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Famigerado (Conto de Primeiras estórias), de Guimarães Rosa

by Lucas Gomes

Narrado em primeira pessoa, Famigerado, conto que faz parte da obra Primeiras estórias, de Guimarães Rosa, constitui-se num episódio cômico.

Nesse conto, podemos opor o poder da força, Damásio, ao poder da instrução, do conhecimento médico. Caso o médico tivesse revelado o sentido dicionarizado do termo “famigerado”, estaria, por certo, infligindo uma sentença de morte ao moço.

Em Famigerado, Guimarães Rosa tematiza a importância da linguagem. Seu conhecimento ou não determina as posições sociais.

Enredo

Um médico do interior [narrador da história] recebe a visita de quatro cavaleiros rudes do sertão. Seu líder, Damásio, conhecido assassino da região, quer que o doutor, pessoa letrada do lugar, o esclareça a respeito do significado da palavra “famigerado”, pois ouviu esta palavra de um moço do governo.

A pergunta é feita por Damásio, da seguinte maneira:

-Vosmecê agora me faça a boa obra de querer me ensinar o que é mesmo que é: famisgerado… faz-me-gerado… falmisgeraldo… famílias-gerado? O conto encaminha-se para um anticlímax: o médico (narrador) depara-se com uma situação de tensão: um bandido feroz, Damásio Siqueiras, visita-o com a intenção de saber o significado da palavra “famigerado”. O facínora queria saber, portanto, se aquela palavra seria motivo para a desgraça ou para a paz. Temeroso de revelar a verdadeira intenção do homem do governo, o médico mente, pois teme a violência de Damásio contra o “moço do Governo” que assim o havia chamado.

O médico, ineficientemente (ou por insegurança), informa que o termo significa “inóxio”, “douto”. A verdade não fica clara. Damásio pede para que seja usada “fala de pobre”, de “em dia de semana”. Um pedido humilde. O narrador, pois, já detém poder da situação. Expõe-lhe toda a verdade. Informa que não é nome de ofensa. Ele explica então que “famigerado” quer dizer “célebre”, “notório”, “notável”.

O assassino, depois de tranqüilizado com a resposta do médico, agradece e vai embora. Antes, porém, considera que: Não há como as grandezas machas de uma pessoa instruída.

O interessante é notar que há uma constante preocupação em descobrir o que existe por trás das palavras. Damásio quer ter posse desse conhecimento, pois suas ações dependem disso. O narrador quer saber por que essa curiosidade, com medo de que tenham feito intriga contra ele.

Uma leitura desatenta indicaria que o narrador censurou a verdade. De fato, “famigerado” quer dizer “famoso, importante, que merece respeito”. Mas boa parte das pessoas usa esse termo com o sentido de “maldito, desgraçado”. Há uma forte possibilidade de que essa tinha sido a intenção do moço do governo. E a fala final do narrador deixou nas entrelinhas, como uma parábola, uma estória, este último significado. Quando Damásio lhe pede para confirmar se não se constituiu ofensa, o interlocutor diz: Olhe: eu, com o sr. me vê, com vantagens, hum, o que eu queria uma hora destas era ser famigerado – bem famigerado, o mais que pudesse!… De fato, mesmo proprietário, estabelecido, culto, formado, naquela hora em que se sentia encurralado pelo medo de perder a vida, o que mais queria era ser tão desgraçado, tão maldito quanto Damásio.

Mas o bandido não estava preparado para essa verdade. Estava diante dele, mas não a enxergou. Estava ainda mergulhado nas trevas. Não pôde perceber o brilho do vaga-lume. É por isso que sai desmanchando-se de felicidade e alívio.

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