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A revista Orpheu

by Lucas Gomes


Capa do exemplar nº 1
da Revista Orpheu

Sem nenhum trauma nem ruptura forte entre o aparecimento e o desaparecimento dos ‘ismos’, o número 1 da Revista Orpheu saiu como num contínuo natural e projetado ao mesmo tempo, no primeiro trimestre de 1915.

Mas, afinal, o que é que foi o grupo de Orpheu? Quem eram? E o que escreveram para tanto turbar o pequeno mundo literário português e europeu?

Sobre o que é que foi Orpheu, Fernando Pessoa deixou muitos escritos, nem sempre coerentes entre eles. Um particular respeito e crédito, entre nós, mereceu uma afirmação peremptória e contraditória (e por isso completa) publicada por Fernando Pessoa em 1935 em Sudoeste, um ano antes da sua morte e 20 anos após a saída do primeiro número de Orpheu: ‘[…] Cá estamos sempre. Orpheu acabou. Orpheu continua.’ Nesta afirmação está toda a força paradoxal que esta ‘revista extinta e inextinguível’ representou e representa.

Num fragmento datilografado, provavelmente de pouco tempo depois da saída de Orpheu (publicado em 1993 em Pessoa Inédito), o autor, como diretor da revista, esclareceu a posição e as possibilidades de ser ‘escola’ dos que colaboraram nos dois números saídos naquela altura. Pessoa excluiu a possibilidade de definir como ‘futurista’ Orpheu, adjetivo aplicável só a ‘alguns lamentáveis episódios de José de Almada Negreiros’ e do pintor Guilherme de Santa Rita. Ainda, rejeitou a escolha por ele formulada em alguns outros textos, de designar a revista de ‘sensacionista’ e de ‘interseccionista’; isto com a simples motivação de serem expoentes destas duas correntes apenas Álvaro de Campos e o Fernando Pessoa da Chuva Obliqua. Neste mesmo trecho chegou até a negar o termo de Modernista como nome do movimento dos de Orpheu, porque esta palavra não tem qualquer sentido.

Finalmente, Fernando Pessoa esclareceu qual era o rumo comum para os colaboradores de Orpheu; isto é, não terem nenhum rumo comum. Os artistas de Orpheu pertenciam cada um à escola da sua individualidade própria, não lhes cabendo portanto, em resumo do que acima se disse, designação alguma coletiva. As designações coletivas só pertencem aos sindicatos, aos agrupamentos com uma idea só (que é sempre nenhuma) e a outras modalidades do instinto gregário, vulgar e natural nos cavalos e nos carneiros. Apesar desta afirmação, não se pode deixar de procurar, e encontrar, elementos que relevavam como o conjunto dos colaboradores de Orpheu possa ser definido como uma escola.

O caráter europeu e de vanguarda estilística, que na revista estava sempre presente, explicitou-se com formas e tons diferentes nos vários colaboradores mas, sem dúvida, não deixa de ser o seu elemento unificador. Além disso, entre os de Orpheu existem pequenos sub-grupos que receberam evidentes influências daquele ou de outro movimento europeu contemporâneo. Temos, por exemplo, o pequeno grupo formado por Álvaro de Campos (o da Ode Triunfal), por José de Almada Negreiros do Manifesto Anti-Dantas e da Cena do Ódio, por Sá-Carneiro de Manucure e por Santa Rita Pintor que poderia diretamente ser aproximado ao tom futurista da época. O que, afinal, é certa é a variedade e o dinamismo que todo o grupo dos ‘modernistas’ representou e ainda representa. Nenhum daqueles que assinou o primeiro número da revista ficou agarrado a um ideal estético fixo e imutável (com a relativa exceção de Sá-Carneiro que só viveu mais um ano). Todos evoluíram ou recuaram, o que é certo é que mudaram sem nunca deixarem de ser ‘os de Orpheu’.

O símbolo deste contínuo mudar (excluindo Fernando Pessoa, a quem poderemos acrescentar o adjetivo ‘paralelo’) pode ser a figura de José de Almada Negreiros. Homem da Renascença, foi prosador, autor dramático, poeta, pintor e escultor. Como poeta, entre os de Orpheu, foi o mais primitivo por causa da forma simples, direta e talvez violenta com que os seus pensamentos tomaram forma. Sempre ao passo com o seu tempo foi influenciado pelo futurismo marinettiano antes, pelo de Álvaro de Campos depois e, finalmente, pelo Dadaísmo dos anos ’20, sem esquecer a paixão ocultista que dividira com Pessoa.

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