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Pirlimpsiquice (Conto de Primeiras estórias), de Guimarães Rosa

by Lucas Gomes

Conto narrado em primeira pessoa, apresentando um narrador protagonista.

O período a que o autor nos remete é o tempo prazeroso da infância, repleto de aventuras e de
experiências inéditas, como a da arte de representar.

O nome desse conto parece uma união de duas idéias, Pirlimpimpim, o pó de faz de
conta do Sítio do Picapau Amarelo e psique, que tanto pode significar “alma”, “espírito”, “mente”. É a
história de onze ou doze crianças que estão ensaiando uma peça, Os Filhos do Dr. Famoso, para ser
encenada diante da escola. É notável como crianças, símbolo da liberdade, agem no rigor dos ensaios
constantes. Chama a atenção também como os adultos têm uma linguagem tão empolada, próxima do vazio. O
pior é que um grupo de crianças, liderado pelo Gamboa, ficou de fora de todo esse processo e começa a
espalhar que tem conhecimento da obra que os meninos ensaiam tão em segredo. Então, como disfarce, os
atores criam uma terceira história.

Tudo perfeitamente programado, mas em cima da hora o Ataualpa, quem iria abrir a peça, tem um parente
que está para morrer e, por isso, precisa ir embora. Quem assume o seu lugar é o narrador, que sabia
todas as falas de cor, pois era o ponto. No entanto, na estréia é que perceberam que a peça devia ser
aberta por um poema conhecido só pelo Ataualpa. O narrador fica parado, sem saber o que fazer. A gafe é
paga com vaias monstruosas.

A situação é salva por Zé Boné, garoto limítrofe que teve sua participação limitada
a um papel sem fala. Inesperadamente começa a encenar a própria peça do Gamboa,
no que é seguido pelos demais garotos, como se estivessem num transe, que se transfere
para a platéia, paralisando-a. Esse transe coletivo pode ser entendido como o
poder da Arte.

Em Pirlimpsiquice, a invencionice infantil é lembrada com saudades pelo narrador levantando um
tênue limite entre o real e a imaginação.

No conto, o narrador-personagem, já adulto, narra um episódio transcorrido em sua infância, quando
estudava interno em um colégio:

Um grupo de alunos é convocado para encenar uma peça teatral [Os filhos do doutor Famoso]. Entusiasmados,
os meninos ouvem o resumo do drama, lido pelo Dr. Perdigão “lente de corografia e história-pátria”. O
narrador é escalado para ser apenas o ponto.

Passam a ensaiar todo o final de tarde, depois do jantar, enquanto os outros cumprem horas obrigatórias
de estudo e prometem badernas e vaias durante a apresentação e sovas depois.

No dia da apresentação, Ataualpa, o menino que representaria o papel mais importante – o Dr. Famoso –
tem de viajar às pressas, pois seu pai está à morte. O ponto, por conhecer todas as falas das
personagens, é escalado para substituí-lo.

Quando já está frente ao público, o menino se dá conta de que deveria iniciar com a declamação de um
poema que falava na “Virgem Padroeira e na Pátria!”, mas este era conhecido somente por Ataualpa. Diante
da hesitação e do silêncio do menino em cena, o público ri.

Este, por fim, diz trêmulo: “-Viva a Virgem e viva a Pátria”. Porém a confusão não para aí. Mandam
abaixar as cortinas do palco, mas elas não descem. Entram as crianças para a próxima cena, mas
“apalermados” não proferem palavra. Como conseqüência: “- A vaia, que ninguém imaginava. O que era um
mar – patuléia, todos em mios, zurros, urros, assobios: pateada. A gente, nada”.

No meio da confusão, Zé Boné, um que “regulava de papalvo [indivíduo simplório, pateta] começa a
representar; só que não a história prevista, mas uma outra, inventada por um colega – Gamboa – com quem
os atores tinham rixas. A partir daí, os meninos passam a improvisar e conquistam o respeito da platéia
que os aplaude.

A história vai se tornando tão envolvente que eles não percebem que têm de concluí-la: “Entendi. Cada um
de nós se esquecera de seu mesmo, e estávamos transvivendo, sobrecrentes disto: que era o verdadeiro
viver? E era bom demais, bonito – milmaravilhoso – a gente voava, num amor, nas palavras: no que se
ouvia dos outros e no nosso próprio falar. E como terminar?”

O narrador é o único a perceber que a ilusão havia tomado o lugar da realidade e que isso teria de ter
um fim. Então resolve dar uma cambalhota, para cair, de propósito. Perde os sentido e a peça é
interrompida.

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