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Brasil – A Revolta da Vacina

by Lucas Gomes


Fotografia de flagrante da Revolta da Vacina
Rio de Janeiro

No pior motim da História do Rio, 23 pessoas morreram e quase mil foram presas e torturadas. A Revolta da Vacina foi contra o chamado despotismo sanitário do governo, que desalojava os pobres de suas casas e aumentava a repressão policial. O cientista Oswaldo Cruz queria salvá-los, mesmo à força, da varíola. Nesse triste mal-entendido, a doença fez milhares de vítimas.

Rio de Janeiro, novembro de 1904. A divulgação de projeto de lei que torna obrigatória a vacina contra a varíola transforma a cidade em praça de guerra. Durante uma semana, em meio a agitações políticas e tentativa de golpe militar, milhares de pessoas saem às ruas e enfrentam a polícia, o Exército, até o corpo de bombeiros e a Marinha. O saldo da refrega: 23 mortos, dezenas de feridos, quase mil presos, muitos dos quais torturados e enviados para o Acre. Foi o maior motim da História do Rio, e tanto a revolta dos manifestantes quanto a violência da repressão surpreendem. Por que a população se insurgia contra uma lei destinada a protegê-la de doença tão terrível? Como explicar a determinação das autoridades em impor medidas de saúde pública a golpes de porrete?

O mais curioso é que a vacina antivariólica era coisa antiga no Rio. Fora introduzida no Brasil em 1804, logo depois de sua descoberta por Jenner, médico inglês. Dom João VI, um entusiasta da novidade, mandou organizar um serviço de vacinação. Mas os problemas não demoraram a surgir. Jenner descobrira a vacina ao estudar a medicina popular de camponeses ingleses. Tais camponeses diziam que pessoas que ordenhavam vacas não pegavam varíola. O médico investigou a crença popular e conseguiu comprovar que os camponeses contraíam, em geral nas mãos, uma moléstia comum nas tetas dos quadrúpedes. A doença do gado – a vacina – conferia imunidade contra a varíola. A origem da profilaxia causou polêmica desde o início. Como admitir a transmissão voluntária, para os humanos, de uma moléstia comum em vacas? Os humoristas do período desenhavam vacinados que desenvolviam chifres, rabos, tetas… Para minorar o problema, as autoridades públicas adotaram a vacina humanizada, transmitida braço a braço. Ou seja, depois da obtenção original do pus vacínico num animal contaminado, o material era aplicado no braço de pessoas; após alguns dias, o líquido da ferida provocada pela vacina era extraído do braço delas e passado adiante. O serviço dependia de os vacinados retornarem ao posto para a extração do líquido da ferida inflamada. Raramente voltavam, e o governo mandava a polícia atrás dos portadores do precioso pus. A questão ficou ainda mais séria a partir de meados do século XIX, quando pesquisadores europeus constataram que a vacinação propagava a sífilis. A aplicação da vacina transformara-se em algo mais ou menos problemático em todos os países ocidentais na segunda metade dos 800. No Brasil, para agravar a situação, havia um grande contingente de escravos africanos que suspeitavam da medicina dos brancos e preferiam recorrer às práticas tradicionais de seus curandeiros para enfrentar a varíola e outras doenças comuns tanto na África quanto no continente americano.

O cenário começou a mudar no último quartel do século XIX. A medicina dos tempos de Pasteur foi uma revolução técnica que aumentou a confiança de médicos e governantes na possibilidade de combater eficazmente algumas epidemias. Em vários países, entre eles o Brasil, tal acúmulo de confiança desembocou em “despotismo sanitário” – ou seja, na idéia de que o governo, através de seu crescente corpo de técnicos, detinha o monopólio do saber e a prerrogativa de “higienizar” a sociedade a qualquer custo. No Rio de Janeiro, capital da República, a assepsia social desejada por técnicos e autoridades resultou em perseguição aos cortiços e outras moradias populares do centro da cidade, na condenação dos hábitos da população pobre – especialmente dos negros libertos – , no aumento da repressão policial. Na década de 1890, a vacina havia sido aperfeiçoada e não mais apresentava os riscos de outrora. Mas as autoridades públicas, Oswaldo Cruz à frente, achavam que tinham o direito de impor a profilaxia à força, invadindo domicílios em busca de pessoas para ser vacinadas. A cidade ferveu. A conseqüência da falta de comunicação entre autoridades e população foi trágica: em 1908, o Rio sofreu a mais séria epidemia de varíola de sua História, com milhares de mortos.

Fonte: IstoÉ

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