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Relatos escolhidos, de Silveira de Souza

by Lucas Gomes

Relatos escolhidos

, de Silveira de Souza, publicado em 1998, resume-se a vinte
e um contos, recolhidos de obras anteriores escritos ao longo da carreira do autor.

Narrados em primeira e terceira pessoas, têm como temas principais o homossexualismo, o
sobrenatural e a prostituição.

Todos os seus textos reúnem um pingo de verdade. Pode-se dizer que é de uma verdade
suprema que eles se originam.

Os contos não são explicativos, não dão desfecho final. Isso fomenta uma série de
interpretações diferentes.

O ambiente mais comum utilizado em seus textos é a Florianópolis nostálgica, com
os casarios ilhéus e a paisagem cinza. Palavras do autor: “procuro mostrar o momento, uma
situação e, de certa forma, o leitor interage comigo, dando sua interpretação”.

Resumo dos contos

O MORTO

Um humilde morador de uma praia de Florianópolis encontra um homem morto na praia
e começa a refletir sobre a vida. Minutos depois, chegam curiosos e ele vai embora.
A vida volta ao normal e ele sente mais vontade de viver.

O CHARADISTA

Este é o relato da morte de um charadista que caminhava sempre a mesma hora, na mesma
rua.
Continuava com passos lentos e ritmados.
A vingança o observava, o via olhando para o chão, pensamento alerta, caminhando
vagarosamente, roupas gastas sapatos velhos. A vingança via-o entrando na casa
velha de dois compartimentos.
Lá, e hoje, o quarto diferente. Tudo era igual, mas diferente. Era o charadista
que estava ali.
Ali estavam o mesmo nariz, os cabelos, as linhas faciais que tanto tempo se
habituara a ver, tudo era igual, mais diferente. O espelho? O espelho se quebrara.
Na cama, o charadista suava. Estava sozinho. Sessenta anos de existência pacífica.
O narrador faz então uma reflexão do que foi a vida deste charadista que estava
ali suando na cama coberto por um grosso cobertor. Lembrou de suas charadas, as
mãos partem o espelho em destruição furiosa dos sonhos.
A vizinhança lá estava. Caminhando no meio da rua acompanhando o charadista para
o silêncio que ele sempre amara.

RICTO

Um jornalista é seqüestrado e espancado porque falara “demais” no jornal. O crime
acaba sem punição, e ele ficará para sempre na mira dos bandidos.

NEGÓCIO

O relato é a história de um cidadão chamado Peixoto de tentar melhorar a renda
familiar com o negócio próprio.
Para poder realizar o seu sonho, Peixoto precisa de dinheiro e como conhecia um
político resolveu procurá-lo a fim de conseguir dinheiro e montar o seu negócio.
Finalmente Peixoto estava diante do bangalô do seu amigo político, que certamente
iria ajudá-lo. Apertou a campainha.
Estava agora no interior da casa do Dr. Osni, como era chamado o seu amigo político.
Começaram um diálogo falando de problemas familiares.
Conversa vai, conversa vem, Peixoto começou a falar do motivo que o levou a fazer
tal visita.
“É um negócio, um negócio pequeno… Um balcãozinho”.
Diante da revelação de Peixoto, Dr. Osni começou a fazer algumas perguntas como: ”Você
está desempregado? Sabe como fazer? Já tem contrato?
Peixoto justificou a decisão dizendo ganhar pouco e ser insuficiente para sustentar
mulher e filhos. Diante da aprovação do interlocutor, Peixoto começou a ficar
animado imaginando ter acertado em procurar o Dr. Osni e pensou: “É preciso
convencê-lo.”
Diante da pergunta de onde conseguir as revistas, Peixoto revelou ter uma editora
em vista, mas revelou a dificuldade de conseguir as coisas aqui no Brasil sem ter
um pistolão.
Ao ouvir as justificativas de Peixoto, o Sr. Osni mudou de comportamento, sua
fisionomia já não era mais tão animadora assim, tornou-se mais grave. Começou a
enumerar as dificuldades que pessoas como o Peixoto, sem dinheiro e sem prestígio
tem para começar um negócio.
Como todo o político, o Dr. Osni prometeu fazer de tudo para ajudá-lo.
Fez-se um grande silêncio na sala. De repente o político pergunta a Peixoto:
Onde vai ficar o Balcão?
Peixoto sentiu sua esperança voltar, respondeu rapidamente.
“Na rua tal… Não é mau… O senhor sabe, na saída do cinema…”
A esperança de Peixoto cresceu mais ainda quando o político lhe fez a pergunta:
“Então, diga-me em que lhe posso ser útil nesse momento?”
Peixoto começou justificando antes de fazer o pedido de ajuda, disse ser difícil
com o que ganha fazer qualquer coisa, o pedreiro custa caro… sabe como é… O
que eu preciso é de trezentos cruzeiros… Lá em casa temos dois votos: o meu e
de minha mulher…
Peixoto saiu da casa do Dr. Osni como entrou. As perguntas se tornaram mais
intensas: “E agora?” “E agora?” “E agora?” Somente a promessa, nada de ajuda,
tudo continua como antes.
Ganhando o salário mínimo, sem negócio com revista, sem balcãozinho.
Então pela rua da praia, olhou as barcaças e as baleias apoiadas na areia, próximas
ao mercado público. Negros e brancos, muitos fortes e rudes, carregavam fardos
sobre o trapiche.
“Um homem a serviço de seu povo”. Diziam enormes letras de piche em um muro.

QUESTÃO DE TEMPO

O narrador começa a falar sobre seu grande amigo. Certa vez, algumas circunstâncias
o separaram e, quando voltaram, eram já outros homens. O narrador até que tentou,
sem muito esforço, saber o que estava acontecendo com o amigo, mas o egoísmo falou
mais alto, e o amigo cada vez mais afundava-se em seus problemas. O curioso é que
quanto mais o amigo ficava mau, mas o narrador sentia-se poderoso. Até que um dia,
resolveu passar o drama para o teatro e eis que, no auge de sua representação, o
amigo, agora expectador, invade o palco e o ataca.

O PROJETO

Este é o relatório de um projeto que o governo autorizou realizar e permitiu o
deslocamento de alguns funcionários para um casarão que pertencia ao poder público.
O material que seria utilizado na realização do projeto foi transportado para o
casarão numa Kombi. Foram ocupadas apenas duas salas do casarão.
Havia mais outras salas iguais as que foram ocupadas. Seguia-se um corredor sem
iluminação.
Nos primeiros dias o regime de trabalho foi intenso. A datilógrafa ocupava-se das
folhas datilografadas. O servente procurava executar com competência todas as
ordens que lhe eram dadas. No final do expediente íamos embora levando o
entusiasmo de um dia bem aproveitado.
Conta o autor do projeto, que a cada momento do dia e da noite se envolvia para
encontrar formas cada vez mais criativas para o projeto ter sucesso. O sucesso
que se esperava dele.
O autor do projeto continua preocupado em fazer cada vez melhor o trabalho, para
isso faz indagações mentais para que nada dê errado, que o projeto não deixe
nenhuma margem para desaprovação. Quer o autor do projeto, não perder a
oportunidade, de modo nenhum perder a chance de realizar o seu projeto.
Na segunda semana, com a mudança de clima, pois o inverno já há duas semanas
havia terminado, e com o início da primavera as pessoas pareciam mais dispostas
e mais felizes.
A datilógrafa começou a semana mais alegre, vestiu-se com mais sensualidade
mostrando sob a saia curta suas pernas, com seu decote mostrava boa parte dos
seus bem sensuais seios, motivo da atenção dos outros funcionários.
Um pequeno acidente de automóvel fez com que todos corressem para a rua esquecendo
da importância do projeto. O autor do projeto percebendo o desinteresse chamou
os três funcionários para uma reunião, onde expôs a seriedade do projeto e
quanto todos seriam beneficiados com sua conclusão e aprovação.
Depois de alguns dias de trabalho sério e compensador, o autor do projeto enviou
os primeiros resultados para apreciação da secretaria do governo. A resposta foi
positiva, e deveriam continuar.
O importante, pensava o autor do projeto, é não esmorecer.
Pensamento e ação coordenados devem entregar-se a uma luta para perfeita execução
dos objetivos. Em um determinado dia, o autor do projeto percebeu que algo estranho
estava acontecendo, visto que o escriturário e a datilógrafa cochichavam, andavam
de cá para lá, paravam de trabalhar e continuavam a falar baixo.
De repente ele ficou sabendo de que o servente havia desaparecido, foi para a
direção dos sanitários e nunca mais o viu.
Dias depois a mulher do servente apareceu na repartição para cobrar os direitos de
pensão.
Então o autor do projeto reclama dificuldades. A maior reclamação é quanto ao novo
servente que lhe foi negado alegando falta de gente para ser deslocado para o outro
departamento.
No entanto, o reclamante observa que há um mundo de gente ociosa a locupletar as salas
e os corredores da secretaria, gente que poderia ser deslocada perfeitamente para aqui
ou ali.
Continua criticando administrações falsas e ineficientes que impedem o bom relacionamento
nas secretarias. Critica as administrações chamando-as de fantasmas de uma situação
ultrapassada.
Então, o autor do projeto, esta cada vez mais convencido de que é preciso mudar, que é
preciso crer no seu projeto, que seu projeto poderá trazer a solução revolucionária para
os erros que se cometem. Pensa ele: “Não posso alimentar pensamentos derrotistas nem
desistir”.
O escriturário tomou a decisão de cumprir as duas tarefas, a dele e do servente, que foi
muito elogiado pelo projetista.
Dias depois do desaparecimento do servente, a datilógrafa Eunice foi à mesa do chefe e
pediu para sair mais cedo por não estar se sentindo muito bem. Teque, teque, teque. Ele,
o projetista e o escriturário Jonas, durante dois dias se ocuparam de todo o trabalho,
nervosos trabalhavam por todos tentando resolver todos os problemas sem deixar nada pra
trás.
Concentração e tensão, sim. Os dois começaram a sentir maus fluídos, teque, teque, teque,
começaram a ter maus pressentimentos. Algo terrível estava para acontecer.
Não demorou acontecer. Teque, teque, teque. De repente a datilógrafa Eunice se levanta
e caminha apressadamente para as salas vazias. Eles ficaram ouvindo os ruídos dos seus
passos que iam sumindo em direção dos banheiros.

OS PEQUENOS DESENCONTROS

O narrador viaja com sua mulher para tentar melhorar seu relacionamento conjugal. Ao
sair do hotel para fazerem compras, perdem-se e ficam dando voltas e voltas no mesmo
lugar sem se darem conta. Cansada, a mulher explode de raiva e diz a ele que era a
última vez que ele a conduziria para um caminho errado e que se não resolvesse logo,
seria realmente o fim. Ele se desespera, tenta sair, mas continua andando em círculos.

CANÁRIO DE ASSOBIO

O narrador relata um episódio de sua infância: a fuga de um canário, seu animal de
estimação, provocada pela maldosa escrava da casa, cansada de ter que limpar todos
os dias e recolher a gaiola do passarinho.

O BRAÇO DIREITO DE NOÊMIA

O braço direito de Noêmia é o relato interessante de alguém que casou não por amor,
mas por interesse. Estava arrependido. Noèmia era gorda e ciumenta. Por onde ele
andava ela estava lá com seu braço direito sobre ele.
As pessoas ameaçavam rir depois se continham, mas ficavam olhando aquele braço protetor
sobre o seu ombro. Chegava a sonhar com o peso do braço de sua mulher.
No entanto no escritório onde trabalhava começava a progredir. Mesmo sob os olhares
fingidos dos seus colegas que fingiam como atores com medo de serem repreendidos, ele
conseguia bons aumentos.
O braço direito de Noêmia ao contrário de ser um peso que carregava era a chave que lhe
abria as portas para o sucesso. Recebia muitas propostas, o sucesso era material e social.
Aprendera muito depois que se casara com Noêmia, sabia as respostas que todos queriam ou
gostavam de ouvir. Mesmo depois que Noêmia começou a perder peso, o seu braço direito
continuou como sempre, sobre o seu ombro lhe dando segurança e lhe abrindo portas para
o sucesso.
Céus, como tudo se pode transformar assim de repente? Noêmia definha terrivelmente há
duas semanas. A cada dia que passa é mais braço direito e menos Noêmia. Está febril,
delira. Não posso dormir sabendo que minuto a minuto se avoluma uma desmedida jibóia
enroscada ao pé da cama
.
O desespero invadiu o coração do moço. Começou a fazer perguntas como: Afinal, porque
casei com Noêmia? Onde estava com a cabeça? Por que sempre fui conduzido a praticar
coisas que não vinham do fundo do ser?
Talvez porque, etc,etc,etc.

O VIZINHO

O narrador conta o mistério que vinha acontecendo na casa do vizinho durante muito
tempo e que ele tenta desvendar.
Diz o narrador que todos os dias leva trabalho para casa, pois em casa, sem ninguém para
interrompê-lo, trabalha melhor e com mais concentração, afinal são gráficos que exigem
cálculos precisos.
A casa onde mora é afastada do barulho da cidade, um lugar tranqüilo, adequado às
exigências de repouso e concentração mental. Conta que ele e sua mulher preferem
ficar em casa se curtindo, e raramente saem a passeio. À noite lêem revistas e jornais,
depois vão dormir.
Conta que duas a três vezes por semana costumam ficar nus deitados sobre a cama com a
luz acesa imaginando prazeres como dois adolescentes endiabrados.
Mas nos últimos dias algo o está perturbando, algo está lhe tirando a paz e o sossego.
Na casa vizinha vieram morar novos moradores. Até aí tudo bem. São novos moradores que
ele não conhece e não sabe de suas intimidades. É uma casa modesta, a mais modesta da rua.
É uma casa de tijolos com janelas de madeira. Além de ter apenas a frente de tijolos,
os fundos da casa é de madeira.
Nos últimos dias vem acontecendo algo que o deixou perturbado. Da janela dos fundos têm
vindo sons e gemidos impertinentes, repassados de dor; todas as manhãs nos últimos três
dias, quando está trabalhando.
Diz ele que é um indivíduo sensível a essas coisas. Por ser assim, seu espírito começou
a ficar perturbado.
Os gráficos começaram a não ser mais os mesmos. Não tinha mais certeza de nada. A mente
já não estava tão clara. A solução seria saber o que está acontecendo com o vizinho.
Um dia levantou na mesma hora, mas não para trabalhar. Foi investigar o que estaria
acontecendo na casa vizinha. Examinou o pátio depois do muro, o lugar não era mais o mesmo,
o mato invadia os canteiros das hortaliças. Percebeu que nenhum gemido vinha da casa
do vizinho, talvez estivesse dormindo.
Tentou ver dentro de casa, olhou a janela dos fundos, estava fechada, olhou pela janela
da frente, estava fechada mas pôde ver que se tratava de uma casa simples. Viu
algumas molduras penduradas na parede, tapetes que pareciam sujos.
Viu na parede o retrato de um casal, parecia antigo. Descreveu o marido como magro e
baixo.
Nos últimos dias os gemidos aumentaram em freqüência de dor. Ele continuava perturbado
sem conseguir trabalhar. Convenceu-se afinal que tudo o que poderia fazer era continuar
a escutar os gemidos até às dez e depois sair para o trabalho no escritório, já que em
casa o trabalho não rendia.
Quinze dias se passaram, os gemidos começaram a perder intensidade, poderia ser o fim?
O fim que não é o fim como num gráfico que termina em zero.
A preocupação do protagonista era saber o que estava acontecendo na casa do vizinho.
Até o vento quando mudava de direção o perturbava pois teria que fechar as janelas e
se tornava difícil saber o que estaria acontecendo na casa do vizinho. Os gemidos
continuavam misteriosamente.
Um dia alguém vai descobrir o que está acontecendo com o vizinho, é só questão de tempo,
tempo que pode ser uma eternidade.

PSICOCINÉSIA

Este é um relato onde se narra fenômenos sobrenaturais acontecendo na casa de uma
família humilde da ilha.
O primeiro a ver o fenômeno foi o menino que gritou: “A cadeira está subindo! A
cadeira está voando!” O pai que atendia a filha mais velha que estava no banheiro
tomando banho e havia esquecido a toalha, ficou muito espantado e incrédulo e correu
gritando: “Que brincadeira é essa?” “Meu Deus, é um espírito!” “Pega ela, puxa pra
baixo!”
Ninguém tinha coragem para chegar perto. A perplexidade foi tanta que começaram a
perceber coisas que antes passavam despercebidas como: o pai nesse momento percebeu
que a filha estava enrolada na toalha.
Naquela noite, perto da meia noite começaram as batidas na janela. O pai e a mãe
num quartinho deitados, a mãe, doente virada para a parede de madeira. Os três
filhos no outro quartinho. O pai levantou para ver quem batia e ninguém respondeu.
Voltou para a cama. Mal deitara e as pancadas voltaram. O pai levantou-se novamente
foi para o quintal e nada viu ou ouviu senão poucos cachorros longe dali.
“Quem está batendo, pai?” Perguntou a filha mais velha. Todos estavam assustados.
O pai acalmou os filhos pedindo que voltassem para a cama e dormissem.
Assim passaram três noites. Eram batidas nas janelas, arranhões na parede, cadeiras
saindo do lugar. Tanto barulho! Tantas batidas! E por mais que se procurasse nada
era encontrado além das coisas habituais como pneus velhos, cachorros e nada mais.
Todos estavam assustados e perplexos. O pai comprara até uma garrafa de cachaça para
suportar o medo.
Após três horas houve uma trégua de dois dias. Dois dias que a coisa não aparecia.
Mas o medo que ela voltasse estava presente em todos, todos estavam impacientes e
nervosos.
Pois foi depois da trégua que a coisa voltou ainda mais furiosa. Como da primeira vez,
foi no exato momento em que a filha pediu a toalha para o pai, pois a havia esquecido.
Foi nesse momento, no momento em que o pai estendia a toalha para a filha que a coisa
se fez presente como uma bola de fogo que cegava os olhos.
Seguiu-se um grande estrondo que sacudiu toda a casa.
Pratos e vidros se partiam projetados dos armários, as cadeiras se movimentavam com
violência e se esfacelavam pelo chão. Todos gritavam aterrorizados. A mulher doente no
fundo da cama gritava alucinada. O telhado foi todo destruído pela chuva de pedras que
caía sobre ele. O sofá foi todo rasgado por unhas afiadas e invisíveis. As
paredes da casa estavam arranhadas, os sulcos eram tão profundos que pareciam ter sido
feitos por máquinas, ou por unhas gigantes, acusadoras, vingativas.

BUGRES

Este é o relato de uma pesquisa feita com os lendários matadores de índios que viveram
em Santa Catarina no começo do século XX.
Um professor da universidade estava entrevistando um bugreiro dentro do jipe da prefeitura
em um povoado da ilha. Fazia pouco tempo que o estava entrevistando quando o jipe no qual
estavam sofreu um acidente que feriu gravemente o bugreiro. O ferimento foi tão grave que
ele, o bugreiro, perdeu a memória.
Logo que o bugreiro pôde ser novamente entrevistado, o pesquisador percebeu que coisas estranhas
estavam acontecendo.
Mudou o timbre de voz, mudou o foco narrativo, o pesquisador percebeu que não se tratava
somente de uma opinião, mas de várias opiniões emitidas na mesma boca mas com vozes
diferentes.
Naquele dia, no quarto de hospital, o pesquisador, o bugreiro que dormia e o Dr. Reinaldo,
médico do INAMPS, começaram a ouvir a gravação que estava na fita. Perceberam que era
o relato de alguém que estava vigiando em um grupo de colonizadores provavelmente de
Blumenau.
A voz dizia que eles, os índios, estavam se aproximando. Que estavam na roça de mandioca.
A voz vai narrando como as crianças e as mulheres eram protegidas e como os bugres eram
recebidos.
Ouviram vozes que falavam confusamente o alemão, falavam de bugreiros, de tiros. O Dr.
e o pesquisador ficaram algum tempo falando da aventura dos imigrantes que saíam de
sua terra e se aventuravam nesse matão de Deus cheio de bugres.
O pesquisador regulou a fita para ouvir um outro trecho. Nesse trecho da fita ouviram
outra voz que falava rapidamente como se tivesse decorado o que dizia ou estivesse lendo
um texto.
Quem falava era provavelmente um imigrante que junto ao bugreiro negreiro percorriam
uma picada. A voz narrava o ataque dos índios ao grupo que seguia com o bugreiro Machado,
conhecedor profundo do mato, e de como se defender dos índios.
A voz contava como o bugreiro Machado matava os índios que também atacavam com tacapes
e flexas. Após o bugreiro Machado matar alguns índios e o Lemos com sua espingarda ter
matado outro, os que ainda estavam vivos fugiram para o mato. A voz parou.
Os dois, o pesquisador e o Dr., após ouvirem o relato, fizeram alguns comentários sobre
a civilização e o progresso. Chegaram à conclusão que a última narração era de uma
testemunha das ações dos bugreiros, muito provavelmente na região de Timbó tomada por
Wachowicz e apresentada no trabalho “A imigração e os botucudos (Xocleng) do Taió”. O
trabalho é uma separata dos anais do IV Simpósio Nacional dos Professores de História,
publicado em 1969, em São Paulo.
Perceberam que de repente o bugreiro em seu sono febril se contorcia e dava risadas
sarcásticas, como o rosnado de cachorro.
No dia seguinte nada aconteceu de importante. Foi por isso que o Dr. Reinaldo convidou
o pesquisador para passar a noite no Buraco da Onça, uma casa de putas a cinco
quilômetros dali. A princípio o pesquisador não aceitou, mas diante da insistência do
Dr., acabou aceitando.
Deixou no seu lugar um enfermeiro com as recomendações para que cuidasse do bugreiro
e gravasse tudo o que ele falasse, não perdesse nem mesmo um grunhido que o homem
proferisse.
Foram. O Buraco da Onça era um buraco imenso de dois andares. No terreno tinha salão
de danças e um bar. Havia gente de todo o tipo. Até funcionários do alto escalão da
prefeitura estavam ali se divertindo com as poucas mulheres da região.
O funcionário da prefeitura lá pelas tantas, resolveu ir embora, não estava a fim de fazer
festa, estava lá com o jipe da prefeitura. O pesquisador vendo que já era tarde resolveu
voltar com o funcionário da prefeitura, pois o Dr. estava muito animado e antes do raiar
do dia não sairia dali.
Voltaram sem o Dr. Ao chegar na casa do pesquisador, onde deixara o bugreiro com o
enfermeiro, perceberam que algo estranho estava acontecendo, ou já tinha acontecido. O
pesquisador entrou na casa, viu assustado que o enfermeiro estava estendido no chão com
o ferimento na cabeça. O bugreiro desapareceu.
Antes, porém de desaparecer, teve o cuidado de destruir todas as anotações do pesquisador
e danificar todas as fitas gravadas com os depoimentos do dia anterior.
No dia seguinte o bugreiro foi encontrado morto. Foi aberto inquérito para apurar o fato,
pela delegacia do local. O enfermeiro contou o que havia acontecido, se lembrava de poucas
coisas, apenas que foi atacado quando se dirigia para o gravador, não viu quem o atacou,
o atacaram pelas costas.
Nesse momento o pesquisador lembrou-se da fita que estava no gravador e foi ver se tinha
sobrado algo que pudesse explicar o que havia acontecido. Realmente poucas palavras
ficaram registradas. Palavras que aumentaram a desconfiança a respeito do pesquisador,
calmas, nítidas, elas diziam: “cada pedaço desta terra é sagrado para o meu povo. Cada
ramo brilhante de um pinheiro, cada punhado de areia das praias, a penumbra da floresta
densa, cada clareira ou inseto a zumbir são sagrados na memória e experiência do meu povo.”
Era estranho, aquele texto era mesmo o texto que o chefe Seatle deu como resposta ao
presidente dos Estados Unidos em 1854. O mais interessante é que quem gravou aquelas
palavras, o fez imitando a voz do pesquisador, o que deixou ainda mais surpreso.

EXERCÍCIOS BURGUESES

O narrador vai até a casa de um amigo tentar a reconciliação dele com a mulher, Maria
Helena. Observou que o amigo morava num lugar muito pobre e, quando foi falar com ele,
notou que se sentia bem e gostava da liberdade. Durante uma discussão, o amigo fala ao
narrador que ele deveria tentar conquistar Maria Helena, já que nunca conseguira
durante toda a sua vida, em vez de ficar importunando-o; ele compara, ainda, o dinheiro
que gastava com as prostitutas e o que gastava com a mulher, disse ser a mesma coisa.
Com raiva, o narrador vai embora, sentindo-se um fracassado.

AS PULSAÇÕES

“As Pulsações” é a narração de uma descoberta feita por uma pessoa que fazia exercícios
da pesca submarina e guardava a descoberta no subsolo do prédio que trabalhava.
Era um corredor grande onde eram distribuídos vários escritórios de advogados, corretor
de imóveis e outros.
Era lá que se encontrava a pessoa que fora chamada para ver a descoberta para o qual
o descobridor queria vender.
Quando o comprador chegou no escritório foi recebido pelo vendedor e logo foi dizendo
que era uma descoberta, era algo estranho que ele encontrara numa lagoa no interior
da ilha e ele passou a chamar a estranha descoberta de “pulsação”. Disse que procurou,
este tempo todo mantê-la em lugar de muita sombra, mesmo não estando certo da maneira
adequada de tratá-las.
Quando chegaram ao subsolo, o comprador viu recipientes, bacias ou gamelas.
As paredes do subsolo eram de puro concreto ferruginoso e enrugado. Tinha pura claridade.
O convidado comprador, além da curiosidade sentia também um pouco de temor diante
daquelas gamelas sombrias, em cada uma das quais formas estranhas jaziam sobre
camadas de serragem e mergulhadas na água.
Não tinham forma, era difícil descrever sua forma, exibia muito esforço, além de
criatividade e tempo para defini-la. Ele mergulhava as mãos na água e levantava uma
estrutura ovóide, escamosa, como feita de gelatina endurecida e queimada. O que chamou
a atenção do visitante foram as pulsações interiores, que se assemelham as de um
coração batendo.
Com a estranha criatura na mão o pesquisador foi analisando seus movimentos pulsantes
comparando-os a outros tipos de pulsações, sentia algo com aquilo na mão, parecia ser
algo familiar. Finalmente saíram do local. O vendedor embrulhou as criaturas num embrulho
de jornais e entregou para o convidado que preencheu o cheque e saiu apressado do
escritório.

IRPVII

Esse relato não é senão uma contundente crítica às inúmeras siglas espalhadas por aí.
São siglas que escondem direitos, ou são siglas apenas para servir como pagamento de
promessas de campanha, promessas feitas para amigos ou para colocar parentes
desempregados, mas que na verdade não funcionam, como conta o protagonista desta
narrativa.
IRPVII, Instituto de Resguardo e Proteção dos Válidos, Inválidos e Inativos, sigla
que não diz nada, não especifica nada, mas é uma sigla que promete para todos e para
ninguém.
Foi em busca dos direitos descritos na sigla, que o filho de uma senhora procurou os
responsáveis pela repartição em busca de solução para a aposentadoria que não recebia,
nem pensão do marido morto.
Dizia a senhora para o seu filho: “O seu pai foi inativo a vida inteira. É
justo que eu receba a pensão.”
Conta o moço que foi difícil chegar até o local por causa da grande multidão que
à espera de atendimento. Todos reclamavam do descaso dos funcionários que sem motivo
algum deixavam o local de trabalho voltando longo tempo depois. O local era bonito e
bem arejado.
As pessoas estavam escondidas atrás de guichês, apenas podia-se ouvi-las e nada mais,
ouvi-las quando estavam ali.
Depois de terminado o lanche, a funcionária apareceu e percorreu a fila distribuindo
senhas e orientando para onde deveriam ir para resolver o problema.
A vez do protagonista, o caso dele era um pouco mais complicado, reconheceu
a moça da fila. Não tinha documentos que provasse ou comprovasse a reclamação,
entretanto a mulata gorda lhe indicou o Sr. Pestana, Álvaro Pestana,
superintendente que estava na sala 10, no sexto andar.
Procurou então o sexto andar. Chegando lá começou a procurar a sala 10. Não
foi fácil, no corredor existiam portas que se abriam e fechavam, entrava e saía
multidões que se atrapalhavam andando sempre com muita pressa.
Finalmente encontrou a sala 10, a porta estava fechada e tinha sobre ela o número
10 desenhado em tinta azul. Bateu três vezes e ninguém atendeu, resolveu então,
por conta própria entrar.
Dentro da sala ampla avistou três pessoas bem vestidas escutando igualmente outras
pessoas bem vestidas que apontavam para um enorme mapa pontilhado de alfinetes de
cabeça colorida.
O quarto homem, com uma vareta apontada para o mapa dava a impressão que apontava
para falhas administrativas.
Sentou-se e preocupado em identificar o Sr. Pestana esperou para que alguém o
atendesse.
Ninguém o procurou, mesmo assim ficou ali escutando os quatro discutirem o problema.
Foi então que ouviu o quarto homem dizer:
“O IRPVII tem como função transcender o mesmo benefício social, ele corporifica os
aspectos mágicos do estado. O nosso trabalho não diverge nos seus fundamentos do
trabalho de um sacerdote. Os nossos templos são os órgãos de administração pública,
o nosso Deus é o estado, os nossos dogmas são os postulados e as leis burocráticas.
Saibam que quanto mais débil o sistema, mais sólidos e rigorosos devem ser implantados
os fundamentos.”
Os quatro homens, após ouvirem as palavras do seu diretor, continuaram a discutir as
vantagens que a instituição trazia para o poder público. Não poderia de maneira
nenhuma fechar as portas, ao contrário, deveria continuar se expandindo por todo
território, como já estavam sendo inauguradas mais três agências.
Finalmente perceberam a presença do protagonista. Foi, no entanto, confundido com
o serviçal da repartição que havia esquecido de levar água para os quatro senhores que
confabulavam.
Quando entrou o empregado com a água. Nesse momento se lembraram de perguntar quem
era e o que estava fazendo ali.
Explicou o que estava fazendo ali, expondo o problema. Teve como respostas que o
seu problema era um caso difícil. Após analisarem recebeu como resposta que nada
poderiam fazer por ele. Mas que procurasse no segundo andar o setor de “Situações
Omissas e Esdrúxulas”.
Saiu à procura da nova sala, pelo caminho foi ouvindo reclamações, choros de crianças,
gente faminta, outros trazendo marmitas para os que estavam na fila esperando atendimento.
Finalmente encontrou a sala. Ficou admirado com a quantidade de gente com problemas
esdrúxulos e omissos. Ficou no último lugar da fila. Como o último da fila foi
analisando a situação de todos eles: mau cheiro por falta de banho, roupa simples e
suja, pouca esperança nos olhos e fisionomias debilitadas. Pessoas que tiveram infância
difícil, tendo como única alegria o carnaval, foguetes e luzes de improvisada alegria,
de promessas e de tristeza.
Enquanto esperava pensava na sua mãe. “Ai minha mãe que me sacrifica com sua vida e
me pôs no mundo como um seguidor de seus desejos. Ai Minha mãe geradora de toda essa
gente”.
Ele continuava ali escutando todo tipo de reclamação, assistindo a um copo de água
ser disputado por mulheres quase enlouquecidas. Pessoas sentadas no chão que batiam
palmas, ouvia-se sons de sanfona e violão que vinham não se sabe de onde. Ele ainda
pensava em ficar ali o dia todo, a semana toda, toda a eternidade, aos poucos, de
passo em passo, a fila caminhava, e toda a gente conseguia enfim, deslocar mais um
passo adiante pelo corredor.

O CANTOCHÃO E A SOMBRA

Narra a história de um homem que é submetido a uma espécie de ritual ou terapia do
sonho por amigos. Eles lhe dão um remédio para dormir e, em seguida, ele começa a ter
sonhos estranhos: sonha que transa com sua irmã, depois vê seres elementares e,
finalmente ouve uma voz que retumbava por todos os lados; a princípio a voz o exaltou,
e ele queria saber de onde vinha. Sentiu um ponto estranho atrás da cabeça, uma sombra,
e começou a rir. Eram gargalhadas incontroláveis que o sacudiram tanto que o fizeram
voltar a seu estado normal. Quando acordou, estava entre amigos e certo de que em breve
estaria mais apto para recomeçar a luta fundamental de todos os homens.

VIDRAÇAS PARTIDAS

O relato conta o encontro amoroso de um velho homossexual com um garoto de programa.
O velho estava sentado numa pedra perto do cais esperando um jovem de programa que ele
contratara à tarde na praça da cidade.
O velho levantou-se da pedra que estava sentado quando percebeu que o jovem se aproximava
descendo os degraus do cais pulando sobre as pedras, se apresentando na hora do combinado.
Sempre fúgido evitava encarar o velho. O velho com a voz macia e um sorriso alucinante
admirado automaticamente disse: “Olá, você veio mesmo”.
O rapaz como resposta perguntou se havia trazido toda a grana.
O velho pediu calma. Perguntou o motivo da pressa. Pegou o rapaz pelo braço e foram
andando.
Caminhavam na direção que viera o velho. Dirigiram-se para o paredão do antigo cais.
Era um lugar cheio de pedras, muitos escombros deixados na construção do novo cais
que ainda estava para terminar.
Os dois homens ficaram de pé, à frente, um esperando pelo outro para dar inicio ao ato.
“Como uma nuvem” falou o velho. O jovem não entendia o que o velho estava dizendo.
Irritado pediu o dinheiro. O velho continuou a falar coisas que o jovem não entendia,
repetindo palavras como “grana”, “preconceito”. Finalmente percebendo a ira e a
impaciência do rapaz disse rapidamente: “Sim, eu trouxe a grana”.
O rapaz diante da resposta afirmativa do velho, disse que ele estava ali como no
combinado, como que dizendo para que ele começasse e desse o dinheiro combinado.
“Muito bem”, disse o velho que já estava com seu sangue fervendo, seu corpo palpitante,
ávido para iniciar sua aventura amorosa com o rapaz.
Vínculos inconscientes, as mãos procurava o corpo do moço, percorriam ávidas o corpo
do rapaz sentindo o calor de sua pele procuravam o prazer em todos os espaços possíveis
do corpo quase nu do rapaz. “Amor, amor,amor!”, dizia o velho, ébrio pelo cheiro de
sexo que exalava do corpo do jovem que ele febrilmente sentia sob sua mão. Não resistindo
a tanto encanto e desesperado para sentir a pele quente com sua boca, fechou os olhos e
com seus lábios e sua língua começou a lamber e beijar o corpo que ele pagara para amar.
Os dedos continuaram a descer de forma sedutora. Baixaram o zíper da calça, descobrindo
o mistério da sedução que ele tanto desejava, “amor, amor, amor!”, continuava a dizer o
velho. Enquanto isso as mãos acariciavam as formas intumescidas. As pernas se dobravam
frente ao calor que estava entre suas mãos. Então a boca procurou o calor frenético que
exalava do corpo do moço e com movimentos convulsivos, saliva e esperma se misturavam
escorrendo pelos cantos da boca como uma fonte.
O inefável através do grotesco. O mágico universo interior perdido e reencontrado no
grotesco.
Vidraças partidas é a expressão incomensurável da mente, o vazio de si mesmo, como a
queda em um poço imenso, como o espaço desmedido de uma concha imensa e fechada.
Tão breve e infinito! Movimentos mal percebidos de um frenesi, o arfar que era um
grunhido na garganta e as mãos fortes que súbito agarravam os cabelos e o jato viscoso
e acre que inundava a boca, como o fim de um sonho, momento limite para o retorno de
uma redenção vencida que teria de novo, sempre de novo, de ser recompensada.

UMA VOZ ABAFADA

Este relato é uma tentativa de relatar o dia a dia do povo que se movimenta apressado
pelas ruas em busca de sobrevivência.
Então alguém pára na calçada e fica observando e analisando todos os movimentos da
multidão que parece estar pedindo socorro para que alguém venha tirá-los do sufoco da
vida da grande cidade.
Então alguém deveria parar e olhar em volta, na procura de algo que justificasse o
pedido de socorro e perceber que ninguém ali próximo precisava de auxílio.
A rotina do dia a dia continuava sempre a mesma.
Mas a voz de socorro continuava abafada e causando confusão nas praças, nas avenidas,
na fábrica, nas repartições, era a voz que pede por justiça.
Então alguém deveria despertar para uma dimensão maior para que pudesse ver uma
esperança comum para aquela multidão de vidas que se misturavam no mesmo desejo
correndo sempre na mesma direção.
De noite, ao chegar em casa, tomaria banho, jantaria e depois diante do espelho
veria o quanto é pequeno o universo individual, tão frágil como um novelinho de voz
surda e abafada.

O OLHO DE DEUS

Um funcionário público após um dia de trabalho “duro”, resolveu fazer uma reflexão
sobre os valores que há muito tempo eram respeitados, mas que a partir do anos
oitenta já estavam começando a perder seus conceitos verdadeiros.
A própria sociedade permitia e até induzia para que certos conceitos fossem
desrespeitados.
Alertava ele para os que ainda ostentavam a bandeira dos bons costumes e da
moralidade, alertava para a modernidade que permitia o que há anos atrás não era
permitido e nem mesmo haveria a possibilidade transgredir determinados conceitos.
Hoje, no entanto, o funcionário público mostra como é fácil, na sociedade de hoje,
ser atraído para a imoralidade moderna.
Saiu do seu trabalho e percorrendo as ruas estreitas da cidade de Florianópolis,
notava que o movimento dos carros era apressado e que nos bares das esquinas muita
gente bebia e conversava animadamente. A sociedade se divide quando chega a noite.
Ele, o funcionário público que narra sua noite depois do serviço na repartição, diz
que depois de um dia sórdido no departamento financeiro-contábil de um departamento
público, fazendo jogo de empurra empurra, dando jeitinhos aqui e ali, resolveu ter
uma noitada diferente.
Foi quando ele procurou uma boate chamada “sandália de prata”.
Entrou, observou o ambiente, sentou e esperou que alguma mulher viesse fazer-lhe
companhia. Como ninguém o procurou, somente o garçom, bem vestido, para vender-lhe,
diante da falta de mulheres ele perguntou ao garçom, imitando um turista argentino,
se ali não havia mulheres. O garçom respondeu que as mulheres são mais freqüentes
às quintas-feiras e no resto do final de semana, como ainda era quarta feira, tinha
menos, mas logo chegariam Nádia e Madalena.
De fato, logo chegaram as duas anunciadas antes. Madalena foi para um canto e Nádia
sentou-se perto dele, já pedindo bebida, que ele não negou. Daí para diante as horas
passaram-se e ele comportava-se como um boêmio.
Nadia bebia muito, começou a ficar alegre e exibia seu corpo com sensualidade.
Deitava no seu ombro deixando a mostra seus seios volumosos que ele não perdia a
oportunidade de enfiar as mãos por dentro da blusa e apalpá-los com carinho e violência
ao mesmo tempo.
Tocava Nelson Gonçalves quase o tempo todo, uma vez ou outra trocavam para Rita Lee e
outros. Levantou-se foi ao banheiro, quando voltou viu Nádia só de calcinhas diante
do espelho exibindo seu corpo quase nu. Pediu então que tirasse também a calcinha, no que
logo foi atendido.
Nédia estava nua, passava a mão pelo seu corpo nu, acariciava a bunda lembrando-se que
muitos homens já haviam feito a mesma coisa, pois Nádia com certeza já esteve com muitos
homens. Enquanto ele acariciava seu corpo nu, ela retribuía as carícias apalpando em
suas partes íntimas deixando-o quase a ponto de explodir ali mesmo.
Já era madrugada quando saíram da boate. Pediu a conta para o garçom, quis reclamar
porque estava alta, mas achou melhor ficar quieto.
Nádia, bêbada, falando com dificuldade, pediu que ele a levasse para casa. Ele não negou,
colocou Nádia em seu carro e saiu em direção a BR 101, finalmente chegou a um conjunto
habitacional onde certamente um daqueles apartamentos era de sua Deusa do amor. Ela o
convidou para que aparecesse sempre que quisesse. Sabia onde morava.
Nádia despediu-se dizendo que foi uma noite muito legal e que agora tinha dinheiro
para comprar o material de seu filho que estava no maternal. Beijou-o no rosto e saiu
do carro. Ele deu meia volta e se dirigiu para o centro da cidade, parou para fazer
xixi, sentiu vontade de vomitar, vomitou.
Levantou os olhos, viu no horizonte o sol que mais parecia um olho a observá-lo e reprovar
o seu comportamento da noite anterior, parecia Deus olhando para ele, foi a primeira
impressão que teve quando viu o sol, como se fosse olho de Deus seguindo seus passos, dizendo:

“Porque as coisas que estes homens praticam secretamente, é vergonhoso até de falar delas.
Mas tudo isso uma vez é manifesto na luz, fica descoberto e tudo que é descoberto é luz”.

O ÁLBUM DE CENINHAS

Dois amigos se reencontraram após trinta anos de separação e começaram a relembrar seu
tempo de infância.
Começaram a buscar as lembranças do Zorro, de quem se vestia de Zorro, era conhecido como
o zorro da rua. O amigo visitante perguntou por ele, mas a resposta do amigo foi que há
muito tempo não o via. Lembrava-se então dos outros amigos, Taá, Marreco, Gervásio, o
negro Pudino, Elizete, Alzirinha.
Relembraram aquelas sessões barulhentas onde gritavam e batiam os pés no assoalho,
assistiam os noticiários, os seriados.
Recordaram de Rafael que surgiu mais tarde. Um dos amigos lembrou do rancho nos fundos
de sua casa onde projetavam filmes. Lembravam de como faziam para ver o filme, um buraquinho
na caixa voltadas para o sol e as ceninhas que Rafael trazia eram projetadas na parede.
Comentaram que as cenas projetadas eram todas trazidas de filmes americanos.
Comentavam como naquele tempo a influência americana era forte no Brasil, entre os jovens
e as crianças. Comentavam como os mocinhos dos filhos americanos eram imitados.
Comentavam que com o passar do tempo foram arrancados dessa cultura inocente para um
novo tipo de cultura sem mesmo ter tempo de avaliá-la nas suas dimensões.
Comentavam que deparavam com o mundo concreto, que estava ali à sua frente, para
deparar com um mundo virtual e maravilhoso.
Analisavam as promessas dos políticos que prometiam integrar o Brasil no primeiro mundo
como se o primeiro mundo fosse uma coisa individual e não como uma árdua luta coletiva
através da experiência pelo tempo.
Concluíam em sua conversa, que a influência do cinema americano na cultura brasileira
foi fundamental, copiar influências dos cinemas americanos tanto na política como na
religião foram avassaladoras.
Lembraram das ceninhas de Rafael que eram cópias do cinema americano. Todos tinham
suas coleções de ceninhas, mais as melhores sempre foram do Rafael.
Terminaram a conversa comentando como Rafael cuidava das suas ceninhas, cobiçadas
por todos do grupo, tentaram uma vez roubá-las mas não adiantou. Comentaram que Rafael
morava por perto e que sempre exibia suas ceninhas dos filmes americanos, sempre que
solicitado, as cenas de Rafael, lembraram os dois amigos, que a cultura do cinema ainda
continua sendo americana com poucas chances do cinema brasileiro passar a frente.

CINCO DIAS ÚTEIS

É o relato de uma semana comum de um cidadão comum.
Na segunda feira naquela repartição pública trabalhava em suas mesas, numa grande
sala os funcionários que analisavam a crise econômica. Certo momento, Aristófanes
levantou-se para ir ao banheiro.
Enquanto caminhava pelo corredor, tentando esquecer os problemas, ia tentando
cantarolar um trechinho de “Quadros de uma exposição”, de Mussorgski, na transcrição
para orquestra de Ravel, mas não conseguiu.
O máximo que conseguiu foi assobiar um pedacinho de asa branca.
Ao sair do banheiro percebeu que seus colegas estavam assustados com a sua presença.
Na testa dele estavam incrustados três diminutos corações verdes.
“É a hora crucial!”, exclamou alguém.
Sete funcionários se ajoelharam e começaram a rezar o creio em Deus Padre.

Terça
O cidadão convidou uma amiga que sabia fazer magia negra para fazer um trabalho que
há tempo havia começado.
Essa pessoa precisava sair de casa naquela semana, então Natércia reproduziu o rosto
da proprietária do imóvel no boneco. Depois de pronto o boneco, sentindo raiva da
velhota dona do imóvel, esperaram três minutos, Nécia exclamou: “É o momento!”
Desta vez tudo deu certo, enfiaram o alfinete no coração do boneco e imediatamente
ouviram a explosão a três quarteirões dali, correram para a janela e viram a fumaça
que subia para o céu.

Quarta
Quando o proprietário da oficina mecânica estava abrindo a oficina, a sua mulher lhe
chamou a atenção para os velhinhos que moravam ao lado.
Realmente estavam com atitudes estranhas. Enquanto o Sr. Gabriel cantava a plenos pulmões
imitando Pavarotti, as duas velhinhas de 78 e 76 anos, respectivamente, dançavam nuas no pátio
da casa.
Resolveram então levá-los para uma casa de umbanda.
Foi naquela noite, enquanto o Ogum baforou a fumaça de seu cachimbo sobre os velhinhos,
todo viram o que nunca tinham visto: trinta e nove pequenas serpentes, saltaram das bocas
dos velhinhos e percorriam o salão, desapareceram pelos interstícios do velho assoalho.

Quinta
O cidadão procurou o Sr. Virgolino Ferreira para vender-lhe algumas ações telefônicas,
mas quando chegou no escritório a secretária lhe informou que o Sr. Virgolino teve de viajar
e que ele voltasse no dia seguinte.

Sexta
Voltou ao escritório do Virgolino. Entrou no escritório e encontrou a secretária que
pintava as unhas com a perna levantada de maneira que lhe pode ver a calcinha roxa.
Informou-o que o Sr. Virgolino o esperava e apontou para a porta.
Entrou e encontrou Sr. Virgolino com uma peruca ruiva desabrochando um sorriso aliciante.
Arqueando o bigodinho preto aparado exclamou: “Eu queria, amor, que você visse isto”.
Colocou um disco na vitrola e começou a rebolar, bater palmas sacudir as pernas, seguindo
uma musica que dizia: “Tutti Frutti. Oh, groovy”.

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