamentos para os guerrilheiros,
ele não tem controle sobre a corrupção que domina todos os escalões de sua administração, inclusive o Exército.
“Os planos de Chávez de montar uma fábrica desse tipo de munição devem preocupar não apenas os Estados Unidos,
mas também os vizinhos da Venezuela”, disse recentemente o vice-secretário de Estado americano Robert Zoellick.

A Venezuela é um país com fartura de petróleo, mas praticamente sem nenhuma outra fonte de renda. Em 1958, um
pacto garantiu estabilidade política até os anos 90, um dos mais longos períodos de democracia do continente.
Ficou acertado que o dinheiro do petróleo financiaria um Estado clientelista. A queda nos preços do petróleo nos
anos 80 pôs tudo a perder. A corrupção é endêmica na Venezuela. O presidente que Chávez tentou derrubar em 1992,
Carlos Andrés Pérez, acabou preso por causa do desvio de 17 milhões de dólares. Desde 1990, onze presidentes
latino-americanos foram depostos ou forçados a renunciar antes do fim de seus mandatos. Em quase todos os casos,
foram derrubados por corrupção ou simplesmente porque governaram sobre economias fracassadas. O lado mais
perverso dessa instabilidade é o sentimento de que o voto não é capaz de livrar o país dos corruptos ou de
promover as reformas necessárias para melhorar a vida da população. É nesse ambiente que prosperam populistas
como Chávez.

Nos últimos anos, em que já desfrutava maioria no Congresso, ele aprovou algumas centenas de leis com o
objetivo de aumentar o controle do Estado sobre a economia e a vida privada dos venezuelanos. Também criou
instrumentos que permitiram que substituísse os funcionários públicos, os juízes e os promotores por quadros
de sua confiança. “Chávez está usando os mecanismos democráticos para destruir a democracia”, entende o
economista Gerver Torres, ex-conselheiro do Banco Mundial que dirige uma ONG de formação de líderes políticos,
em Caracas. Veja como isso ocorre no dia-a-dia dos venezuelanos:

• O Ministério Público é encarregado de processar os adversários políticos ou qualquer um que se manifeste contra Chávez. Uma acusação muito usada é a de “traição à pátria”. A pátria, no caso, é representada pela figura do presidente.

• Oitenta por cento dos magistrados têm contratos temporários, muitos de apenas três meses. Se algum deles toma uma decisão que desagrade ao governo, seu contrato não é renovado.

• Os nomes dos mais de 20.000 trabalhadores demitidos da PDVSA, a estatal do petróleo, depois de uma greve contra Chávez, estão numa lista negra. Não podem trabalhar em nenhum órgão público. Também não encontram trabalho na iniciativa privada, pois as empresas temem represálias do governo. Metade deles já emigrou em busca de oportunidades no exterior.

• Empresários que se envolvem em atividade política de oposição são submetidos a uma devassa fiscal. Em geral, a empresa é fechada por 48 horas para que a papelada seja examinada. Os oposicionistas também costumam ser impedidos de comprar dólares, moeda fundamental para os negócios, pois praticamente tudo é importado na Venezuela.

• Com o dinheiro do petróleo, Chávez montou uma rede de supermercados a preços subsidiados, hoje a maior do país. O resultado foi uma quebradeira geral de pequenas e médias empresas, sem condições de competir com o governo.

• O governo ampliou sua participação e intervenção não apenas em setores econômicos importantes. Também criou mecanismo de controle da cultura, dos esportes e dos sindicatos, substituídos por entidades pelegas criadas pelo Estado.

• Há desapropriações de empresas que o governo considera ociosas ou improdutivas. Basta um galpão vazio para provar que a empresa deixou de cumprir seu papel social. Neste ano, mais de uma dezena de empresas foram desapropriadas só em Caracas.

• O Estado organizou seu próprio MST. O governo também escolhe a fazenda a ser invadida, transporta os invasores até o local e garante com antecedência, em documento oficial, a desapropriação da área ocupada.

• Não há censura direta à imprensa. Jornais e emissoras de televisão criticam abertamente o presidente. Mas Chávez já criou o
instrumento que lhe permitirá acabar com a liberdade de expressão caso enfrente uma crise política. Trata-se da lei que prevê a
suspensão da concessão pública de rádios e TVs que atentem contra a segurança nacional – um conceito vago muito usado pela ditadura
militar brasileira.

Hugo Chávez tem em seu currículo uma tentativa sangrenta de tomar o poder pelas armas, em 1992. Hoje, ele pode dispensar o golpe de Estado para se transformar em ditador. As ferramentas estão todas em sua mão. Estima-se que tenha o apoio de metade dos venezuelanos – exatamente a parte mais pobre, que ele cativa com um discurso populista e uma ampla ação assistencialista. Seu poder foi cimentado por plebiscito em que conseguiu maioria esmagadora. Plebiscitos podem ser instrumentos democráticos legítimos e dessa forma são usados em muitos países com objetivos específicos. Chávez lançou mão deles de forma antidemocrática, para atropelar a representação popular e recriar o Estado de acordo com sua vontade. O uso da democracia para destruir a democracia não é original. Adolf Hitler era líder de uma bancada parlamentar eleita com 33% dos votos quando foi escolhido chanceler da Alemanha. Um ano depois, ele acumulou o posto de presidente, deixado vago pela morte do marechal Hindenburg, obtendo para isso a aprovação dos alemães em plebiscito. Nos anos seguintes, fechou os sindicatos, calou a imprensa livre e suprimiu, pela violência diária, os demais partidos. Entre 1933 e 1939, quando invadiu a Polônia e expôs sua brutalidade ao mundo, Hitler usufruiu a neutralidade e até a boa vontade da comunidade internacional.

Há semelhanças entre a trajetória de Hitler e a de Chávez. Sobretudo num aspecto: como ocorreu com Hitler nos primeiros anos, a comunidade internacional não está dando a devida atenção à forma sistemática com que Chávez vem corroendo a liberdade na Venezuela. Na semana passada, seu país foi aceito no Mercosul, apesar de a participação estar condicionada pela chamada “cláusula democrática”. A Venezuela tem uma feia história de partidos e presidentes corruptos. Chávez apresenta-se como o representante dos pobres – ele se diz um deles, que conseguiu superar a adversidade graças ao esforço pessoal e agora se dedica a punir a elite corrupta e a ajudar os mais pobres. Todo o arrocho é feito em nome da democracia e do bem-estar dos pobres. É um paradoxo, visto que seu governo multiplicou o número de pobres.

Em seu programa de televisão dominical, um monólogo de cinco horas no qual comenta desde políticas econômicas até o tamanho de sua orelha, Chávez costuma vender a idéia de que o lucro é imoral e que o sistema capitalista é contra o povo. Em suas contas, existem 700 empresas improdutivas na Venezuela e mais de 1.000 que operam com menos de 50% de sua capacidade. Para que sejam desapropriadas, basta que o presidente as declare “de utilidade pública”. Chávez joga sujo para não dar chance a seus adversários em campanhas eleitorais. A Constituição bolivariana, de 1999, aboliu o financiamento público dos partidos políticos. Em compensação, o presidente usa toda a estrutura de comunicação do Estado para fazer propaganda política do governo e dos partidos que o apóiam e para atacar a oposição. O presidente pode entrar em cadeia nacional de rádio e TV a qualquer instante, no meio da programação, sem aviso prévio. Ele utiliza esse instrumento com prodigiosidade. Entre janeiro e setembro deste ano, Chávez entrou 177 vezes em cadeia nacional. Falou, no total, durante 37.000 minutos. No mesmo período, todos os partidos de oposição juntos tiveram 800 minutos de exposição na mídia eletrônica.

As circunstâncias da vitória esmagadora dos chavistas nas eleições legislativas
da semana passada dão uma boa idéia do clima de autoritarismo e desconfiança que
predomina na Venezuela. Dois fatores explicam a alta taxa de abstenção. O primeiro
é o caráter personalista do governo venezuelano, centralizado na figura de Hugo
Chávez. O presidente desperta a admiração de 49% da população. “Já os intermediários
de Chávez, deputados e ministros, não atraem mais do que apatia, como revelou
o desinteresse por essas eleições”, diz o analista político Alberto Garrido, de
Caracas. O segundo motivo para a abstenção foi a falta de confiança dos eleitores
no árbitro do processo. As pesquisas de opinião mostram que apenas 53% dos venezuelanos
confiam no Conselho Nacional Eleitoral (CNE). Não é à toa. Dos cinco juízes que
compõem o órgão eleitoral, quatro foram colocados no cargo por Chávez e são aliados
declarados do presidente.


UM ÚNICO FREGUÊS
Manifestante em marcha chavista, acima, à esquerda, e
cooperativa têxtil em Caracas: as costureiras estão recebendo
uma antecipação mensal de 250 reais, de crédito do governo,
enquanto não conseguem lucro. Quando isso acontecer, também
será com dinheiro do Estado: as únicas encomendas consistem
em camisas vermelhas com propaganda do governo e dos programas
sociais. Próximo da cooperativa têxtil, há uma de calçados em
que o princípio é o mesmo: os fregueses são o governo, a PDVSA
e Cuba. Assim, Chávez garante a dependência dos cooperativistas
em relação ao governo indefinidamente

Muitos eleitores não foram votar por medo. Na semana anterior à votação, o CNE viu-se obrigado a suspender o uso de uma máquina de identificação dos eleitores com impressão digital, depois que uma auditoria independente revelou que o mecanismo permitiria ao governo saber em quem cada eleitor votou. Os venezuelanos têm seus motivos para acreditar que o governo se interessa em saber como cada um vota – e temer que isso seja usado contra eles. Uma prova de que o segredo do voto virou pó na Venezuela é um CD, cujas cópias acabaram vazando, com os dados de 12 milhões de eleitores, em que consta também a orientação política do cidadão e como ele votou no referendo do ano passado. Por suas dimensões e grau de intrusão, o arquivo contido no CD só pode ter sido produzido por agentes do governo com acesso às urnas eleitorais eletrônicas. A lista de nomes é chamada de “Maisanta”, em homenagem ao bisavô do presidente. A informação é usada pelo governo venezuelano para perseguir os adversários: quem votou contra o presidente tem dificuldade para tirar passaporte e não consegue emprego público. Em um país em que 15% dos postos de trabalho estão no setor público, essa é uma punição e tanto. E a perseguição política vai mais longe. É comum os burocratas pedirem a lista de empregados de uma empresa privada antes de fechar um contrato de prestação de serviço ou compra de produtos. Se algum funcionário consta como antichavista na lista Maisanta, a empresa corre o risco de perder o negócio se não o demitir. Isso criou uma situação inusitada: algumas companhias estão se valendo de empresas de fachada – que têm apenas funcionários politicamente “limpos” na folha de pagamento – para fechar os contratos com o governo. Josef Stalin fazia o mesmo que Chávez. Era um pouco mais difícil, sem computador. Mas o objetivo era o mesmo.

Uma boa maneira de entender quais são as armas de Chávez no seu projeto de destruir a democracia venezuelana é percorrer as ruas de Caracas. Dois fenômenos marcam a paisagem da capital da Venezuela. O primeiro é a frota de carros americanos dos anos 70 que abarrotam as ruas da cidade, a maioria caindo aos pedaços e consumindo 1 litro de gasolina a cada 3 quilômetros. Só o quinto maior exportador de petróleo do planeta, como é o caso da Venezuela, poderia se dar ao luxo de ter tantos carros gastadores, alimentados por gasolina subsidiada ao preço de 11 centavos de real o litro. O segundo fenômeno é a profusão de gigantescos murais, grafites, cartazes e outdoors protagonizados pelo presidente Hugo Chávez. Em todos, Chávez aparece como o pai dos pobres e como o comandante que vai levar os venezuelanos a uma revolução socialista do século XXI. Em muitos, o presidente é colocado ao lado do ícone revolucionário Che Guevara ou de Fidel Castro, um amigo do peito. Petróleo e populismo. Essa é a fórmula que permitiu a Chávez concentrar poder e iniciar o controle da sociedade venezuelana em diversos setores, da economia à cultura. Antes de Chávez, o país era controlado por dois partidos da elite venezuelana que por décadas se restringiram a criar uma estrutura estatal perdulária, ineficiente e corrupta. O lucro do petróleo permitia à elite manter a paz social com subsídios, como o da gasolina. Com a queda no preço do combustível fóssil, em 1979, o país arrastou-se por duas décadas de crises econômicas e políticas. Os partidos tradicionais ainda estão desmoralizados pelos fracassos do passado. A oposição a Chávez é fragmentada e ainda não se recuperou da derrota no plebiscito convocado para tirar o presidente do poder.


A FÉ DAS AVÓS BOLIVARIANAS
“Chávez é o meu comandante”, diz
Vilma Torres, de 59 anos, moradora
do barrio Manicomio, um dos mais
antigos de Caracas. Estima-se que
metade dos moradores da capital
viva nos barrios, o equivalente
venezuelano às favelas. Vilma é
uma veterana militante socialista
e admiradora de primeira hora do
presidente da Venezuela. “Graças
a Chávez, consegui me naturalizar
venezuelana depois de anos e agora
posso votar nele”, diz Vilma, que
nasceu no Peru. Ela se orgulha de
participar de quase uma dezena de
grupos chavistas, como a Organização
das Avós Solidárias e a Frente
Bolivariana de Mulheres, e não
sai de casa sem levar consigo uma
pilha de jornais de movimentos
sociais para distribuir na rua.

Quando Chávez assumiu a Presidência da Venezuela, em 1999, eleito democraticamente, o preço internacional do barril do petróleo estava em 10 dólares. Hoje está em 50 dólares. O preço do combustível ajudou a economia venezuelana a crescer 17% no ano passado. O lucro da PDVSA, a estatal do petróleo, teve aumento de mais de 50%, de 4,23 bilhões para 6,5 bilhões de dólares por ano, mesmo com a redução na produção por falta de investimentos. Chávez transformou a PDVSA em uma máquina de comprar apoio político dentro e fora do país. Parte do lucro com a exportação de petróleo é dedicada a sustentar uma colossal rede assistencialista que torna a metade mais pobre da população dependente do governo, mas não cria condições estruturais para melhorar a vida dos cidadãos a longo prazo. Chávez tira 3,7 bilhões de dólares por ano da estatal petroleira para sustentar os programas sociais. Para os pobres venezuelanos, que sempre foram negligenciados pelas políticas públicas dos governos anteriores, os projetos sociais de Chávez, chamados de misiones, são um alento.

As misiones tiveram o efeito de encher o serviço público venezuelano de cubanos. A alfabetização de adultos é feita com a supervisão de professores cubanos e se vale de um método cubano de ensino. O atendimento médico primário nos bairros pobres é feito por médicos cubanos que moram em casas dentro das próprias comunidades. Todos mobilizados por Fidel Castro para compensar o petróleo de graça com que Chávez deu novo alento à combalida economia de Cuba. Depois de passar três anos sem nada fazer pelos pobres que defendia em discurso, Chávez criou as misiones em 2003 por sugestão de Fidel. “Ele vivia então seu pior momento no governo e corria o risco de ser derrubado por um referendo, segundo indicavam as pesquisas”, diz Luis Christiansen, presidente da Consultores 21, um instituto de pesquisas de opinião de Caracas.

Com os programas sociais, Chávez criou uma rede assistencialista que deixou milhões
de venezuelanos dependentes de seu governo. Só pelo programa de alfabetização
passou 1 milhão de pessoas, muitas ganhando incentivos de até 20 dólares mensais
para participar. Trata-se de uma indústria de votos para Chávez, totalmente bancada
por dinheiro público e que cria uma melhoria de vida efêmera para os participantes.
É o caso das 270 sócias de uma cooperativa têxtil de Caracas que funciona em um
terreno da PDVSA. A cooperativa foi criada e financiada pelo Estado. O aprendizado
do ofício das costureiras foi pago pelo Estado. E é o Estado, claro, quem compra
os produtos feitos por elas – em geral camisetas de divulgação dos programas sociais,
mais uma vez, bancadas pelo Estado. “Quando o preço do petróleo cair, todo o sistema
de apoio popular montado por Chávez vai desabar e jogar o país em uma crise econômica
e social mais grave do que a vivida pela Argentina em 2001”, prevê Elsa Cardozo,
cientista política da Universidade Central da Venezuela, de Caracas. A herança
econômica de longo prazo que Chávez está deixando para o país são o desmonte do
já pequeno parque industrial, reduzido pela metade em sete anos, e a destruição
de postos de trabalho formais. Desde que assumiu, Chávez criou mais de trinta
companhias estatais, de empresa de aviação a redes de televisão. A rede de supermercados
do governo, Mercal, que vende produtos 40% mais baratos, já é a maior do país.
Quem sofre com a concorrência são os pequenos e médios comerciantes de alimentos.
A conta que os pequenos comerciantes fazem é a de que, a cada novo Mercal, fecham
as portas cinco mercearias das imediações. Chávez está destruindo a economia de
mercado, a democracia e a justiça venezuelanas. Não existe democracia sem instituições
funcionais. Chávez as despreza. Por enquanto, o mundo o ignora. Quando acordar,
pode ser tarde demais.

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