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Primaveras Românticas, de Antero de Quental

by Lucas Gomes

A obra Primaveras Românticas foi publicada em fevereiro de 1872. Contém
as produções poéticas da juventude de Antero de Quental, as poesias de amor
e fantasia compostas, em sua quase totalidade, entre 1860 e 1865, e que andavam
dispersas por várias publicações periódicas. Só foram reunidas em 1872 juntamente
com outras coisas do mesmo estilo e caráter.

Anteriores às influências de Proudhon e de Hegel, que nortearam a poesia social
e revolucionária posta em prática nas Odes Modernas e teorizada na “Nota
(sobre a missão revolucionária da poesia)” e nos opúsculos Bom Senso
e Bom Gosto
e A Dignidade das Letras e as Literaturas Oficiais (todos
de 1865), as composições de Primaveras Românticas elegem como tema preferencial
o amor, nos seus múltiplos cambiantes (Amor no mar), muitas vezes relacionado
com Deus (Beatrice, A uns quinze anos) e a natureza (Idílio
sonhado
). Talvez por isso Antero de Quental questione, no curto prefácio,
o “merecimento moral” destes versos (a que viria a chamar, na “Carta
autobiográfica dirigida ao Professor Wilhelm Storck”, de 1887, “du
Heine de deuxième qualité”), atribuindo-os à “inocência” e à
“fantasiadora ignorância juvenil”, a “um sopro romântico, cálido
mas balsâmico”, que fez “rebentar tumultuariamente as nossas primaveras
em borbotões de flores”.

Algumas composições dão voz às inquietações metafísicas (Nuvens da tarde,
Velut umbra) e ao sentimento pessimista (Primeiros conselhos do Outono)
que serão vincados na obra posterior do autor. A coletânea inclui vários poemas
posteriormente recolhidos nos Sonetos Completos (como Beatrice,
Amor vivo, Mãe, Jura, Metempsicose, Enquanto
outros combatem
, A uma mulher, entre outros), revelando-se desde
logo a preferência do autor por essa forma poética, em que foi, de fato, exímio.

Poemas escolhidos:

1. Beatrice

A…

Nome, que não se diz; nome que não se escreve;
Quem vai meter num som o mundo, a imensidão?…
O amor, que nome tem? real, jamais o teve…
Escrever!… pois é pouco um livro – o coração?!…

Nem visão, nem real:
amor! amor somente!…
Pois quem sabe o que diz esta palavra – amor – ?
Quando deixa cair no peito esta semente,
Diz o que há-de brotar, acaso, o Deus-Senhor

Somente amor… Somente?! e pouco esta palavra? Duas silabas
só – em pouco um mundo esta –
Loucos! mas, quando o amor se expande, e cresce, e lavra,
Bem como incêndio a arder, tão pouco inda será?

Gota, que alaga o mundo! átomo, e após, colosso!
Mas este nada ou mundo, a mim quem mo aqui pôs!
Foi Deus! de Deus me vem… e a Deus medir não posso:
E imenso o que vem dele… os nadas somos nos.

E o nada, que me abriu no peito e, feito imenso,
O encheu, bem como um vaso, abrindo, encheu a flor,
Há-de alagar teu peito e ser do templo incenso…
Mulher! hás-de escutar, que eu vou falar d’amor!

Falar d’amor?!… se ele e como uma essência,
Que nos perfuma, sem se ver de donde…
Se ele e como o sorriso da inocência,
Que inda se ignora e, p’ra sorrir, se esconde…

Se e o sonho das noites vaporoso,
Que anda no ar, sem que possamos vê-lo…
Se e a concha no oceano caprichoso,
Se e das ondas do mar ligeiro velo…

Se e suspiro, que oculto se descerra,
Se escuta, mas se ignora de que banda…
Se e estrela, que manda a luz a terra,
Sem se ver de que paramos a manda…

Se e sonho, que sonhamos acordado…
Suspiro, que soltamos sem senti-lo…
Sopro que vai dum lado a outro lado…
Sopro ou sonho, quem pode repeti-lo?

Falar do amor… do amor! o sempre-mudo!
Se e segredo entre dois, como dize-lo,
Sem divulga-lo, sem que o ouça tudo?
Se e mistério encoberto, como vê-lo?…

2. Amor vivo

Amar! mas d’um amor que tenha vida…
Não sejam sempre tímidos arpejos,
Não sejam só delírios e desejos
D’uma doída cabeça escandecida…

Amor que viva e brilhe! luz fundida
Que penetre o meu ser – e não só beijos
Dados no ar – delírios e desejos –
Mas amor… dos amores que têm vida…

Sim, vivo e quente! e já a luz do dia
Não virá dissipá-lo nos meus braços
Como névoa da vaga fantasia…

Nem murchará o sol à chama erguida…
Pois que podem os astros dos espaços
Contra uns débeis amores.. se têm vida?

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